
1) Regra geral – os cônjuges podem constituir, participar na constituição e ter participações em sociedades:
1.1) Regra geral:
A regra geral é a de que os cônjuges, em qualquer regime de bens do casamento (comunhão de adquiridos, separação de bens ou comunhão geral de bens) podem, em princípio:
i) constituir sociedades comerciais entre si, isto é, sem mais sócios;
ii) participar juntamente com outros sócios na constituição de sociedades comerciais, e
iii) adquirir participações (quotas, ações ou partes) em sociedades comerciais em momento posterior ao da constituição da sociedade, por qualquer via,
a) quer se trate de uma aquisição originária, concretamente num aumento de capital social por novas entradas em dinheiro ou em espécie,
b) quer se trate de uma aquisição derivada, por exemplo, através de cessão de quotas ou cessão de ações (art. 8.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais [1]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis [doravante CSC]).
1.2) Limite:
Estabelece-se, contudo, um limite: em qualquer dos casos, apenas um dos cônjuges pode assumir responsabilidade ilimitada (RI) (art. 8.º, n.º 1, parte final do CSC) [2]Assinalando que a exigência de apenas um dos cônjuges poder assumir responsabilidade ilimitada “corresponde a resquícios históricos ligados à discriminação da mulher casada e ao … Continuar a ler.
1.3) Tipos de sociedades comerciais:
São tipos de sociedades comerciais, nomeadamente:
– a sociedade por quotas;
– a sociedade unipessoal por quotas;
– a sociedade anónima, etc…
Índice
- 1) Regra geral – os cônjuges podem constituir, participar na constituição e ter participações em sociedades:
- 2) Cônjuges:
- 3) Constituição de sociedades comerciais entre cônjuges e participação dos cônjuges juntamente com outros sócios na constituição de sociedades:
- 4) Aquisição de participações (quotas, ações ou partes) pelos cônjuges em momento posterior ao da constituição da sociedade:
- 5) Quotas e ações – bens próprios de cada um dos cônjuges ou bens comuns do casal?
- 6) Cessão de quotas entre cônjuges:
2) Cônjuges:
Os cônjuges são as partes num contrato de casamento, via de regra, marido e mulher.
Depois de 2010, passou a admitir-se o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo (cfr. art. 1577.º do Código Civil [doravante CC] [3]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis na redação da Lei n.º 9/2010, de 31 de maio).
3) Constituição de sociedades comerciais entre cônjuges e participação dos cônjuges juntamente com outros sócios na constituição de sociedades:
3.1) Regra geral – admissibilidade; art. 8.º do CSC vs art. 1714.º do CC:
Os cônjuges podem, em princípio, constituir entre si, sem mais sócios, sociedades comerciais e sociedades civis sob forma comercial. Podem também, em princípio, participar juntamente com outros sócios na constituição de sociedades comerciais e sociedades civis sob forma comercial.
Contudo, como já referimos, em qualquer dos casos, apenas um dos cônjuges pode assumir responsabilidade ilimitada (RI) (art. 8.º, n.º 1 do CSC [4]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis).
Assim, os n.ºs 2 e 3 do art. 1714.º do CC, que têm a redação de 1966 (originária deste diploma), na parte em que restrigem o contrato de sociedade entre cônjuges, devem ser interpretados em conformidade com o disposto no art. 8.º do CSC, que tem a redação de 1986 (originária deste último diploma).
3.2) Exceção:
Porém, pode ser declarada, a todo o tempo, a nulidade de um contrato de sociedade, estatutos ou pacto social de uma sociedade (com a consequente dissolução da sociedade e a entrada desta em liquidação) se, em concreto, tendo em conta a estrutura e organização constantes do respetivo pacto social e efetivamente verificadas na prática, a sociedade (contrato e entidade):
a) violar, em concreto, o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens do casamento (art. 1714.º do CC), ou
b) constituir, nos termos gerais, um meio de defraudar os credores pessoais de ambos os cônjuges ou de apenas um deles [5]J. P. Remédio Marques, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume I, coord. de J. M. Coutinho de Abreu, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 163. Cfr. também, A. Menezes … Continuar a ler.
3.3) Tipos de sociedades admitidas, tendo em conta que só um dos cônjuges é que pode assumir responsabilidade ilimitada (RI) (cfr. art. 8.º, n.º 1 do CSC):
3.3.1) Os cônjuges podem em conjunto (os dois):
– constituir entre si, sem mais sócios, uma sociedades por quotas, com duas quotas, ficando cada um dos cônjuges com uma quota, podendo ser variável a proporção da quota de cada um dos cônjuges no capital social da sociedade (50% – 50%; 90% – 10%, etc…);
– participar juntamente com outros sócios na constituição de uma sociedade por quotas;
– constituir entre si, sem mais sócios, uma sociedades unipessoal por quotas, ficando a quota única em regime de contitularidade ou em comunhão (comunhão conjugal);
– participar juntamente com outros sócios na constituição de uma sociedade anónima (S.A.);
– constituir ou participar na constituição de uma sociedade em comandita simples ou sociedade em comandita por ações, sendo apenas um dos cônjuges sócio comanditário e o outro cônjuge sócio comanditado ou ficando os dois sócios como sócios comanditários (não podem é ser os dois cônjuges sócios comanditados).
