
Tradicionalmente, distingue-se entre as:
– sociedades de pessoas; e as
– sociedades de capitais [1]Sobre esta matéria ver J. M. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial – Das Sociedades, Volume II, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, págs. 78 a 81; Pedro Maia, Estudos de Direito … Continuar a ler.
Índice
- 1) Sociedades – entidades:
- 2) Sociedades civis vs sociedades comerciais:
- 3) Distinção entre sociedades de pessoas e sociedades de capitais:
- 4) Sociedades de pessoas:
- 5) Sociedades de capitais:
- 6) Sociedades por quotas – são sociedades de pessoas ou sociedades de capitais?
- 7) Sociedades qualificadas como sociedades de pessoas:
- 8) Sociedades qualificadas como sociedades de capitais:
1) Sociedades – entidades:
Na distinção supra referida, a palavra “sociedades” está empregue em sentido jurídico, enquanto entidade.
A sociedade-entidade é uma entidade:
i) criada por uma ou mais pessoas singulares ou coletivas (sócio único ou sócios),
ii) dotada, em princípio, de personalidade jurídica plena (sendo, nesse caso, um sujeito de Direito de tipo pessoa coletiva, autónomo face ao sujeito ou sujeitos do(s) respetivo(s) sócio(s), com aptidão para ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações) ou, mais excecionalmente, de personalidade jurídica rudimentar (ou mera subjetividade jurídica) [2]A. Menezes Cordeiro e A. Barreto Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Parte geral – Pessoas, 5ª Edição, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 661 a 672 e 893 a 919 e em Direito das … Continuar a ler,
iii) mas que, em qualquer caso, é sempre dotada de autonomia patrimonial e
iv) de órgãos próprios com aptidão para exprimir uma vontade que lhe é juridicamente imputável, que a representam para todos os efeitos e cujos atos praticados nessa qualidade, lícitos ou ilícitos, a vinculam,
v) com vista ao exercício de uma atividade com natureza, via de regra, económica,
vi) destinada, em princípio, a obter lucros e distribuí-los ou atribuí-los ao(s) sócio(s), ficando este(s), todavia, sujeito(s) a perdas [3]No sentido de que a sujeição a perdas por parte dos sócios é um elemento essencial do conceito de sociedade, J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., págs. 39 e 40..
2) Sociedades civis vs sociedades comerciais:
De acordo com a natureza civil ou comercial do seu objeto, as sociedades podem ser sociedades civis ou sociedades comerciais.
3) Distinção entre sociedades de pessoas e sociedades de capitais:
Por sua vez, a distinção entre sociedades de pessoas e sociedades de capitais assenta não necessariamente na natureza civil ou comercial do seu objeto, mas sim nas respetivas características e regime jurídico.
A Lei refere-se, de certa forma, a esta distinção no art. 1714.º do Código Civil [4]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis quando determina que “é lícita, contudo, a participação dos dois cônjuges na mesma sociedade de capitais“. Sobra esta matéria ver: sociedade comercial entre cônjuges.
4) Sociedades de pessoas:
4.1) Relevo e valorização da pessoa dos sócios (intuitus personae):
Nas sociedades de pessoas é dado um relevo e valorização maiores à pessoa dos sócios; são mais dependentes da individualidade dos sócios; são sociedades nas quais a pessoa dos sócios tem uma importância decisiva [5]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., pág. 79; Pedro Maia, op. cit., pág. 37; M. C. Nogueira Serens, op. cit., pág. 5.. São sociedades intuitus personae.
O paradigma, arquétipo ou protótipo das sociedades de pessoas é a sociedade em nome coletivo [6]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., pág. 79; Pedro Maia, op. cit., pág. 37; M. C. Nogueira Serens, op. cit., pág. 5..
Nota: doravante, todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte pertencem ao Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, com as alterações subsequentes [7]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis.
