Personalidade jurídica das sociedades comerciais

Atualizado em 2023/07/21

1) O que é a personalidade jurídica?

Tradicionalmente, entende-se que a personalidade jurídica é a suscetibilidade para se ser, em abstrato, titular de direitos e deveres; é a aptidão ou idoneidade para se ser um centro de imputação de efeitos jurídicos; é a qualidade de ser sujeito de Direito, pessoa singular ou pessoa coletiva; é a qualidade jurídica de ser pessoa [1]C. A. Mota Pinto, A. Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 5ª Edição, Gestlegal Editora, Coimbra, 2020 (2005), pág. 193; A. Menezes Cordeiro e A. Barreto Menezes … Continuar a ler.

Ora, são sujeitos de Direito, dotados, portanto, de personalidade jurídica:
– as pessoas singulares (ou pessoas físicas) e
– as pessoas coletivas (por vezes, também designadas “pessoas jurídicas” ou “pessoas morais”).





FCPC – Ficheiro Central de Pessoas Coletivas

2) Personalidade jurídica plena vs personalidade jurídica rudimentar (ou mera subjetividade jurídica):

2.1) Personalidade jurídica rudimentar (ou mera subjetividade jurídica):

Problema conceptual:

Tradicionalmente, entende-se que a personalidade jurídica é um conceito qualitativo ou absoluto, insuscetível, portanto, de graduação: ou se tem personalidade jurídica ou não se tem; ou se é pessoa (singular ou coletiva) ou não se é.

Porém, hoje deve entender-se que o conceito de personalidade jurídica não deve ser absolutizado. Com efeito, ao lado da personalidade jurídica plena de que gozam as pessoas, singulares ou coletivas, deve admitir-se a existência de uma personalidade jurídica rudimentar ou limitada (ou mera subjetividade jurídica) de que gozam certas entidades que, apesar de não terem personalidade jurídica plena, constituem verdadeiros centros autónomos de imputação de efeitos jurídicos, especialmente de direitos e deveres [2]A. Menezes Cordeiro e A. Barreto Menezes Cordeiro, Tratado…, op.cit., págs. 661 a 672 e em Direito das Sociedades I, op. cit., págs. 293 a 306; J. M. Coutinho de Abreu, Curso De Direito … Continuar a ler.

Centros autónomos de imputação de efeitos jurídicos – mas que ou quais efeitos jurídicos?

Essas entidades nomeadamente:

i) têm personalidade judiciária (cfr. arts. 12.º, 13.º e 14.º do Código de Processo Civil [CPC] [3]Consultar o CPC no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1959&tabela=leis);
ii) podem ser declaradas insolventes (art. 2.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [CIRE] [4]Consultar o CIRE no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=85&tabela=leis);

iii) têm personalidade tributária (arts. 15.º, 16.º, n.º 3, 18.º, n.ºs 3 e 4, 25.º, todos da Lei Geral Tributária [LGT] [5]Consultar a LGT no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=253&tabela=leis);
iv) podem incorrer em responsabilidade criminal (art. 11.º, n.º 5 e restantes números do mesmo artigo do Código Penal [6]Consultar o Código Penal no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=109&tabela=leis);
iv) podem incorrer em responsabilidade contraordenacional (arts. 7.º e 87.º do Regime Geral das Contraordenações [7]Consultar o Regime Geral das Contraordenações no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=166&tabela=leis e art. 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias [8]Consultar o Regime Geral das Infrações Tributárias no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=259&tabela=leis);

v) estão sujeitas a inscrição no registo comercial (apenas no caso do estabelecimento individual de responsabilidade limitada [EIRL], cfr. arts. 1.º, n.º 1; 8.º; 9.º als. d) e i); 15.º, n.º 4; 61.º, nºs 1 e 4, todos do Código do Registo Comercial [9]Consultar o Código do Registo Comercial no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=506&tabela=leis e arts. 5.º; 9.º; 12.º, n.º 5; 16.º, n.º 2; 18.º, n.º 3; 23.º, n.º 5, entre outras normas do Decreto-Lei n.º 248/86, de 25 de agosto, que regula o EIRL [10]Consultar o Decreto-Lei n.º 248/86, de 25 de agosto, que regula o EIRL no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=678&tabela=leis&ficha=1&pagina=1);

