
1) O que é:
1.1) Notas distintivas:
A sociedade civil sob forma comercial é uma sociedade que:
i) tem exclusivamente por objeto a prática de atos não comerciais (atos civis);
ii) mas que adota a forma comercial, ou seja, que adota um dos seguintes tipos:
a) sociedade por quotas;
b) sociedade unipessoal por quotas [1];
c) sociedade anónima (S.A.);
d) sociedade em nome coletivo;
e) sociedade em comandita simples; ou,
f) sociedade em comandita por ações.
1.2) Definição ou noção completa:
De modo mais completo, a sociedade civil sob forma comercial é uma entidade (pessoa coletiva) que cumulativamente:
i) é criada por um ou mais sujeitos (sócio único ou sócios);
ii) é dotada de personalidade jurídica (é um sujeito de Direito de tipo pessoa coletiva, autónomo face ao sujeito ou sujeitos do[s] respetivo[s] sócio[s], com aptidão para ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações);
iii) sendo, por isso, também dotada de autonomia patrimonial
iv) e (dotada) de órgãos próprios com aptidão para exprimir uma vontade que lhe é juridicamente imputável, que a representam para todos os efeitos e cujos atos praticados nessa qualidade, lícitos ou ilícitos, a vinculam;
v) que tem exclusivamente por objeto a prática de atos não comerciais (atos civis);
vi) com o objetivo de, em regra, obter lucros e e distribuí-los ou atribuí-los ao(s) sócio(s), ficando este(s), todavia, sujeito(s) a perdas [2]; e
vii) que adota um dos seguintes tipos:
a) sociedade por quotas;
b) sociedade unipessoal por quotas;
c) sociedade anónima (S.A.);
d) sociedade em nome coletivo;
e) sociedade em comandita simples; ou,
f) sociedade em comandita por ações.
2) Sociedades civis vs sociedades comerciais:
As sociedades podem ser civis ou comerciais. Ver também: sociedades comerciais.
Nota: doravante, todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte pertencem ao Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, com as alterações subsequentes [3].
2.1) Sociedades civis:
2.1.1) Sociedades civis – são aquelas que têm um objeto civil:
Sociedades civis são aquelas que têm exclusivamente por objeto (atividade) a prática de atos civis, isto é, não comerciais. Ver o nosso artigo: atos comerciais.
Ora, excluem-se do comércio em sentido jurídico e, por isso, são atos não comerciais, apesar de serem praticados em série, em repetição orgânica, no quadro de empresas [4] os atos praticados no âmbito de atividade:
– agrícola, silvícola, florestal e pecuária;
– de artesanato, de artes ou de cultura, em geral;
– prestada por profissionais liberais sujeitos a associações públicas profissionais (Ordens), como os: advogados, economistas, engenheiros, arquitetos, médicos, enfermeiros, revisores oficiais de contas, contabilistas certificados, despachantes oficiais, solicitadores e agentes de execução, psicólogos, farmacêuticos, etc… [5] (ver: sociedades de profissionais); e,
– por outras classes profissionais que não estão sujeitas a associações públicas profissionais (Ordens) mas que estão sujeitas a um regime jurídico específico, como os administradores judiciais ou administradores de insolvência.
2.1.2) Sociedades civis sob forma comercial:
As sociedades que têm exclusivamente por objeto a prática dos atos acima indicados são sociedades civis. Ora, a Lei permite que uma parte das sociedades civis, como as sociedades agrícolas e uma parte das sociedades de profissionais, especialmente aquelas que estão sujeitas a associações públicas profissionais, adotem a forma comercial, ou seja, adotem um dos tipos que vigoram para a sociedade comercial, nomeadamente:
– o tipo de sociedade por quotas;
– o tipo de sociedade unipessoal por quotas;
– o tipo de sociedade anónima (S.A.), etc…
Slide específico das sociedades civis sob forma comercial:
Slide completo das sociedades civis (sob forma civil e sob forma comercial):
2.1.3) Exceções à liberdade de escolha – sociedades agrícolas de “associativismo agrícola” e sociedades de advogados:
Contudo, há determinadas espécies de sociedades agrícolas que integram o fenómeno do chamado “associativismo agrícola”, que, nos termos de Lei especial, têm imperativamente que adotar o tipo de sociedade por quotas. É o que ocorre com:
– as “sociedades de agricultura de grupo”,
– os “agrupamentos de produção agrícola”,
– os “agrupamentos complementares da exploração agrícola” e
– as “empresas familiares agrícolas reconhecidas” [6], que estão todas reguladas no Decreto-Lei n.º 336/89, de 4 de outubro, que estabelece o novo regime jurídico das sociedades de agricultura de grupo [7].
Por outro lado, há casos de sociedades civis que estão impedidas de adotar a forma comercial. É o que acontece nomeadamente com as sociedades de advogados que são sociedades civis, mas não podem adotar a forma comercial.
