Responsabilidade solidária vs responsabilidade subsidiária

Atualizado em 2023/05/02


1) Principal diferença – na r. solidária todos os devedores respondem em 1ª linha; na r. subsidiária o responsável subsidiário responde em 2ª linha:

A principal diferença entre a responsabilidade solidária e a responsabilidade subsidiária é a de que:

– na responsabilidade solidária todos os devedores respondem pela dívida em primeira linha: o credor pode exigir a totalidade da dívida de qualquer um dos devedores à sua escolha; ao passo que,

– na responsabilidade subsidiária, o devedor principal responde pela dívida em primeira linha e o responsável subsidiário responde em segunda linha; o responsável subsidiário (se tiver o benefício da excussão prévia e o invocar) só responde pela dívida se e quando tiverem sido previamente excutidos ou esgotados todos os bens do património do devedor principal.

2) Em comum – ambas são modalidades de responsabilidade por obrigações plurais:

A responsabilidade subsidiária e a responsabilidade solidária têm em comum o facto de ambas serem modalidades de responsabilidade por obrigações plurais.

Obrigações (dívidas ou débitos) plurais – são aquelas que têm dois ou mais devedores; são aquelas cuja prestação (em dinheiro, suscetível de avaliação em dinheiro, ou ainda, não suscetível de avaliação em dinheiro, mas correspondente a um interesse do credor digno de tutela legal), deve ser realizada por dois ou mais sujeitos de Direito, pessoas singulares ou pessoas coletivas. As obrigações plurais contrapõem-se às obrigações singulares, que são aquelas que têm um único devedor.

Para além destes dois regimes, existe ainda a responsabilidade conjunta ou regime da conjunção, que também é uma modalidade de responsabilidade por obrigações plurais.

3 a 5) Diferenças:

3) Relações externas:

3.1) Responsabilidade solidária – relações dos devedores perante o credor:

Na responsabilidade solidária, cada um dos condevedores fica obrigado, perante o credor, a pagar a totalidade da dívida (cfr. art. 512.º, n.º 1 do Código Civil [1]).

Pelo que, o credor pode intentar uma ação judicial para a cobrança coerciva de dívidas, declarativa ou executiva (neste último caso, se já estiver munido de título executivo), contra todos os devedores ou contra apenas algum ou alguns deles à sua escolha, por exemplo, o devedor que tiver mais património (cfr. arts. 518.º, 519.º e 523.º do Código Civil).

Ou seja, todos os devedores solidários respondem pela dívida em primeira linha.

3.2) Responsabilidade subsidiária – relações do responsável subsidiário e do devedor principal perante o credor:

Quanto às relações externas na responsabilidade subsidiária, ou seja, as relações do responsável subsidiário e do devedor principal perante o credor importa distinguir duas situações:

3.2.1) O responsável subsidiário tem o benefício de excussão prévia (por a ele não ter renunciado, nos casos em que a renúncia é possível) e invoca-o:

Se não houve renúncia ao benefício da excussão prévia por parte do responsável subsidiário (nos casos em que isso é possível), o seu principal mecanismo ou instrumento de defesa é precisamente o benefício da excussão prévia, que consiste no direito de recusar o pagamento da dívida enquanto não tiverem sido previamente excutidos (penhorados e vendidos judicialmente) ou esgotados todos os bens do património do devedor principal, sem que o credor tenha conseguido obter a satisfação do seu crédito (arts. 638.º e 640.º al.a) do Código Civil [2]).

Contudo, caso o responsável subsidiário seja demandado pelo credor para a cobrança coerciva da dívida, se quiser beneficiar do benefício da excussão prévia, terá que invocá-lo no próprio processo onde é demandado (cfr. art. 641.º, nºs 1 e 2 do Código Civil; cfr. também arts. 316.º e segs. e art. 745.º do Código de Processo Civil [CPC] [3]).

Assim, neste caso, perante o credor:
– o devedor principal responde em primeira linha; e
– o responsável subsidiário responde em segunda linha.

Assinale-se que só neste caso é que estamos perante uma verdadeira responsabilidade subsidiária, uma vez que só assim é que o responsável subsidiário responde pela dívida em 2ª linha. Ver os nossos artigos: responsabilidade subsidiária e benefício de excussão prévia.