vi) estão sujeitas a inscrição no Ficheiro Central de…”Pessoas Coletivas” (apesar da aparente contradição de termos) (arts. 2.º, n.º 2, 4.º, n.º 1 al. c), d), e), f), i) e n.º 2 als. a) e b) e 9.º, 10.º, 11.º-A, entre outras normas, todos do Regime Jurídico do Registo Nacional de Pessoas Coletivas [RJRNPC] [11]Consultar o RJRNPC no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=688&tabela=leis&so_miolo=);

vii) têm firma ou denominação (arts. 9.º al. b); 10.º, n.º 1 al. a) e 11.º-A, n.º 1 al. b) do RJRNPC);
viii) têm sede (arts. 9.º al. c), 10.º, n.º 1 al. b) e 11.º-A, n.º 1 al. c) do RJRNPC; cfr. também art. 2.º, n.º 2 al. a) do Decreto-Lei n.º 248/86, de 25 de agosto, que regula o EIRL [12]Consultar o Decreto-Lei n.º 248/86, de 25 de agosto, que regula o EIRL no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=678&tabela=leis&ficha=1&pagina=1);
ix) têm capital social, pelo menos, no caso do EIRL (cfr. art. 2.º, n.º 2 al. a) e art. 3.º do Decreto-Lei n.º 248/86, de 25 de agosto, que regula o EIRL).

2.2) Pessoas coletivas rudimentares:

São pessoas coletivas rudimentares, dotadas, portanto, de uma personalidade jurídica rudimentar ou mera subjetividade jurídica, nomeadamente:

– as sociedades comerciais até à data do registo definitivo do respetivo ato constitutivo, nos termos do artigo 5.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) [13]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis (são as sociedades irregulares por incompletude);
– as sociedades civis sob forma civil que não tenham sido inscritas no Registo Nacional (Ficheiro Central) de Pessoas Coletivas (são as chamadas sociedades civis puras, simples ou comuns – cfr. arts. 980.º a 1021.º do CC);
– os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada (EIRL) (o EIRL não tem personalidade judiciária, mas: pode ser declarado insolvente, está sujeito a inscrição no Registo Comercial e no Registo Nacional de Pessoas Coletivas, etc);
– os fundos de investimento de base puramente contratual (não personalizados) (arts. 3.º e 8.º, n.º 2, do Regime da Gestão de Ativos, constante do anexo único do Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril [14]Consultar o RGA no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=3635&tabela=leis&ficha=1&pagina=1&so_miolo=);
– as sucursais , agências, “filiais” (na expressão dos arts. 13.º e 14.º do CPC. No entanto, no rigor dos conceitos, as filiais têm personalidade jurídica plena, sendo esse, aliás, o critério que as permite distinguir das sucursais. O art. 2.º-A, n.º 1 al. x) do RGICSF define mais rigorosamente filial como «a pessoa coletiva relativamente à qual outra pessoa coletiva, designada por empresa-mãe, se encontre numa relação de controlo ou sobre a qual o Banco de Portugal considere que a empresa-mãe exerça uma influência dominante, considerando-se ainda que a filial de uma filial é igualmente filial da empresa-mãe de que ambas dependem») delegações ou representações;
– o condomínio (resultante da propriedade horizontal);
– a herança jacente;
– as associações sem personalidade jurídica e as comissões especiais (cfr. arts. 195.º a 201.º-A do Código Civil [15]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis); etc…

3) Pessoas coletivas de Direito Privado:

