
1) Definição – duplo sentido:
Na linguagem jurídica corrente, a palavra “procuração” designa:
a) o ato jurídico, concretamente o negócio jurídico unilateral, pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos; mas também pode ser empregue para designar
b) o documento escrito (em suporte de papel ou em suporte eletrónico ou digital) onde esses poderes de representação tenham sido atribuídos [1]Pedro de Albuquerque, Código Civil Comentado I – Parte Geral, coord. de A. Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2020, pág. 768; A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil V, 3ª edição, … Continuar a ler.
Com o primeiro sentido, a procuração aparece definida no art. 262.º, n.º 1 do Código Civil [2]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis nos seguintes termos: “Diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos.”
Índice
Notas:
– ver bibliografia sobre a presente matéria na presente nota de rodapé [3]Sobre esta matéria, vide, em geral, A. Menezes Cordeiro, Tratado V, op. cit., págs. 128 a 149, mas também págs. 65 a 127 e 150 a 154 e em Tratado de Direito Civil XII, Almedina, Coimbra, 2018, … Continuar a ler;
– doravante, todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte pertencem ao Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, com as alterações subsequentes [4]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis.
2) Tipos de procuração:
2.1) Procuração que confere poderes gerais vs poderes especiais:
A procuração pode conferir:
– poderes gerais, se conferir poderes ao representante para a prática, em nome e por conta do representado, de uma atividade genérica ou de uma categoria indeterminada de atos [5]Respetivamente, A. Menezes Cordeiro, Tratado V, op. cit., pág. 130, Pedro de Albuquerque, Código Civil Comentado, op. cit., pág. 769 e Rui Ataíde, op. cit., pág. 33.; ou
– poderes especiais, se conferir poderes ao representante para a prática, em nome e por conta do representado, de atos específicos.
Procurações forenses – conferem:
– poderes forenses gerais e, eventualmente,
– poderes forenses especiais, concretamente para confessar, transigir (isto é, para celebrar um contrato de transação civil, judicial ou extrajudicial, para a composição de um litígio já efetivo ou meramente potencial) e/ou para desistir.
Exemplos de poderes especiais – jurisprudência:
a) para “vender ou prometer vender, pelo preço, condições e cláusulas que achar por convenientes a quem entender o prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo xxxx da freguesia de V…” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2011-06-07 [6]Consultar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2011-06-07 no link: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/2FB2A049D72D836B802578AF00388321;
b) “poderes especiais para, em seu nome e representação, vender prometer vender, permutar ou de qualquer forma alienar, hipotecar ou onerar, os imóveis de que ele mandante, é proprietário ou co-proprietário” – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2006-11-30 [7]Consultar o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2006-11-30 no link: http://www.dgsi.pt/Jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/304536d2991e514d8025728a005777d1?OpenDocument;
c) “poderes para o mandatário movimentar contas bancárias da mandante, no âmbito de um mandato de administração do património desta” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2019-09-10 [8]Consultar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2019-09-10 no link: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c8cfcba83ccb532c802584720031b238?OpenDocument.
2.2) Procuração civil vs comercial vs forense:
- Procuração civil – confere poderes de representação para a prática de um ou mais atos de natureza civil (isto é, não comercial nem forense).
- Procuração comercial – confere poderes de representação para a prática de um ou mais atos de comércio.
- Procuração forense – passada pelo cliente-mandante ao Advogado-mandatário no quadro de um contrato de mandato forense em sentido amplo.
2.3) Procuração livremente revogável pelo representado vs procuração irrevogável:
A procuração é livremente revogável pelo representado se tiver sido conferida no exclusivo interesse do representado (cfr. art. 265.º, n.º 2).
Procuração irrevogável – quando é conferida não só no interesse do representado como também no interesse do representante (procurador) ou de terceiro (cfr. art. 265.º, n.º 3). Por exemplo, vários comproprietários ou contitulares (neste último caso, quando há uma comunhão de mão comum, por exemplo, comunhão hereditária [herdeiros] ou comunhão conjugal [cônjuges]), conferem poderes a um deles para vender os bens em compropriedade ou em comunhão, respetivamente [9]A. Pires de Lima e J. M. Antunes Varela, op. cit., pág. 247..
2.4) Procuração tolerada e aparente [10]Pedro de Albuquerque, op. cit., ibidem.;
2.5) Procuração institucional;
2.6) Procuração post mortem – que sobrevive à morte do representado.
3) Elementos da procuração:
a) Passadas por pessoas singulares:
Elementos: nome completo, estado civil, naturalidade e residência habitual do(s) outorgante(s) (art. 46.º, n.º 1 al. c) do Código do Notariado [11]Consultar o Código do Notariado no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=457&tabela=leis).
b) Passadas por sociedades comerciais, através dos respetivos representantes (representação orgânica):
i) A firma (ou denominação – nome da sociedade),
ii) o tipo societário (sociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas, sociedade anónima (S.A.), etc…),
iii) a sede,
iv) a conservatória do registo onde se encontrem matriculadas,
v) o seu número de matrícula,
vi) o seu número de identificação de pessoa coletiva (ou NIF),
vii) sendo caso disso, a menção de que a sociedade se encontra em liquidação;
viii) as sociedades por quotas, as sociedades unipessoais por quotas e as sociedades anónimas (S.A.) devem ainda indicar:
i) o capital social,
ii) o montante do capital realizado, se for diverso da cifra do capital social, e o
iii) montante do capital próprio segundo o último balanço aprovado, sempre que este for igual ou inferior a metade da cifra do capital social (cfr. art. 171.º, n.ºs 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais [12]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis).
ix) a identificação das pessoas singulares que representam a sociedade, que são os respetivos gerentes ou administradores (representação orgânica), através da indicação do seu nome completo, estado civil, naturalidade e residência habitual (art. 46.º, n.º 1 al. c) do Código do Notariado [13]Consultar o Código do Notariado no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=457&tabela=leis).