3.2.2) Ou, em alternativa, o responsável subsidiário: a) não goza do benefício de excussão prévia; b) renunciou ao benefício de excussão prévia; ou ainda c) tendo o benefício de excussão prévia, não o invocou:

Pressupostos – as consequências são as mesmas:

a) no caso de a Lei determinar que o fiador de obrigação comercial, mesmo quando não seja comerciante, não goza do benefício da excussão prévia (art. 101.º do Código Comercial). Deve interpretar-se esta norma neste sentido, apesar de a letra da Lei remeter para o regime da solidariedade: “o fiador … será solidário com o respectivo afiançado”;

b) no caso de ter havido renúncia expressa ao benefício da excussão prévia, nomeadamente através de cláusula contratual inserida no contrato que estabeleceu a responsabilidade subsidiária (por ex: contrato de empréstimo bancário com fiança, contrato de arrendamento com fiança, etc…), ou ainda,

c) no caso de o responsável subsidiário ter o benefício da excussão prévia mas, tendo sido demandado pelo credor em ação judicial, não o invocar, nomeadamente:
          – em sede de processo declarativo de condenação, não chamando o devedor à ação através do incidente de intervenção principal provocada regulado nos arts. 316.º e segs. do CPC [4]; ou
          – em sede de processo executivo, ao abrigo do art. 745.º, n.º 1 do CPC.

Efeitos ou consequências:

Assim, em qualquer caso – a), b) ou c) -, o credor pode exigir a totalidade da dívida, tanto do devedor principal como do responsável subsidiário, que responderão pela dívida com todo o seu património (arts. 638.º, 640 al. a) e 641.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil [5] e arts. 316.º e segs. e 745.º, n.º 1 do CPC [6]).

Ou seja, o responsável subsidiário responde perante o credor como um verdadeiro devedor solidário, apesar de efetivamente não o ser [7]. Contudo, mesmo neste caso, há diferenças ao nível das relações internas (ver em baixo ponto 4.2.3).

4) Relações internas:

4.1) Responsabilidade solidária – relações dos devedores solidários entre si – direito de regresso:

Direito de regresso: na responsabilidade solidária, as relações internas – as relações dos devedores solidários entre si após a satisfação do direito de credor – concretizam-se essencialmente no direito de regresso de um ou uns devedores solidários contra os outros.

O direito de regresso é, pois, o direito do devedor solidário que satisfez, total ou parcialmente, o direito do credor mas, em qualquer caso, para além da parte que lhe competia, de exigir de cada um dos respetivos condevedores a parte da dívida que a estes compete. Ver o nosso artigo: direito de regresso (cfr. art. 524.º do Código Civil [8]).

4.2) Responsabilidade subsidiária – relações entre o responsável subsidiário e o devedor principal – sub-rogação legal:

4.2.1) Sub-rogação legal – definição, pressupostos e regime:

O responsável subsidiário que proceder ao pagamento, total ou parcial, da dívida perante o credor fica sub-rogado nos direitos do credor, em relação à totalidade do que pagou (artigo 644.º do Código Civil).

O regime da sub-rogação legal aplica-se:
– ao fiador por força de disposição legal expressa nesse sentido, concretamente o art. 644.º do Código Civil; e
– aplica-se aos restantes casos de responsabilidade subsidiária nos termos gerais do art. 592.º do Código Civil.

Por força da sub-rogação legal ocorre uma verdadeira transmissão ou transferência do direito de crédito do credor para o responsável subsidiário, na medida do que foi pago por este, passando, por essa via, o responsável subsidiário a ser credor do devedor (art. 593.º do Código Civil).

4.2.2) Importância prática:

a) Sub-rogação legal nos casos em que o responsável subsidiário tem o benefício de excussão prévia e invoca-o:

Nos casos em que o responsável subsidiário tem o benefício de excussão prévia e nos casos em que, tendo sido demandado pelo credor, invocou esse benefício, a sub-rogação não tem importância prática praticamente nenhuma, uma vez que o património do devedor principal já foi todo excutido (esvaziado) pelo credor.

b) O responsável subsidiário renunciou ao benefício de excussão prévia ou, tendo o benefício de excussão prévia, não o invocou:

Onde a sub-rogação pode ter alguma importância prática é precisamente nos casos em que o responsável subsidiário:
a) renunciou ao benefício de excussão prévia ou
b) nos casos em que, tendo o benefício de excussão prévia, não o invocou.

