
1) Definição:
A sociedade comercial é uma entidade (pessoa coletiva) que:
i) é criada por uma ou mais pessoas singulares ou coletivas (sócio único ou sócios),
ii) tem personalidade jurídica (é um sujeito de Direito, de tipo pessoa coletiva, distinto e autónomo face ao sujeito ou sujeito[s] do[s] respetivo[s] sócio único ou sócios, com aptidão para ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações),
iii) sendo, por isso, também dotada de autonomia patrimonial e
iv) (dotada) de órgãos próprios com aptidão para exprimir uma vontade que lhe é juridicamente imputável, que a representam para todos os efeitos e cujos atos praticados nessa qualidade, lícitos ou ilícitos, a vinculam,
v) que tem por objeto, exclusivo ou parcial, o exercício de uma atividade económica consistente na prática de atos de comércio,
vi) que visa, em princípio, obter lucros e distribuí-los ou atribuí-los ao(s) sócio(s), ficando este(s), todavia, sujeito(s) a perdas [1]No sentido de que a sujeição a perdas por parte dos sócios é um elemento essencial do conceito de sociedade, J. M. Coutinho de Abreu, Curso De Direito Comercial – Das Sociedades, Volume II, … Continuar a ler, e
vii) que adota o tipo:
a) de sociedade por quotas,
b) de sociedade unipessoal por quotas [2]No sentido de que a sociedade unipessoal por quotas é um tipo societário próprio autónomo, A. Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades II, Das Sociedades em Especial, 2ª edição, Almedina, … Continuar a ler,
c) de sociedade anónima (S.A.),
d) de sociedade em nome coletivo,
e) de sociedade em comandita simples, ou
f) de sociedade em comandita por ações.
Índice
- 1) Definição:
- 2) Tipos de sociedades comerciais; tipicidade e taxatividade:
- 3) Sociedades comerciais vs sociedades civis:
- 4) Elementos da sociedade comercial:
- 4.1) Elemento pessoal – sócios ou sócio único:
- 4.2) Elemento patrimonial – a sociedade tem autonomia patrimonial:
- 4.3) Objeto social:
- 4.4) Finalidade lucrativa; repartição dos lucros pelos sócios e sujeição a perdas:
- 4.5) Elemento formal – tipicidade – tipos de sociedades comerciais:
- 4.6) Capital social:
- 5) Personalidade jurídica:
- 6) Órgãos próprios:
2) Tipos de sociedades comerciais; tipicidade e taxatividade:
Tipos de sociedades comerciais:
Os tipos de sociedades comerciais são os seguintes:
– sociedade por quotas;
– sociedade unipessoal por quotas;
– sociedade anónima;
– sociedade em nome coletivo;
– sociedade em comandita simples; e
– sociedade em comandita por ações.
Tipicidade e taxatividade:
Tipicidade – são sociedades comerciais apenas aquelas que adotarem um dos tipos de sociedades comerciais previstos na lei (cfr. art. 1.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais [CSC]).
Taxatividade ou numerus clausus – as sociedades comerciais só podem adotar um tipo de sociedade comercial constante do elenco, catálogo ou lista fechada taxativamente previsto na Lei (cfr. art. 1.º, n.º 3 do CSC).
Nota: doravante, todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte pertencem ao Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, com as alterações subsequentes [3]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis.
3) Sociedades comerciais vs sociedades civis:
As sociedades podem ser civis ou comerciais.
3.1) Sociedades comerciais:
Objeto comercial ou misto:
As sociedades comerciais são aquelas que:
a) têm por objeto a prática de atos de comércio ou
b) tenham objeto misto, ou seja, que visam em parte a prática de atos de comércio e em parte a prática de atos civis (não comerciais) (cfr. art. 1.º, n.ºs 2 e 4).
Ora, os atos de comércio (objetivos) mais importantes são os atos de comércio em sentido jurídico que são praticados em série, em repetição orgânica, no quadro de organizações de meios pessoais ou reais, isto é, no quadro de empresas (cfr. art. 230.º do Código Comercial) [4]J. M. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Volume I, 12ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 69 e segs, especialmente 81 e 83..