4) Procuração vs mandato:
Em teoria, a procuração e o mandato são conceitos e negócios jurídicos distintos. Na prática, porém, subjacente à procuração está normalmente um mandato; por regra, dá-se forma escrita (formaliza-se) apenas à procuração [14]A. Menezes Cordeiro, Tratado XII, op. cit., pág. 696..
Ver o nosso artigo: procuração vs mandato – separação ou unidade?
5) Forma escrita (papel ou digital) ou verbal da procuração:
5.1) Necessidade de forma escrita?
Em geral:
Enquanto ato jurídico pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos, a procuração não está necessariamente sujeita a forma escrita.
Assinale-se que a forma escrita (documento escrito) inclui não só aquela que está em suporte de papel como também a que está em suporte digital ou eletrónico (por exemplo, em formato PDF ou JPEG). Por outro lado, a assinatura do representado que outorga a procuração também pode ser uma assinatura eletrónica (através de certificado digital).
Regime:
Com efeito, salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar (262.º, n.º 2).
Assim, se a procuração, enquanto mero ato jurídico, atribuir poderes de representação:
– para a compra e/ou venda de bens móveis não sujeitos a registo, não carece de forma escrita (poderá, por isso, nesse caso, ser meramente verbal);
– contudo, se, por exemplo, conferir poderes para a compra e/ou venda de bens imóveis, terá necessariamente de constar de documento escrito (cfr. art. 875.º).
5.2) A procuração constitui, muitas vezes, a forma escrita voluntária do contrato de mandato com outorga de poderes de representação:
Mesmo nos casos em que a Lei não exige a necessidade de observância de forma escrita para o negócio que o representante (procurador) deva realizar, é frequente que a procuração, enquanto documento escrito e assinado pelo representado atributivo de poderes de representação, constitua a forma escrita voluntária (art. 222.º) do contrato de mandato com outorga de poderes de representação.
Ou seja, nestes casos, a procuração opera como o título do mandato [15]Luís da Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, 12 (1933), pág. 388 apud A. Menezes Cordeiro, Tratado V, op. cit., pág. 93., como a forma escrita do contrato de mandato.
Mandato forense que não constitua mandato judicial:
É o que ocorre paradigmaticamente no contrato de mandato forense em sentido amplo, que não constitua um mandato judicial (neste último caso, operam as regras do art. 43.º do Código de Processo Civil [16]Consultar o Código de Processo Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1959&tabela=leis) celebrado entre um Advogado e o respetivo cliente, por exemplo, para a celebração em nome deste, de um contrato de consórcio.
Com efeito, o contrato de mandato forense é, via de regra, um contrato de mandato com outorga de poderes de representação, cuja forma escrita é dada precisamente através de um documento particular (isto é, um documento escrito e assinado pelo mandante-cliente) designado “procuração forense” [17]M. Ramirez Fernandes, Advocacia e Deontologia Profissional do Advogado, Quid Juris Editora, Lisboa, 2019, pág. 128..
5.3) Regras especiais em matéria de forma da procuração:
Artigo 116.º do Código do Notariado
(Procurações e substabelecimentos)
1 – As procurações que exijam intervenção notarial (escritura pública, termo de autenticação [documento particular autenticado] ou reconhecimento presencial de assinaturas) podem ser lavradas por instrumento público, por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por documento autenticado.
2 – As procurações conferidas também no interesse de procurador ou de terceiro (são as chamadas procurações irrevogáveis cfr. art. 265.º, n.º 3 CC) devem ser lavradas por instrumento público cujo original é arquivado no cartório notarial.
3 – Os substabelecimentos revestem a forma exigida para as procurações.
– Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de novembro (sem alterações) – Suprime a necessidade de intervenção notarial nas procurações passadas a advogados para a prática de atos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário e regula o conteúdo das mesmas procurações quando atribuam poderes especiais (site do Diário da República Eletrónico).
– Decreto-Lei n.º 342/91, de 14 de setembro (sem alterações) – Aprova a abolição do reconhecimento notarial da assinatura de advogado no ato de substabelecimento (site do Diário da República Eletrónico).
– Decreto-Lei n.º 168/95, artigo único – é aplicável aos solicitadores o disposto no artigo único do Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de novembro.
6) A procuração é uma fonte de representação; pressupostos e regime da representação:
A procuração é uma fonte de representação, concretamente, de representação voluntária (por contraposição à representação legal e à representação orgânica) (art. 262.º).
Pressupostos:
Pressupostos da representação, de verificação cumulativa:
i) a pessoa (singular ou coletiva) do representado passar uma outorgar uma procuração à pessoa do representante (procurador),
ii) o representante praticar um ou mais atos jurídicos por conta do representado,
iii) e em nome deste; e
iv) dentro do perímetro dos poderes conferidos pela procuração.
Regime da representação:
Os efeitos dos atos jurídicos praticados pelo representante-procurador repercutem-se imediata e automaticamente na esfera jurídica do representado (art. 258.º).
7) A procuração é um negócio jurídico unilateral:
A procuração é um negócio jurídico unilateral: fica perfeita apenas com a declaração de vontade do representado. Logo, não carece de qualquer aceitação do respetivo beneficiário (representante-procurador) para produzir efeitos [18]A. Menezes Cordeiro, ibidem..
Pelo que, o beneficiário de uma procuração que não queira aceitá-la terá que proceder à respetiva renúncia, isto é, terá que renunciar à procuração. Porém, a renúncia pode ser expressa ou tácita. Assim, por exemplo, se o beneficiário da procuração não aceitar o contrato de mandato haverá uma renúncia tácita à procuração [19]ibidem..