São, nomeadamente, pessoas coletivas de Direito Privado, dotadas de personalidade jurídica (plena) ou personalidade coletiva:
– as sociedades, pelo menos, as sociedades comerciais e as sociedades civis sob forma comercial, a partir da data do registo definitivo do respetivo ato constitutivo;
– as associações de Direito Privado (em sentido restrito – com efeito, em sentido amplo, a expressão “associação de Direito Privado” é suscetível de abranger também as sociedades, civis ou comerciais, e ainda as associações sem personalidade jurídica. Assinale-se que para além das associações de Direito Privado existem ainda associações de Direito Público, como as associações públicas profissionais, que podem ser “Ordens” ou “Câmaras”);
– as fundações; e,
– as cooperativas (para quem considere que não são sociedades [16]No sentido de que as cooperativas não são sociedades, J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., págs. 46 a 48; no sentido de que são sociedades, A. Menezes Cordeiro e A. Barreto Menezes Cordeiro, … Continuar a ler).

Cfr: art. 5.º do CSC [17]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis; arts 157.º e 158.º do Código Civil [18]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis; art. 17.º do Código Cooperativo [19]Consultar o Código Cooperativo no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2469&tabela=leis&so_miolo=.

Nota: doravante, todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte pertencem ao Código das Sociedades Comerciais (CSC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, com as alterações subsequentes [20]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis.

4) As sociedades comerciais têm personalidade jurídica ou personalidade coletiva:

4.1) O que significa?

Por ter personalidade jurídica ou personalidade coletiva, a sociedade comercial (e a sociedade civil sob forma comercial) é um sujeito de Direito de tipo pessoa coletiva, distinto e autónomo face ao(s) sujeito(s) do(s) respetivo(s) sócio(s), com aptidão para ser titular, em nome próprio, de direitos e deveres.

As sociedades comerciais e as sociedades civis sob forma comercial são, portanto, novos sujeitos de Direito, criados pelos respetivos sócios ou sócio único (neste último caso, se for constituída uma sociedade unipessoal, por exemplo, uma sociedade unipessoal por quotas), mas que se autonomizam face a este(s), adquirindo personalidade jurídica própria.

4.2) Momento de aquisição da personalidade jurídica:

As sociedades comerciais e as sociedades civis sob forma comercial têm personalidade jurídica ou personalidade coletiva e existem como tais (isto é, como pessoas coletivas de pleno Direito) a partir da data do registo definitivo do respetivo ato constitutivo, que em princípio, será:
– um contrato de sociedade ou
– um negócio jurídico unilateral, neste último caso, se for constituída uma sociedade unipessoal, como a sociedade unipessoal por quotas (art. 5.º).

5) Desconsideração da personalidade jurídica:

Pode ter lugar, em certos termos e mediante a verificação de determinados pressupostos ou requisitos, a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade. Ver o nosso artigo: desconsideração da personalidade jurídica.

6) Efeitos e consequências práticas da atribuição de personalidade jurídica às sociedades comerciais:

São vários os efeitos e as consequências práticas da atribuição de personalidade jurídica às sociedades comerciais e sociedades civis sob forma comercial [21]Seguiremos grosso modo a sistematização de: J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., pág. 167; A. Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, coord. de A. Menezes Cordeiro, 2ª … Continuar a ler.

Todos os efeitos e consequências que se vão indicar em baixo são característicos das sociedades comerciais dotadas de personalidade jurídica (plena) e, em geral, das pessoas coletivas. Porém, nem todos são exclusivos destas; com efeito, há certos efeitos e consequências que também resultam da existência de pessoas coletivas rudimentares [22]J. Engrácia Antunes, ibidem.. Sobre estas últimas ver em cima ponto 2.

Deste modo, as sociedades:

6.1) Podem ser titulares de direitos e deveres. Os direitos e deveres da sociedade não são direitos e deveres do(s) sócio(s).