4.2) Características das sociedades de pessoas:
Responsabilidade pessoal e ilimitada pelas dívidas da sociedade:
– os sócios têm responsabilidade pessoal e ilimitada pelas dívidas da sociedade: respondem pelo valor total das dívidas da sociedade com todos os bens e rendimentos do seu património pessoal (art. 175.º);
Transmissão das participações sociais:
– a transmissão das participações sociais (partes) entre vivos, por ato voluntário, especialmente por contrato, só pode ocorrer mediante expresso consentimento dos restantes sócios (art. 182.º, n.º 1);
– a participação social do sócio não pode ser penhorada nem apreendida; apenas pode ser penhorado o direito aos lucros e o direito à quota de liquidação que eventualmente integrem a participação social (são valores patrimoniais destacáveis da participação como um todo) (art. 183.º, n.º 1);
– ocorrendo o falecimento de um sócio, se o contrato de sociedade nada estipular em contrário, a sua participação social não se transmite para os respetivos sucessores ou herdeiros, a não ser que os sócios sobrevivos consintam expressamente em continuar com a sociedade com os sucessores ou herdeiros do sócio falecido (art. 184.º);
Votos e quórum deliberativo para alterações do pacto social:
– por regra, a cada sócio pertence um voto, independentemente da proporção do valor nominal da respetiva participação social no capital social da sociedade (peso relativo no capital social) (art. 190.º, n.º 1);
– as deliberações para alterar o contrato de sociedade (pacto social ou estatutos) e para a admissão de novo sócio só podem ser tomadas por unanimidade de todos os sócios (art. 194.º, n.ºs 1.º e 2);
Outros aspetos:
– os sócios têm um amplo direito à informação, independentemente da proporção do valor nominal da respetiva participação social no capital social da sociedade (cfr. art. 181.º);
– via de regra, todos os sócios são gerentes ou administradores (art. 191.º, n.º 1);
– admite-se a possibilidade de os sócios realizarem entradas em indústria ou contribuições de indústria (arts. 178.º e 176.º, n.º 1 als. a) e b));
– os sócios têm uma obrigação de não concorrência com a sociedade, salvo consentimento de todos os outros sócios (art. 180.º);
– o sócio pode ser excluído da sociedade em termos relativamente amplos, sempre que o seu comportamento, enquanto sócio e/ou gerente, constitua violação grave das suas obrigações para com a sociedade ou sempre que a situação pessoal em que se encontre prejudique ou possa prejudicar a sociedade (art. 186.º); e
– a firma da sociedade deve conter o nome de todos ou alguns sócios (firma-nome) (art. 177.º, n.º 1) [8]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., pág. 79; Pedro Maia, op. cit., pág. 37..
5) Sociedades de capitais:
5.1) Relevo das contribuições patrimoniais dos sócios:
Por seu turno, nas sociedades de capitais é dado um relevo maior não à pessoa e individualidade dos sócios, mas sim às respetivas contribuições patrimoniais. São sociedades intuitus pecuniae.
O paradigma, arquétipo ou protótipo das sociedades de capitais é a sociedade anónima (S.A.) [9]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., pág. 79; Pedro Maia, op. cit., pág. 37..
5.2) Características das sociedades de capitais:
Responsabilidade limitada dos sócios ou acionistas:
– os sócios ou acionistas têm responsabilidade limitada: não respondem, via de regra, com o seu património pessoal pelas dívidas da sociedade (arts. 197.º, n.º 3, 271.º e 270.º-G.º);
Transmissão das participações sociais:
– a transmissão das ações entre vivos, por ato voluntário, especialmente por contrato é, em princípio, livre, não carecendo do consentimento dos restantes sócios (art. 328.º);
– a transmissão das participações sociais (ações, quotas) entre vivos, por ato forçado, através de penhora ou execução, é livremente penhorável ou apreensível em sede de processo executivo ou processo de insolvência, respetivamente, movidos contra o sócio (arts. 328.º, n.º 5 e 239.º);
– em caso de morte de um sócio, a sua participação integra a respetiva herança como qualquer outro bem, transmitindo-se para os respetivos herdeiros, passando estes a ser sócios ou acionistas (arts. 225.º, 328.º, 329.º e arts. 2024.º e segs. do Código Civil).
Votos e quórum deliberativo para alterações do pacto social:
– a extensão do direito de voto de cada sócio ou acionista é determinada em função da proporção do valor nominal da respetiva participação social (quota ou ações) no capital social da sociedade (peso relativo de cada sócio no capital social).
Assim:
– nas sociedades anónimas, salvo cláusula no pacto social (estatutos ou contrato de sociedade) em sentido diverso, a cada ação corresponde um voto (one share, one vote) (art. 384.º, n.º 1);
– nas sociedades por quotas, salvo cláusula no pacto social (estatutos ou contrato de sociedade) em sentido contrário, cada sócio tem um voto por cada cêntimo do valor nominal da respetiva quota (art. 250.º, n.º 1). Por exemplo, numa sociedade por quotas com um capital social de 5000,00€ existem, em princípio, 500 000 votos (quinhentos mil votos).
– as alterações ao contrato de sociedade (pacto social) são tomadas por maioria qualificada e não por unanimidade (arts. 386.º, nºs 3 e 4 e 383.º, n.º 2; cfr. também art. 265.º, n.º 1).
