
1) Noção:
A procuração com poderes especiais é aquela que confere poderes ao representante para a prática, em nome e por conta do representado, de atos específicos.
Índice
- 1) Noção:
- 2) Procurações forenses – poderes forenses especiais – confessar, transigir ou desistir:
- 3) Outros poderes especiais – exemplos na jurisprudência:
- 3.1) Para a compra e/ou venda de imóveis:
- 3.2) Para negociar um contrato promessa de compra e venda:
- 3.3) Para movimentar contas bancárias:
- 3.4) Para apresentar uma queixa-crime:
- 3.5) Para a constituição de fianças (garantia de dívidas), alterações de contrato, incluindo estipulação de moratórias, contração de empréstimos e para hipotecar bens:
- 3.6) Para fazer e aceitar confissões de dívida:
- 3.7) Para avalizar livranças:
- 4) Poderes especiais vs poderes gerais:
- 5) Âmbito dos poderes especiais – interpretação das procurações:
Notas:
– ver bibliografia sobre a presente matéria na presente nota de rodapé [1]A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil V, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, págs. 65 a 154, especialmente 103, 104, 129 a 131, e em Tratado de Direito Civil XII, Almedina, Coimbra, 2018, … Continuar a ler.
– doravante, todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte pertencem ao Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, com as alterações subsequentes [2]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis.
2) Procurações forenses – poderes forenses especiais – confessar, transigir ou desistir:
As procurações forenses (passadas aos Advogados para o exercício do contrato de mandato forense em sentido amplo: para atos de judiciais e/ou extrajudiciais) conferem:
– poderes forenses gerais e,
– eventualmente, poderes forenses especiais.
São poderes forenses especiais os poderes para:
– confessar a ação;
– transigir sobre o seu objeto (ou também “acordar”, isto é, para celebrar um contrato de transação civil, judicial ou extrajudicial, para a composição de um litígio já efetivo ou meramente potencial) e/ou para,
– desistir, do pedido e/ou do processo (cfr. arts. 44.º e 45.º do Código de Processo Civil [3]Consultar o Código de Processo Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1959&tabela=leis).
3) Outros poderes especiais – exemplos na jurisprudência:
3.1) Para a compra e/ou venda de imóveis:
– para “vender ou prometer vender, pelo preço, condições e cláusulas que achar por convenientes a quem entender o prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo xxxx da freguesia de V…, concelho da L…” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2011-06-07 [4]Consultar o Acórdão do STJ, de 2011-06-07 no link: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/2FB2A049D72D836B802578AF00388321.
– “poderes especiais para, em seu nome e representação, vender, prometer vender, permutar ou de qualquer forma alienar, hipotecar ou onerar, os imóveis de que ele mandante, é proprietário ou co-proprietário” – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2006-11-30 [5]Consultar o Acórdão do TRL, de 2006-11-30 no link: http://www.dgsi.pt/Jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/304536d2991e514d8025728a005777d1?OpenDocument.
Assinale-se que na procuração que confere poderes de representação para a compra e/ou venda de imóveis “devem ser especificados os poderes referentes à venda de imóveis, impondo esse dever a obrigação de estar identificado no texto da procuração, sem rodeios, o imóvel, ou os imóveis a vender, e nomeadamente, e pelo menos, a freguesia, ou o concelho, onde esses imóveis se situam” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2018-09-13 [6]Consultar o Acórdão do STJ, de 2018-09-13 no link: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2c949206bf453f4a8025830800335ec1?OpenDocument.
3.2) Para negociar um contrato promessa de compra e venda:
– procuração com poderes especiais “a um co-réu para negociar um contrato-promessa de compra e venda com os autores, receber o sinal e dar a correspondente quitação” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2015-05-07 [7]Consultar o Acórdão do STJ, de 2015-05-07 no link: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/1C92D1E04FD8749680257E4200543C4E.