6.2) Têm um nome que se designa firma (cfr. arts. 10.º, 200.º, 200.º-B, 275.º);

6.3) Têm uma sede, que corresponde, em princípio, ao seu domicílio (cfr. arts 9.º, n.º 1 al. e) e 12.º);

6.4) Têm autonomia patrimonial:

– As sociedades têm autonomia patrimonial, isto é, têm um património próprio, que é distinto e autónomo face ao património pessoal dos respetivo(s) sócio(s).
– O património da sociedade é composto por todos os bens (incluindo dinheiro), direitos, dívidas e, em geral, todas as posições, situações ou relações jurídicas ativas (poderes-deveres, expetativas jurídicas, poderes, faculdades) e passivas (sujeições ou estados de sujeição, ónus) com conteúdo patrimonial ou económico, isto é, em dinheiro (pecuniárias) ou suscetíveis de avaliação em dinheiro.

– Os bens e direitos da sociedade respondem apenas pelas dívidas da sociedade; não respondem pelas dívidas pessoais dos sócios.
– A autonomia patrimonial pode ser perfeita ou imperfeita, consoante, respetivamente, o património pessoal dos sócios não responda ou responda, em certos termos, pelas dívidas da sociedade. Sobre esta questão ver, com mais desenvolvimento, o nosso artigo: autonomia patrimonial.

– Os sócios não têm direitos sobre os bens que integram o património da sociedade: nem sobre bens individualmente considerados nem sobre o património global da sociedade [23]A. Soveral Martins, Estudos de Direito das Sociedades, coord. de J. M. Coutinho de Abreu, 12ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 87..

6.5) Os sócios ou acionistas são titulares de participações sociais (quotas, ações):

6.5.1) Quotas ou ações:

O sócio ou acionista é titular de uma participação social, que é um bem móvel que integra o seu património.

As participações sociais podem ser:
– quotas nas sociedades por quotas e nas sociedades unipessoais por quotas (nestas últimas há apenas uma quota);
– ações nas sociedades anónimas;
– etc…

6.5.2) Direitos dos sócios sobre a sociedade:

Os sócios não têm direitos sobre os bens que integram o património da sociedade, mas podem ter direitos sobre a própria sociedade inerentes à sua participação social, como por exemplo:
– o direito aos lucros de exercício cuja distribuição tenha sido deliberada;
– o direito ao voto, etc… (art. 21.º, n.º 1 als. a) e b)).

6.5.3) Deveres dos sócios sobre a sociedade:

Os sócios também têm deveres sobre a sociedade, como:
– o dever de realizar entradas, apenas dos sócios fundadores e dos sócios que participam em aumentos de capital social (entradas em dinheiro e entradas em espécie nas sociedades de responsabilidade limitada); e
– o dever de quinhoar nas perdas (art. 20.º als. a) e b)).

6.6) Os credores pessoais dos sócios ou acionistas não podem penhorar (executar) o património da sociedade:

Os credores pessoais ou particulares dos sócios (aqueles que têm direitos de crédito sobre a pessoa, singular ou coletiva, dos sócios) não podem executar ou penhorar o património da sociedade para cobrar coercivamente as suas dívidas; apenas podem penhorar os bens que integrem o património pessoal dos sócios ou acionistas. “Os credores dos sócios não são credores da sociedade[24]J. G. Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial. Obrigações mercantis em geral. Obrigações mercantis em especial (sociedades comerciais), edição do autor, Lisboa, 1966, pág. 234 apud A. … Continuar a ler.

Nomeadamente, podem, em certos termos, executar e penhorar a participação social do sócio, que é um bem móvel que integra o seu património pessoal. Com efeito, admite-se, em certos termos:
– a penhora de quotas, e
– a penhora de ações.

6.7) As entradas dos sócios (e a partilha do eventual ativo restante) são transmissões – para os sócios são alienações; para a sociedade são aquisições (e vice-versa):

6.7.1) Entradas dos sócios:

Como contrapartida pela aquisição da sua participação social (quotas ou ações) os sócios ou acionistas fundadores e os sócios ou acionistas que participam em aumentos de capital social têm o dever de realizar entradas, que podem ser:
entradas em dinheiro,
entradas em espécie ou
entradas em indústria, nas sociedades que admitem este último tipo de entrada e, em qualquer caso, com exclusão da possibilidade de, através delas, participarem em operações de aumentos de capital social (arts. 20.º al. a) e 87.º a 89.º).