Órgãos e competências:
– os gerentes e os administradores são designados e destituídos pela maioria dos votos (arts. 386.º, n.º 2, 391.º, n.º 1 e 403.º, n.º 1; arts. 252.º, n.º 2 e 257.º, n.º 1).
– os sócios ou acionistas não são necessariamente gerentes ou administradores: podem ser, mas também podem não ser (arts. 390.º, n.º 3 e 252.º, n.º 1);
– via de regra, os acionistas não podem deliberar sobre matérias de gestão da sociedade; nesse caso, só podem deliberar a pedido do conselho de administração. O conselho de administração tem competência reservada (arts. 373.º, n.ºs 3 e 2, 405.º e 406.º).
Outros aspetos:
– os sócios ou acionistas não podem realizar entradas em indústria (também designadas contribuições de indústria) (arts. 277.º, n.º 1 e 202.º, n.º 1);
– a firma da sociedade não tem de conter o nome de todos ou alguns sócios (firma-nome); com efeito, a firma da sociedade pode ser firma-denominação, firma de fantasia ou mista (arts. 275, n.º 1 e 200.º, n.º 1);
– em certos casos e em certos termos, os acionistas só podem exercer o seu direito à informação se o valor nominal global das respetivas ações atingir determinada proporção ou percentagem do capital social da sociedade (arts. 288.º, n.º 1 e 291.º, n.º 1).
– em princípio, os sócios não gerentes e os acionistas não administradores podem exercer, diretamente ou indiretamente, atividade concorrente com as respetivas sociedades.
6) Sociedades por quotas – são sociedades de pessoas ou sociedades de capitais?
6.1) Características personalísticas e capitalistas:
As sociedades por quotas combinam elementos e características das sociedades de pessoas e das sociedades de capitais. Ora,
– há Autores que qualificam a sociedade por quotas como uma sociedade de pessoas [10]Neste sentido, Pedro Maia, op. cit., pág. 38; Ana Perestrelo de Oliveira, op. cit., pág. 30 e 152, Autora que, inclusivamente, distingue entre as sociedades puramente pessoais e as sociedades por … Continuar a ler; e,
– há Autores que qualificam a sociedade por quotas como uma sociedade de capitais [11]A. Menezes Cordeiro, colab. A. Barreto Menezes Cordeiro, op. cit., pág. 506 e P. Tarso Domingues, Estudos de Direito das Sociedades, Coord. J. M. Coutinho de Abreu, 12ª edição, Almedina, Coimbra, … Continuar a ler.
De facto, a Lei confere ampla margem de liberdade aos sócios para fixarem o regime de cada sociedade por quotas, estipulando cláusulas no respetivo contrato de sociedade, pacto social ou estatutos, por exemplo:
– no sentido de liberalizar totalmente a cessão de quotas, tornando-a independente do consentimento da sociedade, prestado através de deliberação dos sócios (art. 229.º, n.º 2); ou inversamente,
– no sentido de proibir totalmente a cessão de quotas, tendo, contudo, nesse caso, os sócios direito a exonerar-se da sociedade, uma vez decorridos dez anos a contar da data em que nela ingressaram (art. 229.º, n.º 2).
Ver o nosso artigo: pacto social de uma sociedade por quotas.
6.2) Conclusão – sociedade de capitais:
Analisando o regime jurídico supletivo (aquele que pode ser afastado através de cláusula inserida no contrato de sociedade, estatutos ou pacto social em sentido contrário ou diverso, mas que se aplica na ausência de qualquer estipulação) da sociedade por quotas previsto no Código das Sociedades Comerciais verifica-se que se trata efetivamente de um tipo misto ou híbrido.
Contudo, inclinamo-nos para qualificá-la como uma sociedade de capitais.
7) Sociedades qualificadas como sociedades de pessoas:
São sociedades de pessoas:
– as sociedades em nome coletivo;
– as sociedades em comandita simples;
– as sociedades civis sob forma civil reguladas exclusivamente nos arts. 980.º a 1021.º do Código Civil;
– as sociedades civis sob forma civil especiais, que correspondam a sociedades de profissionais sujeitas a associações públicas profissionais, nomeadamente as sociedades de advogados, as sociedades de notários e as sociedades profissionais de solicitadores e/ou agentes de execução.
8) Sociedades qualificadas como sociedades de capitais:
São sociedades de capitais:
– as sociedades anónimas (S.A.);
– as sociedades em comandita por ações; e ainda,
– pelo menos, para uma parte da Doutrina (Autores), as sociedades por quotas.