Procuração forense

Atualizado em 2023/05/05

1) Definição:

Na linguagem jurídica corrente a expressão “procuração forense” designa:

a) quer o ato jurídico, concretamente o negócio jurídico unilateral, pelo qual alguém (cliente) atribui a um Advogado, voluntariamente, poderes de representação, com a intenção de que este, na execução de um contrato de mandato forense em sentido amplo celebrado entre ambos, pratique um ou mais atos jurídicos em nome (e por conta) daquele (cliente);

b) quer o documento escrito (em suporte de papel ou em suporte eletrónico ou digital) onde esses poderes de representação tenham sido atribuídos [1]Pedro de Albuquerque, Código Civil Comentado I – Parte Geral, coord. de A. Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, pág. 768; A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil V, 3ª edição, … Continuar a ler.


2) Exemplos – minutas:

2.1) Procuração forense passada por pessoa singular

António Alexandre Almeida Amaral, casado, empresário, titular do Cartão de Cidadão n.º 12345678  1ZZ1, válido até 2028/01/01, natural de Leiria, residente na Rua Dona Teresa de Jesus Pereira, N.º 4, 1.º direito, 2560-000, Torres Vedras, freguesia de Santa Maria, São Pedro e Matacães, concelho de Torres Vedras, constituiu seu bastante representante e procurador, o Exmo. Senhor Dr. Flávio Mouta Mendes, portador da Cédula Profissional n.º 58620L, Advogado na Pereira Mouta Mendes & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL, com escritório sito na Rua Dr. Bastos Gonçalves, N.º 5 B, 1600-898 Lisboa, a quem confere, com os de substabelecer, os mais amplos poderes forenses em Direito permitidos e ainda os poderes especiais para confessar qualquer ação, transigir sobre o seu objeto, desistir do pedido ou da instância, receber custas de parte, ou precatório cheque, apresentar queixas-crime, deduzindo ou não pedidos de indemnização cível.

Lisboa, 16 de junho de 2021,

Assinatura conforme cartão de cidadão.

2.2) Procuração forense passada por sociedade comercial

Almeida & Bernardes – pinturas, Lda., sociedade por quotas, com sede na Rua Dona Teresa de Jesus Pereira, N.º 2, R/C, 2560-000, Torres Vedras, freguesia de Santa Maria, São Pedro e Matacães, concelho de Torres Vedras, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com o número de matrícula e de identificação de pessoa coletiva 512 345 678, com o capital social de 5000,00€ (cinco mil euros), representada neste ato pelos seus gerentes, o Senhor António Almeida e o Senhor Bento Bernardes, com poderes para o ato, constituiu seu representante e procurador, o Exmo. Senhor Dr. Flávio Mouta Mendes, portador da Cédula Profissional n.º 58620L, Advogado na Pereira Mouta Mendes & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL, com escritório sito na Rua Dr. Bastos Gonçalves, N.º 5 B, 1600-898 Lisboa, a quem confere, com os de substabelecer, os mais amplos poderes forenses em Direito permitidos e ainda os poderes especiais para confessar qualquer ação, transigir sobre o seu objeto, desistir do pedido ou da instância, receber custas de parte, ou precatório cheque, apresentar queixas crime, deduzindo ou não pedidos de indemnização cível, nos termos e condições que tiver por convenientes.

Carimbo da sociedade comercial (empresa)

Assinatura dos gerentes ou administradores conforme cartão de cidadão.

3) Elementos ou estrutura da procuração:

3.1) Passadas por pessoas singulares:

– nome completo,
– estado civil,
– naturalidade e
– residência habitual dos outorgantes (cfr. art. 46.º, n.º 1 al. c) do Código do Notariado [2]Consultar o Código do Notariado no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=457&tabela=leis aplicável às procurações forenses por analogia);
– é costume colocar-se também a profissão;
– se o outorgante for casado, é frequente indicar-se também o regime de bens do casamento (comunhão de adquiridos, separação de bens ou comunhão geral).
– deve indicar-se ainda o número de cartão de cidadão com menção da data de validade [3]Edgar Valles, Prática Processual Civil, 12 ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, págs. 34 a 37..

O Advogado (mandatário e beneficiário da procuração) deve comprovar, em especial, a identidade do outorgante, através dos elementos do cartão de cidadão: fotografia, nome, etc… (cfr. art. 90.º, n.º 2 al. c) do Estatuto da Ordem dos Advogados [EOA] [4]Consultar o Estatuto da Ordem dos Advogados no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2440&tabela=leis&so_miolo=).

3.2) Passadas por sociedades comerciais, através dos respetivos representantes (representação orgânica):

– A firma (ou denominação – nome da sociedade),
– o tipo societário (sociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas, sociedade anónima (S.A.), etc…),
– a sede (ou morada da “sede”),
– a conservatória do registo onde se encontrem matriculadas,
– o seu número de matrícula,
– o seu número de identificação de pessoa coletiva (ou NIF) e,
– sendo caso disso, a menção de que a sociedade se encontra em liquidação;

– as sociedades por quotas, as sociedades unipessoais por quotas, as sociedades anónimas (S.A.) e as sociedades em comandita por ações devem ainda indicar:
          i) o capital social,
          ii) o montante do capital realizado, se for diverso da cifra do capital social (isto é, se houver capital subscrito e não realizado), e o
          iii) montante do capital próprio segundo o último balanço aprovado, sempre que este for igual ou inferior a metade da cifra do capital social (cfr. art. 171.º, n.ºs 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais [5]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis).