3.3.2) Inversamente, os cônjuges não podem em conjunto (os dois):
– não podem constituir entre si, sem mais sócios, ou participar juntamente com outros sócios na constituição de uma sociedade em nome coletivo;
– não podem constituir entre si, sem mais sócios, ou participar juntamente com outros sócios na constituição de uma sociedade em comandita simples ou sociedade em comandita por ações se os dois cônjuges forem sócios comanditados (ou seja, inversamente, já será possível se os dois cônjuges forem sócios comanditários ou se um dos cônjuges for sócio comanditado e o outro for sócio comanditário);
– nem podem constituir entre si, sem mais sócios, ou participar juntamente com outros sócios na constituição de uma sociedade civil sob forma civil com responsabilidade ilimitada (RI) [6]A. Menezes Cordeiro, colab. de A. Barreto Menezes Cordeiro, op. cit., pág. 427; Adelaide Menezes Leitão / José Alves de Brito, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 5ª edição, Almedina, … Continuar a ler.
Sociedades civis sob forma civil com responsabilidade limitada (RL):
Na verdade, quanto a este último caso, importa assinalar que nem todas as sociedades civis sob forma civil têm responsabilidade ilimitada (RI). Por exemplo, as sociedades de advogados, as sociedades de notários e as sociedades de solicitadores e/ou de agentes de execução são sociedades civis sob forma civil (especiais), mas podem adotar tipos societários de responsabilidade limitada (RL).
Ver: tipos de sociedades civis e sociedades de profissionais.
4) Aquisição de participações (quotas, ações ou partes) pelos cônjuges em momento posterior ao da constituição da sociedade:
Nos mesmos termos em que podem constituir e participar com outros sócios na constituição de sociedades os cônjuges também podem, em momento posterior ao da constituição da sociedade, por qualquer via, adquirir participações sociais (quotas, ações ou partes) em sociedades comerciais:
– quer tratando-se de uma aquisição originária, concretamente num aumento de capital social por novas entradas em dinheiro ou em espécie;
– quer tratando-se de uma aquisição derivada, por exemplo, através de cessão de quotas ou cessão de ações (cfr. art. 8.º, n.º 1 do CSC [7]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis).
5) Quotas e ações – bens próprios de cada um dos cônjuges ou bens comuns do casal?
5.1) Regime de bens do casamento:
O regime de comunhão de adquiridos é hoje, o regime supletivo de bens do casamento: aplica-se caso as partes não tenham, mediante convenção antenupcial, optado pelo regime de separação de bens ou pelo regime de comunhão geral de bens (de entre estas, a opção pelo regime de separação de bens é, de longe, a mais frequente na prática) (art. 1717.º do CC [8]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis).
5.2) Bem próprio vs bem comum do casal:
Ora, se os cônjuges estiverem casados em regime de comunhão de adquiridos as participações sociais dos cônjuges (quotas, ações ou partes) em sociedades comerciais e sociedades civis sob forma comercial podem ser:
– um bem próprio de cada um dos cônjuges, por exemplo, um bem próprio do marido;
– um bem comum do casal, mas sendo sócio apenas um dos cônjuges (cfr. art. 8.º, n.º 2 do CSC [9]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis) ou;
– um bem comum do casal, em regime de contitularidade ou comunhão, sujeitando-se ao regime dos arts. 222.º a 224.º do CSC, no caso das quotas ou ao regime do art. 303.º do CSC, no caso das ações.
Ver os nossos artigos:
– quotas e ações – bens comuns do casal;
– quotas e ações – bens próprios de apenas um dos cônjuges.
6) Cessão de quotas entre cônjuges:
6.1) Definição de cessão de quotas:
Cessão – é a transmissão entre vivos por ato voluntário. Pode operar, nomeadamente, através de contrato de compra e venda, contrato de doação, contrato de troca ou permuta, dação em cumprimento, entrada em sociedade [10]Vide, por todos, J. M. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial – Das Sociedades, Volume II, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, pág. 345 e A. Soveral Martins, Cessão de quotas, 2ª … Continuar a ler.
Cessão de quotas – é a transmissão entre vivos por ato voluntário da propriedade ou titularidade da quota ou quotas de um sócio de uma sociedade por quotas ou de uma sociedade unipessoal por quotas para outrem.
6.2) A cessão de quotas entre cônjuges é totalmente proibida? Princípio da imutabilidade do regime de bens do casamento:
Não. A cessão de quotas entre cônjuges não é totalmente proibida. No entanto, está fortemente restringida. Vejamos.