As entradas são atos de transmissão do património do sócio ou acionista para o património da sociedade:
– para o sócio ou acionista são alienações;
– para a sociedade são aquisições.

6.7.2) Partilha do ativo restante:

Por seu turno, no final da vida da sociedade, aquando da respetiva liquidação após dissolução por sentença de declaração de insolvência ou por qualquer outra causa de dissolução, a partilha dos bens, incluindo dinheiro, da sociedade, se ativo restante houver (após o pagamento de todo o passivo cfr. arts. 154.º e 156.º do CSC e art. 184.º do CIRE [25]Consultar o CIRE no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=85&tabela=leis), far-se-á através de atos de transmissão do património da sociedade para o património do(s) respetivo(s) sócio(s) ou acionista(s).

– Para a sociedade (que, aliás, mantém a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da respetiva liquidação cfr. arts. 146.º, n.ºs 1 e 2, 160.º, n.º 2) são alienações;
– para os sócios ou acionistas são aquisições.

6.8) A sociedade continua a existir como tal, isto é, como pessoa coletiva:

A sociedade mantém a sua identidade (continua a existir como tal, isto é, como pessoa coletiva),
i) apesar de eventuais modificações que se verifiquem, nomeadamente, quanto à identidade do(s) respetivo(s) sócio(s) ou acionista(s); e

ii) mesmo que tenham sido originariamente constituídas como pluripessoais (com dois/cinco ou mais sócios/acionistas) as sociedades podem subsistir como tal (como pessoas coletivas) com um único sócio.

Porém, nesse caso, se por um período superior a um ano, o número de sócios for inferior ao mínimo exigido por lei (dois sócios nas sociedades por quotas e cinco acionistas nas sociedades anónimas (S.A.)), sem que, entretanto, a sociedade tenha sido transformada em sociedade unipessoal por quotas ou haja uma relação de grupo por domínio total, pode ser requerida a dissolução administrativa da sociedade (arts. 142.º, n.º 1 al. a), 273.º, n.º 1 e 7.º, n.º 2).

6.9) As sociedades têm órgãos próprios:

6.9.1) Órgão de administração e representação:

É:
a) a gerência nas sociedades por quotas e nas sociedades unipessoais por quotas, a qual é composta pelo gerente ou gerentes (gerência plural); ou,
b) o conselho de administração (que é composto pelos administradores), o administrador único, o conselho de administração executivo (que é composto pelos administradores) ou o administrador executivo único nas sociedades anónimas (S.A.).

O órgão de administração e representação representa a sociedade perante terceiros. Os atos, lícitos ou ilícitos, praticados pelos membros do órgão de administração e representação (gerentes ou administradores) nessa qualidade, vinculam a sociedade perante terceiros (clientes, fornecedores, bancos, trabalhadores, Estado, etc…).

6.9.2) Órgão deliberativo-interno – Assembleia Geral:

A Assembleia Geral, também designada por coletividade de sócios, conjunto dos sócios ou assembleia de sócios é o órgão deliberativo-interno comum a todos os tipos de sociedade comercial, sendo tradicionalmente considerado como o órgão supremo da sociedade [26]Pedro Maia, Estudos de Direito das Sociedades, coord. de J. M. Coutinho de Abreu, 12ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, págs. 270 e 271.. A Assembleia Geral tem aptidão para exprimir/formar uma vontade juridicamente imputável à sociedade e tem determinadas competências próprias.

6.9.3) Órgão de fiscalização:

As sociedades anónimas, as sociedades por quotas e as sociedades unipessoais por quotas podem ter, em certos termos, um (ou, nalguns casos, dois) órgão de fiscalização, responsável essencialmente por fiscalizar a atuação dos membros do órgão de administração e representação:
– conselho fiscal,
– fiscal único,
– comissão de auditoria,
– conselho geral e de supervisão,
– revisor oficial de contas (ROC).