Ora, o comércio em sentido jurídico abrange:
– o comércio em sentido económico, que é a atividade de interposição nas trocas, que corresponde essencialmente à compra de coisas para revenda e à venda de coisas adquiridas para revender;
– a indústria ou atividade industrial-transformadora;
– a prestação de serviços, desde que não sejam prestados por profissionais liberais (advogados, economistas, engenheiros, arquitetos, médicos, revisores oficiais de contas, etc…); e
– em geral, todas as atividades económicas que não tenham natureza agrícola, artesanal cultural ou que sejam prestadas por profissionais liberais [5]idem, págs. 36 e 37..
3.2) Sociedades civis:
Objeto civil:
Por sua vez, as sociedades civis são aquelas que têm exclusivamente por objeto a prática de atos civis, isto é, não comerciais.
São sociedades civis nomeadamente:
– as sociedades agrícolas,
– as sociedades desportivas,
– as sociedades com objeto de artesanato, de artes ou de cultura (em geral), e
– as sociedades de profissionais liberais (advogados, economistas, engenheiros, arquitetos, médicos, revisores oficiais de contas, etc…) [6]idem, págs. 36, 37, 122 a 125 e 253 a 261 e em Curso, Volume II, op. cit., pág. 60..
Sociedades civis sob forma civil ou sociedades civis sob forma comercial:
As sociedades civis podem ser:
a) sociedades civis sob forma civil, ou
b) sociedades civis sob forma comercial.
4) Elementos da sociedade comercial:
Tradicionalmente, entende-se que a sociedade comercial, enquanto entidade, tem, pelo menos, quatro elementos; porém, a estes elementos pode-se acrescentar um ou dois, consoante estejamos perante uma sociedade de responsabilidade ilimitada (RI) ou de uma sociedade de responsabilidade limitada (RL):
a) o elemento pessoal, composto pelos sócios ou sócio único;
b) o elemento patrimonial – a sociedade tem autonomia patrimonial;
c) o objeto (ver: objeto social);
d) o fim lucrativo e sujeição a perdas;
e) o elemento formal – tipicidade [7]Inclui este último elemento, A. Menezes Cordeiro, colab. A. Barreto Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades I, op. cit., págs. 245 e 258 a 261.; e
f) apenas quanto às sociedade de responsabilidade limitada (RL) ou sociedades de capitais, o capital social [8]Neste sentido, pelo menos em face do Direito constituído, P. Tarso Domingues, Variações sobre o capital social, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 37 a 39. (sociedades por quotas, sociedades unipessoais por quotas e sociedades anónimas – são os tipos mais usados em Portugal).
4.1) Elemento pessoal – sócios ou sócio único:
Sociedades pluripessoais vs sociedades unipessoais:
A sociedade comercial pode ser:
– pluripessoal, se for criada por dois ou mais sujeitos de Direito, pessoas singulares ou pessoas coletivas (sócios); ou
– unipessoal, se for criada por um único sujeito de Direito, pessoa singular ou pessoa coletiva (sócio único). É o caso das sociedades unipessoais por quotas e das sociedades anónimas unipessoais (cfr. arts. 7.º, n.º 2, 270.º-A a 270.º-G, 488.º e 481.º).
Ato constitutivo da sociedade comercial:
O ato constitutivo:
– das sociedades pluripessoais, criadas por dois ou mais sócios, é, via de regra, um contrato de sociedade (cfr. art. 7.º, n.º 2);
– das sociedades unipessoais, criadas por um único sócio, é, via de regra, um negócio jurídico unilateral (cfr. art. 7.º, n.º 2, parte final).
Número mínimo de sócios:
– as sociedades por quotas são criadas por um número mínimo de dois sócios (cfr. arts. 7.º, n.º 2, 197.º, nºs 1 e 2 e 199.º);
– as sociedades unipessoais por quotas são:
a) criadas por um único sócio, pessoa singular ou pessoa coletiva, titular de uma só quota, representativa, portanto, da totalidade do capital social da sociedade (cfr. art. 270.º-A, n.º 1); ou,
b) resultantes de um processo de transformação (nomeadamente, na sequência da concentração na titularidade de um único sócio de todas as quotas de uma sociedade por quotas propriamente dita, constituída originariamente com dois ou mais sócios) (cfr. art. 270.º-A, n.ºs 2 a 4); e
– a sociedade anónima é constituída:
a) por um número mínimo de cinco sócios (art. 273.º, n.º 1); ou
b) por um único sócio (arts. 273.º, n.º 1, parte final, 481.º e 488.º).