I) Arts. 1714.º, 1762.º e 1764.º do CC:
Artigo 1714.º
(Imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens resultante da lei)
1 – Fora dos casos previstos na lei, não é permitido alterar, depois da celebração do casamento, nem as convenções antenupciais nem os regimes de bens legalmente fixados.
2 – Consideram-se abrangidos pelas proibições do número anterior os contratos de compra e venda e sociedade entre os cônjuges, excepto quando estes se encontrem separados judicialmente de pessoas e bens.
3 – É lícita, contudo, a participação dos dois cônjuges na mesma sociedade de capitais, bem como a dação em cumprimento feita pelo cônjuge devedor ao seu consorte.
Artigo 1762.º
(Regime imperativo da separação de bens)
É nula a doação entre casados, se vigorar imperativamente entre os cônjuges o regime da separação de bens.
SECÇÃO II
Doações entre casados
Artigo 1764.º
(Objecto e incomunicabilidade dos bens doados)
1 – Só podem ser doados bens próprios do doador.
2 – Os bens doados não se comunicam, seja qual for o regime matrimonial.
II) Art. 1714.º, nºs 2 e 3 do CC vs art. 8.º do CSC:
Já referimos em cima que os n.ºs 2 e 3 do art. 1714.º do CC, que têm a redação de 1966 (originária deste diploma), devem, na parte em que restringem o contrato de sociedade entre cônjuges, ser interpretados em conformidade com o disposto no art. 8.º do CSC, que tem a redação de 1986 (originária deste último diploma).
III) Cessões de quotas entre cônjuges proibidas – restrições quanto à cessão de quotas operada através de contrato de compra e venda e de contrato de doação:
Resulta do disposto nas normas em cima transcritas que um cônjuge não pode celebrar com o respetivo cônjuge:
i) nem contratos de compra e venda de quotas/ações, independentemente do regime de bens do casamento;
ii) nem contratos de doação de quotas/ações que integrem a comunhão conjugal (isto é, que forem bens comuns do casal – ver: quotas e ações – bens comuns do casal) se vigorar entre ambos o regime de comunhão de adquiridos;
iii) nem contratos de doação de quotas/ações se vigorar imperativamente entre os cônjuges o regime da separação de bens (nomeadamente no caso de o casamento ser celebrado por quem tenha completado sessenta anos de idade cfr. art. 1720.º do CC).
IV) Cessões de quotas entre cônjuges permitidas:
A contrario sensu um cônjuge pode celebrar com o respetivo cônjuge contratos de doação de quotas/ações que forem bens próprios do cônjuge doador-cedente se vigorar entre ambos o regime de comunhão de adquiridos. Ver: quotas e ações – bens próprios de apenas um dos cônjuges.
V) Arts. 1714.º, 1762.º e 1764.º do CC vs art. 228.º, n.º 2 do CSC:
Acresce ainda que o regime estabelecido no art. 228.º, n.º 2 do CSC (sucintamente analisado em baixo no ponto seguinte – 6.3), com a redação originária de 1986, pressupõe expressamente a possibilidade de existirem cessões de quotas entre cônjuges lícitas.
É discutível e é efetivamente discutido se este artigo veio ou não revogar as proibições constantes dos arts. 1714.º, 1762.º e 1764.º do CC. Porém, por enquanto (até estas regras serem revistas pelo legislador), parece ser preferível a posição de quem entende que o n.º 2 do art. 228.º do CSC “apenas dispensa o consentimento da sociedade para a cessão de quotas entre cônjuges que, nos termos da lei civil, for de considerar válida” [11]M. Rita Lobo Xavier, Limites à autonomia privada na disciplina das relações patrimoniais entre os cônjuges, Almedina, Coimbra, 2000, pág. 222 apud A. Soveral Martins, op. cit., págs 35 e 36; … Continuar a ler.
6.3) Cessão a cônjuge – desnecessidade de consentimento da sociedade; cessão a estranhos – necessidade de consentimento da sociedade:
Assinale-se que o regime legal supletivo (que se aplica no caso de o pacto social nada estipular ou não estipular em sentido diverso) é o de que a cessão de quotas carece do consentimento da sociedade para produzir efeitos, sendo, contudo, o consentimento dispensado se o sócio pretender ceder a sua quota ao(s) respetivo(s):
a) cônjuge;
b) descendente(s) (filhos, netos);
c) ascendente(s) (pais, avós); ou a
d) qualquer outro sócio da sociedade (consócio) (art. 228.º, n.º 2; 230.º, n.º 2, 246.º, n.º 1 al.b) e 250.º, n.º 3 do CSC [12]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis).
Assim, tratando-se de uma cessão de quotas entre cônjuges, o regime supletivo é o de que a cessão de quotas não carece de consentimento da sociedade por quotas, prestado através de deliberação dos sócios em assembleia geral regularmente convocada ou através de qualquer outra forma de deliberação.