
1) Definição:
A responsabilidade conjunta, responsabilidade por obrigações parciárias (conjuntas) ou regime da conjunção ocorre quando dois ou mais sujeitos de Direito, pessoas singulares ou pessoas coletivas, estão obrigados, por Lei ou por contrato, a pagar uma dívida (obrigação ou débito), mas cada um deles responde individualmente apenas por uma parcela, quinhão, fração ou quota-parte daquela.
Índice
- 1) Definição:
- 2) Obrigações conjuntas ou parciárias:
- 3) Responsabilidade conjunta vs responsabilidade solidária:
- 4) Responsabilidade conjunta como regime supletivo e como regime-regra:
- 5) Regulação da responsabilidade conjunta no Código Civil:
- 6) Presunção de igualdade entre as parcelas ou quinhões de cada um dos devedores:
- 7) Pluralidade de vínculos, mas proveniência do mesmo facto jurídico:
- 8) Exceção de não cumprimento e resolução de contrato:
2) Obrigações conjuntas ou parciárias:
A responsabilidade conjunta ou regime da conjunção é a que respeita às obrigações (dívidas ou débitos) conjuntas ou parciárias.
São obrigações (dívidas ou débitos) conjuntas ou parciárias:
– não só as obrigações com uma pluralidade de devedores e um só credor; mas também
– as obrigações com pluralidade de credores e um só devedor; e ainda
– as obrigações em que há simultaneamente uma pluralidade de credores e uma pluralidade de devedores.
Designação “obrigações conjuntas”:
A designação “obrigações conjuntas” não está isenta de críticas [1]F. Pires de Lima e J. M. Antunes Varela, colab. M. Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pág. 528; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito … Continuar a ler, uma vez que é suscetível de ser enganadora.
Com efeito, se por exemplo, num determinado contrato for estipulado que “os devedores respondem conjuntamente”, provavelmente ter-se-á pretendido determinar um regime precisamente contrário ao da responsabilidade conjunta, ou seja, ter-se-á pretendido estipular o regime da solidariedade (de acordo com qual o credor pode exigir a totalidade do valor da dívida de qualquer um dos devedores) [2]L. M. T. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I – Introdução. Da Constituição das Obrigações, 16ª Edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 164..
3) Responsabilidade conjunta vs responsabilidade solidária:
3.1) Em comum: são modalidades de responsabilidade por obrigações plurais
Tanto a responsabilidade conjunta como a responsabilidade solidária são modalidades de responsabilidade por obrigações plurais.
Ora, as obrigações (dívidas ou débitos) plurais são aquelas que têm dois ou mais devedores; são aquelas cuja prestação em dinheiro, suscetível de avaliação em dinheiro ou não suscetível de avaliação em dinheiro, mas que corresponda a um interesse do credor digno de tutela legal (cfr. arts. 397.º e 398.º do Código Civil [3]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis), deve ser realizada por dois ou mais sujeitos de Direito, pessoas singulares ou pessoas coletivas.
A responsabilidade conjunta contrapõe-se à responsabilidade solidária. Para além destas duas modalidades de responsabilidade por obrigações plurais há ainda uma outra que é a responsabilidade subsidiária.
Nota: doravante, todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte pertencem ao Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, com as alterações subsequentes.
3.2) Responsabilidade conjunta:
3.2.1) Responsabilidade dos devedores perante o credor (relações externas) – benefício da divisão:
Em geral:
No regime da responsabilidade conjunta cada um dos (con)devedores responde apenas pela sua parcela, quinhão, fração ou quota-parte na dívida comum. Pelo que, o credor ou credores só podem exigir de cada um dos devedores a respetiva parcela ou quota-parte na dívida comum.
Assim, para obter o cumprimento integral da dívida, o credor terá que intentar uma ação judicial para a cobrança coerciva de dívidas, declarativa ou executiva, contra todos os devedores.