– a identificação dos respetivos gerentes ou administradores (que são as pessoas singulares que representam a sociedade – representação orgânica), através da indicação do seu nome completo, estado civil, naturalidade e residência habitual (art. 46.º, n.º 1 al. c) do Código do Notariado, aplicável por analogia [6]Consultar o Código do Notariado no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=457&tabela=leis).

3.3) O Advogado deve verificar a identidade e os poderes dos gerentes ou administradores das sociedades comerciais:

No caso das sociedades comerciais e das pessoas coletivas em geral o Advogado deve verificar:

i) a identidade dos representantes do cliente (representação orgânica – por exemplo, os representantes de uma sociedade por quotas são os respetivos gerentes; os representantes de uma sociedade anónima (S.A.) são os respetivos administradores);

ii) assim como os poderes de representação conferidos a estes.

Consultar a certidão permanente de registo comercial:

Assim, para cumprir este dever, o Advogado pode ter que pedir uma certidão permanente de registo comercial ou, em alternativa, o número com o código de acesso à certidão, de modo a poder apurar se as pessoas singulares que passam a procuração têm os poderes necessários para vincular a sociedade [7]Edgar Valles, Prática Processual Civil, 12 ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, págs. 34 a 37. (cfr. art. 90.º, n.º 2 al. c) do EOA [8]Consultar o Estatuto da Ordem dos Advogados no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2440&tabela=leis&so_miolo=).

Por exemplo, se uma determinada sociedade por quotas se vincula com a assinatura de dois gerentes, quaisquer que eles sejam, o Advogado deve verificar se as pessoas singulares que vão outorgar a procuração estão inscritas na certidão permanente de registo comercial como gerentes daquela sociedade [9]Edgar Valles, Prática Processual Civil, 12 ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, págs. 34 a 37..

3.4) Identificação do Advogado:

O Advogado a quem são passados poderes deve surgir claramente identificado na procuração forense, através da indicação dos respetivos:
– nome profissional,
– número de cédula e
– domicílio profissional (cfr. neste sentido, art. 224.º alínea i) do EOA [10]Consultar o Estatuto da Ordem dos Advogados no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2440&tabela=leis&so_miolo=).

3.5) Poderes forenses gerais e poderes forenses especiais:

A procuração forense:
– confere sempre, em qualquer caso, poderes forenses gerais; e
– eventualmente, também pode conferir poderes forenses especiais.

São poderes forenses especiais os poderes para:
a) confessar a ação judicial;
b) transigir sobre o seu objeto (isto é, para celebrar um contrato de transação civil, judicial ou extrajudicial, para a composição de um litígio já efetivo ou meramente potencial) e/ou para
c) desistir, do pedido ou da instância.

4) Procuração forense vs mandato forense:

Em geral:

Em teoria, a procuração e o mandato são conceitos e negócios jurídicos distintos. Na prática, porém, subjacente à procuração está normalmente um mandato [11]A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil XII, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 696.. Ver: procuração vs. mandato: separação ou unidade?

Ao contrário do contrato de mandato civil, que pode ser com outorga de poderes de representação ou sem outorga de poderes de representação, o contrato de mandato forense é sempre, em qualquer caso, um contrato de mandato com outorga de poderes de representação.

Em regra, dá-se forma escrita (formaliza-se) apenas à procuração [12]A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil XII, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 696., concretamente, através de documento escrito e assinado pelo mandante-outorgante da procuração (cliente), em formato de papel ou em formato digital ou eletrónico (por exemplo, em PDF ou JPEG).

Forma escrita voluntária:

Com efeito, mesmo nos casos em que a Lei não exige a observância de forma especial para a procuração, é frequente que a procuração forense, enquanto documento escrito e assinado pelo representado, constitua, de certo modo, a própria forma escrita voluntária do contrato de mandato forense (art. 222.º do Código Civil [doravante CC] [13]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis).

Ou seja, nestes casos, a procuração forense opera verdadeiramente como o título [14]Luís da Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, 12 (1933), pág. 388 apud A. Menezes Cordeiro, Tratado V, op. cit., pág. 93. do contrato de mandato forense.

Sobre a obrigatoriedade ou não de a procuração forense observar forma especial, sobretudo escrita, ver em baixo ponto 6.

5) Procuração forense = “procuração” + “forense”:

Procuração (em geral): é o ato pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos (art. 262.º, n.º 1 do CC). Ver: procuração.

Forense: a palavra forense deriva de “foro”, que, por sua vez, se for empregue em contexto jurídico, significa Tribunal.

6) Obrigatoriedade de observância de forma especial, nomeadamente, escrita?

6.1) Forma escrita (papel, digital ou eletrónica); assinatura eletrónica:

Assinale-se, desde logo, que a forma escrita inclui:
– não só aquela que está em suporte de papel (documento escrito);
– como também a que está em suporte digital ou eletrónico (por exemplo, em PDF ou JPEG).