Violação do número mínimo de sócios:
As sociedades que ficarem reduzidas por um período superior a um ano, por qualquer razão, a um número de sócios inferior ao mínimo exigido por Lei, têm seis meses para repor a pluralidade de sócios, sob pena de ficarem sujeitas a dissolução administrativa (cfr. art. 142.º, n.º 1 al.a)).
4.2) Elemento patrimonial – a sociedade tem autonomia patrimonial:
A sociedade comercial tem autonomia patrimonial, isto é, tem um património próprio e distinto do património dos respetivos sócios, composto por bens, direitos e obrigações em dinheiro ou suscetíveis de avaliação em dinheiro.
Entradas dos sócios:
De facto, um dos deveres dos sócios fundadores de uma sociedade comercial (aqueles que constituem a sociedade) é o dever de realizar uma entrada (cfr. art. 20.º al.a)). Os sócios que participam em aumentos de capital social por novas entradas em dinheiro e/ou em espécie também têm esse dever (cfr. arts. 87.º a 89.º).
As entradas realizadas pelos sócios em benefício da sociedade podem ser:
– entradas em dinheiro (que são as mais frequentes na prática societária);
– entradas em espécie; ou,
– entradas em indústria, nos tipos societários que admitem este tipo de entrada.
Os sócios são devedores das entradas; a sociedade é credora das entradas.
Diferimento das entradas em dinheiro:
As entradas dos sócios não têm necessariamente de ser imediatamente realizadas. Com efeito, admite-se, em certos termos, o diferimento das entradas em dinheiro.
Se as entradas não forem imediatamente realizadas nem por isso deixa de haver um património inicial; o património da sociedade será composto, pelo menos, por todos os créditos relativos às obrigações de realizar entradas por parte dos sócios [9]J. M. Coutinho de Abreu, Curso, Volume II, op. cit., págs. 26 e 27..
4.3) Objeto social:
O objeto social das sociedades comerciais é a atividade económica que os sócios propõem que a sociedade venha a exercer (cfr. art. 11.º, n.º 2).
O objeto das sociedades comerciais terá de consistir na prática exclusiva ou não exclusiva de atos de comércio (cfr. art. 1.º, n.ºs 2 e 4).
Por outro lado, a atividade económica terá de consistir numa série ou sucessão de atos; terão que ser praticados em repetição orgânica enquadrados no quadro de uma organização, de dimensão e complexidade variáveis; terão que ser praticados de forma reiterada, sistemática e repetida. Assim, não existe sociedade se as partes acordarem apenas na prática de um ato isolado [10]idem, págs. 28 e 29..
4.4) Finalidade lucrativa; repartição dos lucros pelos sócios e sujeição a perdas:
4.4.1) Finalidade lucrativa e a repartição dos lucros pelos sócios:
Em Portugal, a sociedade comercial tem, via de regra, escopo lucrativo: visa obter lucros e distribuí-los ou atribuí-los ao(s) sócio(s), ficando este(s), todavia, sujeito(s) a perdas [11]idem, págs. 33 a 40. (cfr. art. 980.º do Código Civil, aplicável por força do art. 2.º). Este elemento permite distinguir as sociedades das associações e das fundações (cfr. arts. 157.º e 185.º, n.º 1 do Código Civil).
Lucro – é um ganho traduzível num aumento ou incremento do património da sociedade. O lucro forma-se no património da sociedade e depois deve ser distribuído, repartido ou atribuído aos sócios ou sócio único [12]idem, págs. 33 e 429 a 451..
Contudo, este elemento não deve ser absolutizado; com efeito, mais excecionalmente, admite-se a possibilidade de existirem sociedades que não tenham por fim a obtenção de lucros e a sua repartição pelos sócios [13]A. Menezes Cordeiro, colab. A. Barreto Menezes Cordeiro, op. cit., págs. 289 e 290..
4.4.2) Sujeição a perdas:
A sujeição a perdas por parte dos sócios ou acionistas também é um elemento essencial da sociedade comercial, [14]J. M. Coutinho de Abreu, Volume II, op. cit., págs. 39 e 40..
Na verdade, é nula a cláusula que isenta o sócio de participar nas perdas da sociedade, salvo o disposto quanto a sócios de indústria (art. 22.º, n.º 3). Sobre o dever de quinhoar nas perdas dos sócios de indústria, ver o nosso artigo: sócio de indústria.