Mecanismos de defesa do devedor:
Se o credor intentar uma ação judicial para a cobrança coerciva de dívidas, contra apenas um dos devedores ou contra todos, cada um destes pode:
– invocar como exceção perentória o benefício da divisão, ficando, nesse caso, obrigado apenas a pagar a sua parcela ou quota-parte na dívida comum; e,
– eventualmente, chamar à ação o outro ou os outros devedores através do incidente de intervenção principal provocada nos termos dos arts. 316.º do Código de Processo Civil [4]Consultar o Código de Processo Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1959&tabela=leis.
Por exemplo:
Abel tem um crédito sobre Bento e Carlos no valor de 2000,00€, aplicando-se o regime da responsabilidade conjunta ou da conjunção. Abel apenas pode exigir 1000,00€ de Bento e 1000,00€ de Carlos.
Pelo que, se Abel intentar uma ação judicial para cobrança coerciva do valor total em dívida (2000,00€) apenas contra Bento, este pode invocar o benefício da divisão, ficando apenas obrigado a pagar a sua parcela ou quota-parte da dívida no valor de 1000,00€.
3.2.2) Inexistência de relações internas:
Entre os (con)devedores de uma dívida (obrigação ou débito) comum não existem relações internas: tudo se passa como se a parcela ou quota-parte de cada um dos devedores na dívida comum fosse ela própria uma dívida autónoma.
No exemplo dado em cima existem, em bom rigor, dois vínculos (duas dívidas a que correspondem dois créditos):
– a dívida de Bento a Abel no valor de 1000,00€, a que corresponde do lado ativo da relação jurídica um crédito de Abel sobre Bento no valor de 1000,00€; e,
– a dívida de Carlos a Abel no valor de 1000,00€, a que corresponde do lado ativo da relação jurídica um crédito de Abel sobre Carlos no valor de 1000,00€.
3.3) Responsabilidade solidária:
3.3.1) Responsabilidade dos devedores perante o credor (relações externas):
Em geral:
Por sua vez, na responsabilidade solidária o credor pode exigir a totalidade do valor da dívida de qualquer um dos devedores à sua escolha; assim, o cumprimento integral por parte de qualquer um dos devedores exonera todos os outros da obrigação perante o credor (cfr. arts. 512.º, n.º 1 1ª parte, 519.º, 523.º).
Ou seja, perante o credor, cada um dos condevedores fica obrigado a pagar a totalidade da dívida. Pelo que, o credor pode intentar uma ação judicial para a cobrança coerciva do montante total da dívida, contra todos os devedores ou contra apenas algum ou alguns deles à sua escolha (por exemplo, o devedor que tiver mais património).
Inexistência do benefício da divisão:
O devedor solidário que seja demandado não goza do benefício da divisão (cfr. art. 518.º) (ao contrário do que ocorre com os devedores com responsabilidade conjunta). Ver o exemplo que se deu em cima.
Por exemplo:
Artur tem um crédito sobre Bernardo e César no valor de 2000,00€, tendo sido convencionado entre todos o regime da responsabilidade solidária. Bernardo tem um património elevado e César tem um património reduzido.
Ora, em caso de incumprimento, Artur pode intentar uma ação judicial apenas contra Bernardo ou contra Bernardo e César a exigir a totalidade do valor em dívida (2000,00€). Se Bernardo pagar a totalidade da dívida, tanto este como César ficam liberados da dívida para com Artur.
3.3.2) Responsabilidade dos devedores solidários entre si (relações internas):
O devedor solidário que satisfizer o direito do credor, total ou parcialmente, mas em ambos os casos, para além da parte que lhe competir, tem direito de regresso contra cada um dos condevedores (os outros devedores da obrigação solidária), na quota-parte da dívida que a estes compete (cfr. art. 524.º).