Por outro lado, a assinatura do mandante-representado (cliente) que outorga a procuração também pode ser uma assinatura eletrónica (através de certificado digital).

6.2) Regras para a procuração em geral:

Enquanto ato jurídico pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar, salvo disposição legal em contrário (262.º, n.º 2 do CC).

Artigo 116.º do Código do Notariado
Procurações e substabelecimentos

1 – As procurações que exijam intervenção notarial (escritura pública, termo de autenticação [documento particular autenticado] ou reconhecimento presencial de assinaturas, especialmente por força do 262.º, n.º 2 do CC supra referido) podem ser lavradas por instrumento público, por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por documento autenticado.
2 – As procurações conferidas também no interesse de procurador ou de terceiro (são as chamadas procurações irrevogáveis cfr. art. 265.º, n.º 3 do CC) devem ser lavradas por instrumento público cujo original é arquivado no cartório notarial.
3 – Os substabelecimentos revestem a forma exigida para as procurações.

6.3) Regras especiais sobre a forma da procuração forense:

6.3.1) Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de novembro (sem alterações) – Artigo único:

Artigo único

“1 – As procurações passadas a advogado para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, ainda que com poderes especiais, não carecem de intervenção notarial, devendo o mandatário certificar-se da existência, por parte do ou dos mandantes, dos necessários poderes para o acto.
2 – As procurações com poderes especiais devem especificar o tipo de actos, qualquer que seja a sua natureza, para os quais são conferidos esses poderes.”

6.3.2) Decreto-Lei n.º 342/91, de 14 de setembro (sem alterações) – aprova a abolição do reconhecimento notarial da assinatura de Advogado no ato de substabelecimento.

6.3.3) Decreto-Lei n.º 168/95, artigo único – é aplicável aos solicitadores o disposto no artigo único do Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de novembro.

6.4) Procuração forense para o mandato judicial (para intervir em Tribunal):

43.º do Código de Processo Civil:

Enquanto ato jurídico pelo qual alguém (cliente) atribui a um Advogado, voluntariamente, poderes de representação, para o exercício de um mandato judicial, a procuração forense terá que revestir a forma:
a) de instrumento público (escritura pública) ou de documento particular (documento escrito e assinado pelo mandante-cliente), nos termos do Código do Notariado (cfr. art. 43.º, n.º 1 al. c) do Código do Notariado) e da legislação especial;
b) de declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo.

(art. 43.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente também ao processo penal, ao processo de trabalho e ao processo tributário).

Procuração – documento particular:

Ora, o documento particular pelo qual se confere o mandato judicial é precisamente a procuração forense, enquanto documento escrito e assinado pelo mandante-cliente.

Com efeito, na vida prática, a procuração forense para o mandato judicial (e para o mandato forense que não seja mandato judicial) é passada, via de regra, através de documento particular, isto é, de documento escrito, assinado pelo outorgante, em formato de papel ou em formato digital.

Nesse caso, haverá coincidência entre (confundem-se):
– a procuração enquanto ato jurídico que confere poderes de representação; e
– a procuração enquanto documento escrito e assinado onde esses poderes de representação tenham sido atribuídos.

Desnecessidade de formalidades:

A procuração forense para mandato judicial que conste de documento particular não carece de formalidades. Assim, nomeadamente não carece:
– nem de reconhecimento presencial de assinaturas;
– nem de termo de autenticação (resulta do disposto no art. único do já citado Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de novembro – ver em cima ponto 6.3.1).

6.5) Procuração forense para um mandato forense (em sentido amplo) que não seja um mandato judicial (por ex. mandato para negociar a celebração de um contrato):

Não está sujeita nem a forma escrita, nem a formalidades:

Enquanto ato jurídico pelo qual alguém atribui a um Advogado, voluntariamente, poderes representativos para o exercício de um mandato forense em sentido amplo que não seja um mandato judicial (destinado por exemplo, à negociação da celebração ou modificação de contratos, à assessoria na realização de operações de reestruturação societária, a operações de aumento de capital social de sociedades comerciais, etc…), a procuração forense não está, em princípio, sujeita a forma especial:
– nem a forma escrita,
– nem a formalidades (como o reconhecimento presencial de assinaturas ou o termo de autenticação).

Forma escrita voluntária:

Contudo, é muito frequente na praxis da Advocacia, mesmo naquela que não seja “Advocacia de barra”, especialmente na chamada “Advocacia de negócios”, o cliente passar sempre uma procuração por escrito ao Advogado, com a designação “procuração forense” ou, simplesmente, “procuração”.

Pelo que, também neste caso, a procuração enquanto ato jurídico que confere poderes de representação ao Advogado, confunde-se com o documento escrito (em papel ou em formato digital) onde esses poderes foram conferidos. Constituirá, porém, nesse caso, uma hipótese de forma escrita voluntária (art. 222.º do CC).

7) Importância prática:

As procurações forenses são, claramente, as procurações com maior importância na vida prática, incluindo na vida empresarial (praxis comercial).