Com efeito, se nestes casos o credor pode exigir a totalidade da dívida tanto do devedor principal como do responsável subsidiário pode acontecer que o credor tenha optado por demandar apenas o fiador (por exemplo, por este ter muito mais património do que o devedor principal).

Ora, se nessa sequência, o fiador tiver procedido ao pagamento, total ou parcial, da dívida perante o credor e o devedor principal ainda tiver bens no seu património, o fiador poderá exigir do devedor principal, por força da sub-rogação legal que se operou, o valor total que pagou.

4.2.3) Sub-rogação vs direito de regresso; responsabilidade subsidiária sem o benefício de excussão prévia é igual ao regime da solidariedade?

O regime da responsabilidade subsidiária sem o benefício de excussão prévia é parecido com o regime da solidariedade, uma vez que ao nível das relações externas, tanto num caso como no outro, o credor pode exigir a totalidade da dívida:
– quer do devedor principal quer do responsável subsidiário, na responsabilidade subsidiária; e,
– de qualquer um dos devedores solidários à sua escolha, na responsabilidade solidária.

Contudo, ao nível das relações internas, há diferenças entre os dois regimes. Vejamos.

4.2.3.1) Sub-rogação vs direito de regresso:

1) A principal diferença é a de que:

a) o responsável subsidiário da dívida fica sub-rogado nos direitos do credor (torna-se credor do devedor principal) em relação à totalidade do que pagou (cfr. art. 593.º do Código Civil [9]).

b) por sua vez, o direito de regresso, abrange, salvo nos casos de solidariedade imperfeita, apenas o valor que o devedor solidário pagou a mais face à parte que lhe competia, ou seja, apenas o valor que o devedor solidário pagou a mais face à sua quota-parte da dívida (cfr. art. 524.º do Código Civil).

Ora, presume-se que os devedores solidários comparticipam em partes iguais na dívida, exceto se, da relação jurídica entre eles existente resultar:
– que são diferentes as suas partes;
– que só um deles deve suportar o encargo da dívida; ou ainda,
– que só um deles obtém o benefício do crédito (cfr. art. 516.º do Código Civil [10]).
Por exemplo, se existirem dois devedores solidários presume-se que a quota-parte de cada um na dívida é de 50%; se forem três, a quota-parte de cada um na dívida é de 33,3%, e assim sucessivamente.

2) Outra diferença entre os dois regimes é a de que:

a) na sub-rogação, as garantias, os meios de defesa que o devedor poderia ter oposto ao credor originário e restantes acessórios da dívida transmitem-se para o responsável subsidiário (acessoriedade) (cfr. art 582.º, aplicável por força do art. 594.º do Código Civil); ao passo que,

b) no direito de regresso, salvo cláusula das partes em sentido contrário, não se transmitem [11].

5) O responsável subsidiário tem uma obrigação sujeita a condição suspensiva; a obrigação do devedor solidário não é condicionada:

5.1) Obrigação do responsável subsidiário:

A obrigação do responsável subsidiário que tenha o benefício de excussão prévia é uma obrigação sujeita a condição suspensiva.

Condição suspensiva – é um facto ou acontecimento futuro e incerto a que é subordinada a produção de efeitos (eficácia) de um negócio jurídico (art. 270.º do Código Civil [12]).

Ora, a obrigação do responsável subsidiário que tenha o benefício de excussão prévia é uma obrigação sob condição suspensiva, uma vez que se constituiu e é válida, mas só é exigível:
– se o responsável subsidiário não invocar o benefício de excussão prévia; ou,
– tendo o responsável subsidiário invocado o benefício de excussão prévia, quando tiverem sido excutidos (penhorados e vendidos judicialmente) todos os bens do património do devedor principal.

5.2) Obrigação do responsável solidário:

Por sua vez, a obrigação do devedor solidário não está sujeita a qualquer condição. Neste caso, logo que a dívida esteja vencida (isto é, logo que o cumprimento passe a ser judicialmente exigível pelo credor) e o devedor principal entrar em incumprimento o credor pode exigir, sem mais, a totalidade da dívida de qualquer um dos devedores solidários.