No exemplo que se deu atrás (no ponto 3.3.1): Bernardo pagou a Artur a totalidade da dívida no valor de 2000,00€ e tanto Bernardo como César beneficiaram, em partes iguais, desse crédito (cfr. art. 516.º). Assim, Bento tem direito de regresso contra César no valor de 1000,00€.
4) Responsabilidade conjunta como regime supletivo e como regime-regra:
4.1) Direito civil – regime supletivo e regime regra:
No Direito Civil, o regime da responsabilidade conjunta é o regime supletivo: pode ser afastado pelas partes (por exemplo, através de cláusula contratual a estabelecer o regime da solidariedade), mas aplica-se caso as partes nada estipulem.
Por outro lado, a responsabilidade solidária emergente da Lei (solidariedade legal) é também excecional: só vigora para casos específicos, expressamente e excecionalmente previstos na Lei (cfr. art. 513.º). Pelo que, o regime regra – que se aplica em todos os casos, exceto naqueles em que a Lei determinar expressamente a solidariedade – é o regime da responsabilidade conjunta ou da conjunção.
4.3) Direito Comercial – o regime supletivo e o regime-regra é o da responsabilidade solidária:
Por sua vez, no Direito Comercial o regime supletivo e o regime-regra das dívidas comerciais (que são aquelas que resultam de atos de comércio [ou atos comerciais]) é o regime da responsabilidade solidária: quando há dois ou mais devedores, os co-obrigados são solidariamente responsáveis (art. 100.º do Código Comercial).
5) Regulação da responsabilidade conjunta no Código Civil:
Ao contrário do que ocorre com a responsabilidade solidária, a responsabilidade conjunta não está especialmente regulada no Código Civil.
De facto, como a cada parcela ou quota-parte de cada um dos devedores na dívida comum corresponde um vínculo jurídico autónomo, o Legislador não terá sentido necessidade de criar um regime jurídico específico para regular a responsabilidade conjunta [5]Margarida Lima Rego, Código Civil Anotado, Volume I, coord. de Ana Prata, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2019, pág. 711.. Assim, aplica-se-lhe o regime geral das obrigações previsto nos arts. 397.º e segs. do Código Civil [6]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis.
6) Presunção de igualdade entre as parcelas ou quinhões de cada um dos devedores:
Na responsabilidade conjunta presume-se que as parcelas, quinhões, frações ou quotas-partes de cada um dos devedores na dívida comum são iguais. Só assim não será se, da Lei ou do negócio jurídico (contrato ou negócio jurídico unilateral) resultar uma proporção diversa [7]A. Menezes Cordeiro, colab. A. Barreto Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil VI – Direito das Obrigações, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 769 e 770..
7) Pluralidade de vínculos, mas proveniência do mesmo facto jurídico:
Na responsabilidade conjunta cada parcela ou quota-parte de cada um dos devedores na dívida comum (complexa) é um vínculo jurídico autónomo, ou seja, é ela própria uma dívida (obrigação ou débito); contudo, têm como fonte o mesmo facto jurídico, especialmente um contrato (na responsabilidade civil extracontratual o regime regra é o da responsabilidade solidária cfr. arts. 497.º e 507.º), etc… [8]Mário Júlio de Almeida Costa, op. cit., pág. 665.
8) Exceção de não cumprimento e resolução de contrato:
Ora, a afirmação do parágrafo anterior acarreta um conjunto de consequências. Assim, se o facto jurídico do qual emerge a obrigação conjunta for um contrato e se um dos devedores de uma dívida conjunta entrar incumprimento da respetiva fração ou quota-parte na dívida comum, o credor ou credores podem lançar mão, nomeadamente:
i) da exceção de não cumprimento do contrato, caso este seja bilateral ou sinalagmático (cfr. arts. 428.º a 431.º); e
ii) da resolução do contrato (cfr. arts. 801.º, n.º 2 e 432.º a 436.º) [9]Margarida Lima Rego, op. cit., pág. 711..