3.3) Para movimentar contas bancárias:
– “poderes para movimentar qualquer conta à ordem ou a prazo de que a mandante-representada fosse titular junto das instituições bancárias “DD, S.A. e/ou da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Beira Baixa (Sul),… requerer e assinar cheques ou fazer levantamentos de qualquer importância em dinheiro, requerer e assinar extratos bancários e cadernetas de depósitos… no âmbito de um mandato de administração do património desta” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2019-09-10 [8]Consultar o Acórdão do STJ, de 2019-09-10 no link: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c8cfcba83ccb532c802584720031b238?OpenDocument.
3.4) Para apresentar uma queixa-crime:
– o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência no respetivo Acórdão de uniformização de Jurisprudência n.º 4/94, de 1994-09-27, no sentido de que a procuração passada a um Advogado para a apresentação de uma queixa-crime pode ser uma procuração simples, sem, portanto, necessidade de outorga de poderes especiais, nem, nomeadamente, necessidade de menção do n.º de processo e/ou do possível autor do facto ilícito [9]Consultar o Acórdão de uniformização de Jurisprudência n.º 4/94, de 1994-09-27 do STJ no link: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/E7E0C13FE5E1E634802574390048356C e … Continuar a ler.
3.5) Para a constituição de fianças (garantia de dívidas), alterações de contrato, incluindo estipulação de moratórias, contração de empréstimos e para hipotecar bens:
– Poderes especiais para:
i) responsabilizar a sociedade (empresa) representada, solidariamente para com o Banco A, S.A., como fiadora e principal pagadora (com recusa expressa ao benefício de excussão prévia) do devedor principal pelo pagamento de tudo quanto venha a ser devido, em capital, juros e despesas;
ii) dar desde já o acordo da mandante a todas e quaisquer modificações de prazo ou moratórias que sejam convencionadas;
iii) outorgar o competente título de fiança;
iv) contrair empréstimo ou empréstimos até ao montante de cem mil euros, ao juro e demais condições que tiver por convenientes;
v) podendo hipotecar o bem adquirido na mesma data;
vi) requerer quaisquer atos de registo predial, provisórios ou definitivos; e ainda
vii) para a representar junto dos Serviços de Finanças e Câmaras Municipais, praticando tudo o que for necessário aos indicados fins – Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 2018-10-31 [10]Consultar o Acórdão do TRG no link: http://www.dgsi.pt/jtrg.Nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/caed3c7fc980f6f980258347003667b3?OpenDocument.
3.6) Para fazer e aceitar confissões de dívida:
– A procuração outorgada com poderes especiais para “fazer e aceitar confissões de dívida, estipulando os juros e demais condições dos contratos” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2019-11-27 [11]Consultar o Acórdão do STJ, de 2019-11-27 no link: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5d77b5bfcc8a22e3802584c0003fdaa4?OpenDocument.
3.7) Para avalizar livranças:
– Não sofre de nulidade por indeterminabilidade do objeto uma procuração que confere ao representante poderes para avalizar (prestar aval; no plural, “avais” ou “avales”) livranças para qualquer finalidade e assinar os respetivos pactos de preenchimento e contratos, subscritas por um grupo de sociedades nela mencionadas, e ainda por qualquer outra sociedade que seja ou venha a ser participada por qualquer das sociedades antes identificadas – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 2014-01-16 [12]Consultar o Acórdão do TRE, de 2014-01-16 no link: http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/-/8C69FB2A9C03F73280257DE10056FEE0.
4) Poderes especiais vs poderes gerais:
Aos poderes especiais contrapõem-se os poderes gerais.
Com efeito, a procuração pode conferir:
– poderes gerais, se conferir poderes ao representante para a prática, em nome e por conta do representado, de uma atividade genérica [13]A. Menezes Cordeiro, Tratado V, op. cit., pág. 130 e Pedro de Albuquerque, Código Comentado, op. cit., pág. 769. ou de uma categoria indeterminada de atos, como por exemplo, “administrar uma empresa” ou “administrar um imóvel” [14]Rui Ataíde, op. cit., pág. 33..
– poderes especiais, se conferir poderes ao representante para a prática, em nome e por conta do representado, de atos específicos.