Ora, o dever de quinhoar nas perdas significa essencialmente que todo o sócio corre o risco de perder (na medida em que não recupera) total ou parcialmente o investimento feito como contrapartida da aquisição da participação social [15]idem, pág. 456..
4.5) Elemento formal – tipicidade – tipos de sociedades comerciais:
Ver em cima ponto 2.
4.6) Capital social:
4.6.1) É um elemento essencial nas sociedades de responsabilidade limitada:
O capital social é um elemento essencial e obrigatório nas sociedades de responsabilidade limitada, tendo imperativamente que constar do pacto social (contrato de sociedade, estatutos ou ato constitutivo) da sociedade (arts. 9.º, n.º 1 al.f) e 201.º).
São, nomeadamente, sociedades de responsabilidade limitada:
– as sociedades por quotas,
– as sociedades unipessoais por quotas, e
– as sociedades anónimas (cfr. arts. 9.º, n.º 1 al.f), 201.º, 270.º-G e 276.º, n.º 5).
4.6.2) Definição de capital social:
O capital social (nominal) é a cifra numérica, expressa em Euros, constante do pacto social (contrato de sociedade, estatutos ou ato constitutivo) da sociedade e, por isso, tendencialmente estável, representativa da soma dos valores nominais das participações sociais (quotas, ações ou partes) fundadas em entradas em dinheiro e/ou em espécie [16]Cfr. no essencial, J. M. Coutinho de Abreu, Curso, Volume II, op. cit., págs. 419 e 420; P. Tarso Domingues, Variações…, op. cit., págs. 48 e 49 e Ana Perestrelo de Oliveira, Manual de … Continuar a ler e que deve ser inscrita no balanço, dentro da rubrica do capital próprio, concretamente na sub-rubrica do capital subscrito (capital social = capital subscrito).
4.6.3) Capital social mínimo:
Sobre esta matéria ver em especial o nosso artigo: capital social mínimo.
a) O capital social mínimo da sociedade por quotas propriamente dita, constituída originariamente por dois ou mais sócios, corresponde ao número de sócios multiplicado por 1,00€:
– se a sociedade por quotas tiver dois sócios, o capital social mínimo será de 2,00€ (dois euros);
– se a sociedade por quotas tiver três sócios, o capital social mínimo será de 3,00€ (três euros); e assim sucessivamente (cfr. arts. 201.º, 219.º, n.º 3).
b) O capital social mínimo da sociedade unipessoal por quotas é de 1,00€ (um euro) (cfr. arts. 201.º, 219.º, n.º 3 e 270.º -G).
c) O capital social mínimo das sociedades anónimas é de 50 000,00€ (art 276.º, n.º 5).
5) Personalidade jurídica:
As sociedades comerciais têm personalidade jurídica: são sujeitos de Direito distintos e autónomos face aos sujeitos dos respetivos sócios, com aptidão para ser titular em nome próprio de direitos e obrigações (cfr. art. 5.º). As sociedades comerciais são pessoas coletivas (estas contrapõem-se às pessoas singulares).
Ver: personalidade jurídica das sociedades comerciais.
6) Órgãos próprios:
6.1) Órgão de administração e representação:
Por ser pessoa coletiva, a sociedade comercial intervém no comércio jurídico através do respetivo órgão de administração e representação, que:
– a representa (representação orgânica); e,
– cujos atos, praticados nessa qualidade, lícitos ou ilícitos, a vinculam perante terceiros.
a) nas sociedades por quotas e nas sociedades unipessoais por quotas o órgão de administração e representação é a gerência, que é composta pelo gerente ou gerentes.
b) nas sociedades anónimas esse órgão é o conselho de administração, o administrador único ou o conselho de administração executivo.
6.2) Assembleia Geral:
Para além do órgão de administração e representação, todas as sociedades comerciais, independentemente do tipo adotado, têm um órgão deliberativo-interno composto:
– pelo conjunto dos sócios, designado “assembleia geral”, “coletividade dos sócios”, “coletividade de sócios”, “conjunto dos sócios”, “colégio dos sócios” ou “assembleia de sócios”; ou,
– pelo sócio único, nas sociedades unipessoais por quotas e nas sociedades anónimas unipessoais [17]J. M. Coutinho de Abreu, Curso, Volume II, op. cit., pág. 70..
6.3) Órgão de fiscalização:
Em algumas sociedades também podem existir órgãos de fiscalização ou de controlo, como o conselho fiscal, o fiscal único, etc…