6.10) As sociedades têm capacidade jurídica:

6.10.1) Personalidade jurídica vs capacidade jurídica:

Tradicionalmente, distingue-se entre a personalidade jurídica e a capacidade jurídica [27]Mais recentemente, defendendo o abandono dessa distinção, concretamente, o abandono do conceito da personalidade jurídica e o uso exclusivo do conceito de capacidade jurídica, passando este, … Continuar a ler, fazendo-se essa distinção nos seguintes termos:
– a personalidade jurídica é a simples qualidade de ser sujeito de Direito, pessoa singular ou pessoa coletiva. É um conceito qualitativo: ou se tem personalidade jurídica ou não se tem;
– por seu turno, a capacidade jurídica ou capacidade de gozo é a aptidão para se ser, em concreto, titular de um círculo, maior ou menor, de direitos e deveres; é a medida, maior ou menor de direitos e obrigações de que um sujeito de Direito pode ser titular [28]C. A. Mota Pinto, A. Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, op. cit., pág. 194 e 220; A. Menezes Cordeiro, colab. de A. Barreto Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades I, op. cit., pág. 326; J. M. … Continuar a ler. É um conceito quantitativo.

6.10.2) As sociedades têm capacidade jurídica:

Por serem dotadas de personalidade jurídica, as sociedades têm:
capacidade jurídica ou capacidade de gozo, que não é, contudo, ilimitada; e,
– capacidade de exercício ou capacidade de agir.

A sociedade atua no comércio jurídico, adquirindo direitos (por exemplo, direitos de crédito, direitos de propriedade, entre outros) e contraindo dívidas, através dos respetivos órgãos que a representam e cujos atos praticados nessa qualidade, lícitos ou ilícitos, a vinculam.

6.11) Os atos praticados pelos gerentes ou administradores em nome da sociedade vinculam a sociedade:

Os atos praticados pelos membros dos órgãos de administração e representação nessa qualidade, lícitos ou ilícitos, vinculam não a pessoa dos respetivos membros, mas sim a sociedade em nome de quem atuam (cfr. arts. 260.º, 261.º, 252.º, n.º 1, 270.º-G para as SQ e SUQ e arts. 408.º, 409.º e 405.º, n.º 2 para as S.A.).

O órgão de administração e representação é:
a) nas sociedades por quotas e nas sociedades unipessoais por quotas, a gerência, que é composta pelo gerente (gerência singular) ou gerentes (gerência plural); e
b) nas sociedades anónimas (S.A.):
          b-a) o conselho de administração, que é composto pelos administradores (é um órgão plural);
          b-b) o administrador único;
          b-c) o conselho de administração executivo, que é composto pelos administradores (é um órgão plural) ou
          b-d) o administrador executivo único.

6.12) As sociedades comerciais adquirem a qualidade de comerciantes:

A partir do memento em que adquirem personalidade jurídica as sociedades comerciais adquirem a qualidade de comerciante (art. 13.º, n.º 2 do Código Comercial), ficando, por conseguinte, sujeitas ao respetivo estatuto jurídico (regime jurídico específico).

6.13) As sociedades têm personalidade judiciária, insolvencial e tributária:

– personalidade judiciária (art. 11.º do Código de Processo Civil);
– personalidade insolvencial: podem ser declaradas insolventes (art. 2.º, n.º 1 al. a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas); e
– personalidade tributária (art. 2.º, n.º 1 al. a) do CIRC) [29]J. Engrácia Antunes, ibidem..

6.14) As sociedades podem incorrer em responsabilidade civil, criminal e contraordenacional [30]J. Engrácia Antunes, ibidem..

7) Termo da personalidade jurídica:

As sociedades perdem a sua personalidade jurídica:
a) com o registo do encerramento do respetivo processo de insolvência, após dissolução por sentença de declaração de insolvência; ou
b) com o registo do encerramento da respetiva liquidação após dissolução por qualquer outra causa (de dissolução) (cfr. arts. 141.º a 143.º, 146.º, n.º 2, 160.º, n.º 2 do CSC e art. 234.º, n.º 3 do CIRE [31]Consultar o CIRE no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=85&tabela=leis).