5) Âmbito dos poderes especiais – interpretação das procurações:
O âmbito ou perímetro dos poderes conferidos ao representante são os que estiverem estabelecidos na própria procuração. As procurações podem conferir poderes maiores ou menores.
5.1) Atos necessários – atos preparatórios e/ou instrumentais:
Em qualquer caso, deve entender-se que a procuração que confere poderes para a prática de um determinado ato jurídico principal também confere poderes para a execução de todos os atos jurídicos e/ou materiais e tarefas acessórias necessárias, sem necessidade de menção específica no texto da procuração (cfr. art. 1159.º, n.º 2, relativo ao mandato, mas aplicável também à procuração, atendendo à unidade natural que existe entre as duas figuras [15]A. Menezes Cordeiro, Tratado V, op. cit., pág. 130 e 131, Pedro de Albuquerque, op. cit., págs. 768 e 769.).
Vero nosso artigo: procuração vs mandato – separação ou unidade?
São atos acessórios necessários todos os atos preparatórios, adjuvantes, dependentes, consequentes ou condições legais do ato mencionado na procuração [16]L. da Cunha Gonçalves, Tratado VII, n.º 1015, apud A. Pires de Lima e J. M. Antunes Varela, Vol. II, pág. 792..
5.2) Exemplos:
A procuração que confere poderes:
a) para vender um bem compreende os poderes para receber o preço convencionado e para dar a respetiva quitação;
b) para receber uma dívida hipotecária compreende os poderes para dar quitação e autorizar o cancelamento da hipoteca;
c) para a compra e/ou venda de um bem imóvel abrange nomeadamente:
– os poderes para receber ou entregar a coisa comprada/vendida (entrega das chaves) e de assinar a respetiva escritura ou documento particular autenticado [17]ibidem.;
– a obtenção e promoção de registos (registo comercial, predial, civil, etc…)
– pagamento de impostos,
– notificações para exercício do direito de preferência, etc [18]A. Menezes Cordeiro, Tratado V, op. cit., pág. 104 e em Tratado XII, op. cit., págs. 546 a 548..
5.3) A procuração para a compra e/ou venda de um bem abrange a celebração do correspondente contrato-promessa?
A procuração que confere poderes para a compra e/ou venda de um determinado bem também confere poderes para a prática de todos os respetivos atos preparatórios, incluindo para a celebração do correspondente contrato-promessa de compra e venda [19]A. Menezes Cordeiro, Tratado V, op. cit., pág. 104 e em Tratado XII, op. cit., págs. 546 a 548..
Assim, “quem tem poderes para vender determinado prédio «pelo preço e condições que entender», tem também, em princípio, poderes para o prometer vender, visto que estes últimos, porque instrumentais em relação à finalidade pretendida e para o qual se concedem os poderes, cabe perfeitamente no seu âmbito sem exceder os referidos limites – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2003-05-13 [20]Consultar o link: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/56508f7ea23de82280256d5d00337270?OpenDocument.
5.4) Procuração com objeto indeterminável:
Uma procuração com um objeto indeterminável (que confira poderes excessivamente amplos) pode ser considerada nula, por aplicação do art. 280.º.
Assim, A. Menezes Cordeiro considera:
– suficientemente determinada, uma procuração “geral para administrar” (atentar, porém, aos arts. 252.º, n.º 5 e 391.º, n.º 6 do Código das Sociedades Comerciais [21]Consutar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis);
– mas indeterminável e, por isso, nula, uma procuração para “para alienar tudo o que o procurador entenda” [22]A. Menezes Cordeiro, Tratado V, op. cit., pág. 129..
Exemplo na jurisprudência:
“Não sofre de nulidade por indeterminabilidade do objeto uma procuração que confere ao representante poderes para avalizar livranças para qualquer finalidade e assinar os respetivos pactos de preenchimento e contratos, subscritas por um grupo de sociedades nela mencionadas, e ainda por qualquer outra sociedade que seja ou venha a ser participada por qualquer das sociedades antes identificadas” – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 2014-01-16 [23]Consultar o Acórdão do TRE, de 2014-01-16 no link: http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/-/8C69FB2A9C03F73280257DE10056FEE0.