2.1.4) Sociedades civis sob forma civil vs sociedades civis sob forma comercial – regime jurídico:
Assim, as sociedades civis podem ser:
a) sociedades civis sob forma civil, que são aquelas que têm um objeto civil e não adotaram a forma comercial; estas sociedades ficam sujeitas ao regime dos arts. 980.º a 1021.º do Código Civil (CC) [8] e/ou a qualquer outro regime de natureza civil; ou podem ser,
b) sociedades civis sob forma comercial, que são aquelas que têm um objeto civil (ou seja, não comercial), mas adotaram um dos tipos de sociedades comerciais referidos em cima no ponto 1; a estas sociedades aplica-se o regime jurídico do Código das Sociedades Comerciais, concretamente:
– o regime jurídico geral aplicável a todos os tipos societários, e
– o regime jurídico específico do tipo societário escolhido, por exemplo: o regime jurídico específico da sociedade por quotas (arts. 197.º e segs.); o regime jurídico específico da sociedade anónima (arts. 271.º e segs.), etc.
2.2) Sociedades comerciais:
2.2.1) Sociedades comerciais – são aquelas que têm um objeto comercial ou misto:
Por sua vez, as sociedades comerciais são aquelas que:
a) têm por objeto a prática de atos de comércio objetivos (ver: atos de comércio) ou
b) têm um objeto misto (em parte comercial e em parte civil).
Ora, os atos de comércio (objetivos) mais importantes são os atos de comércio em sentido jurídico que são praticados em série, em repetição orgânica, no quadro de organizações de meios pessoais ou reais, isto é, no quadro de empresas (cfr. art. 230.º do Código Comercial) [9].
2.2.2) Ora, o comércio em sentido jurídico abrange:
– o comércio em sentido económico, que é a atividade de interposição nas trocas, que corresponde essencialmente à compra de coisas para revenda e à venda de coisas adquiridas para revender;
– a indústria ou atividade industrial-transformadora;
– a prestação de serviços, desde que não sejam prestados por profissionais liberais (advogados, médicos, arquitetos, engenheiros, economistas, revisores oficiais de contas, etc…); e
– em geral, todas as atividades económicas que não sejam de agricultura, de artesanato, de artes, de cultura ou prestadas por profissionais liberais.
2.2.3) Tipicidade:
Ao contrário de uma boa parte das sociedades civis que podem optar entre adotar a forma civil ou a forma comercial, as sociedades que têm um objeto comercial e as sociedades que têm um objeto misto são obrigadas a adotar a forma comercial, isto é, são obrigadas a adotar um dos tipos de sociedades comerciais previstos na Lei, nomeadamente:
– o tipo de sociedade por quotas;
– o tipo de sociedade unipessoal por quotas;
– o tipo de sociedade anónima (S.A.), etc… (cfr. art. 1.º, n.ºs 2, 3 e 4).
3) Vantagens das sociedades civis sob forma comercial:
3.1) Responsabilidade limitada:
3.1.1) Vantagem rainha:
A grande vantagem (a “vantagem rainha”) de as sociedades que têm um objeto civil se constituírem sob forma comercial é a possibilidade de adotarem um tipo de sociedade comercial de responsabilidade limitada, concretamente:
– o tipo de sociedade por quotas;
– o tipo de sociedade unipessoal por quotas; ou
– o tipo de sociedade anónima (S.A.).
Ora, as sociedades de responsabilidade limitada são sociedades nas quais, via de regra, os respetivos sócios não respondem de forma pessoal pelas dívidas da sociedade; pelas dívidas da sociedade responde, em princípio, apenas o património da sociedade (cfr. arts. 197.º, n.º 3, 270.º-G e 271.º).
Pelo que, em caso de incumprimento de dívidas por parte da sociedade, os credores desta não poderão, em princípio, intentar ações de cobrança coerciva contra os sócios ou acionistas.
3.1.2) Exceções à responsabilidade limitada:
Esta regra da responsabilidade limitada tem, contudo, exceções importantes. Ver: exceções à responsabilidade limitada nas sociedades de responsabilidade limitada.
3.2) Possibilidade de se constituir sociedades unipessoais:
Outra grande vantagem das sociedades civis sob forma comercial é a possibilidade de, em certos termos, poderem ser criadas sociedades unipessoais, constituídas, portanto, por um único sócio, pessoa singular ou pessoa coletiva, titular de uma participação social (quota ou ações) representativa da totalidade do capital social da sociedade.
São sociedades unipessoais nomeadamente:
– as sociedades unipessoais por quotas (arts 270.º-A a 270.º-G); e
– as sociedades anónimas unipessoais (arts 481.º e 488.º).
Por sua vez, as sociedades civis sob forma civil são necessariamente pluripessoais: exigem sempre dois ou mais sócios. Com efeito, as sociedades civis sob forma civil dissolvem-se por se extinguir a pluralidade dos sócios, se no prazo de seis meses essa pluralidade não for reconstituída (art. 1007.º al. d) do CC).
3.3) Cessão de participações sociais (quotas ou ações):
Sociedades civis sob forma civil:
Nas sociedades civis sob forma civil que estejam exclusivamente sujeitas ao regime dos arts. 980.º a 1021.º do CC, nenhum sócio pode ceder a um terceiro a sua quota sem o consentimento de todos os outros sócios (art. 995.º, n.º 1 do CC). Exige-se, portanto, a unanimidade de todos os sócios.
Sociedades civis sob forma comercial:
Por sua vez, nas sociedades civis sob forma comercial que adotem tipos societários de responsabilidade limitada a cessão de participações sociais pode ser feita sem que haja necessariamente unanimidade de todos os sócios.
Assim:
– nas sociedades por quotas, salvo cláusula do pacto social em sentido diferente, a cessão de quotas tem que ser consentida pela sociedade através de deliberação dos sócios, tomada por maioria simples, em Assembleia Geral regularmente convocada ou através de qualquer outra forma de deliberação admitida por Lei, sendo, contudo, o consentimento dispensado se o sócio pretender ceder a sua quota ao(s) respetivo(s):
a) cônjuge;
b) descendente(s) (filhos, netos);
c) ascendente(s) (pais, avós); ou a
d) qualquer outro sócio da sociedade (consócio) (arts. 228.º, n.º 2, 230.º, n.º 2, 246.º, n.º 1 al.b) e 250.º, n.º 3); ao passo que
– nas sociedades anónimas, as ações são livremente transmissíveis, salvo cláusula no pacto social em sentido contrário (cfr. arts. 328.º e 329.º).
3.4) Alterações ao contrato de sociedade, pacto social ou estatutos:
3.4.1) Sociedades civis sob forma civil:
Nas sociedades civis sob forma civil que estejam exclusivamente sujeitas ao regime dos arts. 980.º a 1021.º do CC, as alterações do contrato de sociedade requerem o acordo de todos os sócios, exceto se o próprio contrato o dispensar (art. 982.º, n.º 1 do CC).
3.4.2) Sociedades civis sob forma comercial:
Por sua vez, as sociedades civis sob forma comercial que adotem tipos societários de responsabilidade limitada as alterações ao contrato de sociedade, pacto social ou estatutos podem ser feitas sem que haja necessariamente unanimidade entre os sócios; nesse caso, exige-se uma deliberação dos sócios em Assembleia Geral regularmente convocada ou através de qualquer outra forma de deliberação admitida por Lei:
– nas sociedades por quotas, por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social ou por número ainda mais elevado de votos exigido pelo contrato de sociedade (cfr. art. 265.º); e
– nas sociedades anónimas:
a) Assembleia geral em 1ª convocação:
i) quórum constitutivo de 1/3 – devem estar presentes ou representados acionistas que detenham, pelo menos, ações correspondentes a um terço do capital social (1/3); e,
ii) quórum deliberativo de 2/3 – aprovação por maioria de dois terços dos votos emitidos (arts. 383.º, n.º 2 e 386.º, n.º 3).
b) Assembleia geral em 2ª convocação:
1.º hipótese:
– inexistência de quórum constitutivo – em segunda convocação, a assembleia pode deliberar seja qual for o número de acionistas presentes ou representados e o capital por eles representado
– quórum deliberativo de 2/3 – aprovação por maioria de dois terços dos votos emitidos (arts. 383.º, n.º 3 e 386.º, n.º 3); ou, em alternativa,
2ª hipótese:
– quórum constitutivo de 1/2 – em alternativa, se estiverem presentes ou representados acionistas que detenham, pelo menos, ações correspondentes a metade do capital social (1/2); e,
– quórum deliberativo – pode haver aprovação por maioria simples dos votos emitidos (art. 386.º, n.º 4).
4) Desvantagens das sociedades civis sob forma comercial:
4.1) Inadmissibilidade das entradas em indústria vs admissibilidade:
Sociedades civis sob forma comercial – a desvantagem mais importante das sociedades civis sob forma comercial que adotem tipos societários de responsabilidade limitada é a inadmissibilidade das entradas em indústria (cfr. arts. 202.º, n.º 1, 270.º-G, 277.º, n.º 1).
A entrada em indústria é a contribuição com uma determinada atividade, trabalho ou serviços que o sócio se obriga a realizar em benefício da sociedade comercial ou civil, aquando da sua constituição ou posteriormente, aquando da alteração do respetivo pacto social (contrato de sociedade ou estatutos), como contrapartida pela participação social que adquire [10].
Sociedades civis sob forma civil – por seu turno, as sociedades civis sob forma civil admitem a realização pelos sócios de entradas em indústria (cfr. art. 980.º do CC, que refere que a contribuição dos sócios pode ser com bens ou “serviços”; cfr. também arts. 993.º, nºs 2 e 3 e 1003.º al. c) do CC).