Património: definição, aceções, composição e funções

Atualizado em 2023/01/12

1) Definição:

O património (património global) é o conjunto de bens (incluindo dinheiro), direitos, obrigações e, em geral, de todas as posições jurídicas ativas e passivas de conteúdo patrimonial ou económico, isto é, em dinheiro (pecuniárias) ou suscetíveis de avaliação em dinheiro de que é titular um determinado sujeito de Direito, pessoa singular ou pessoa coletiva, nomeadamente empresa (sociedade comercialsociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas, sociedade anónima, etc) [1]Sobre esta matéria vide C. A. Mota Pinto, A. Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 5ª Edição, Almedina, Coimbra, 2020, pág. 344; A. Menezes Cordeiro e A. Barreto Menezes … Continuar a ler.


2) Várias aceções – património global, líquido e bruto:

A palavra património tem, pelo menos, três aceções ou sentidos.

2.1) Património global:

O património global ou simplesmente “património” é o conjunto de todos os bens (incluindo dinheiro), direitos e obrigações e, em geral, todas as posições jurídicas ativas e passivas suscetíveis de avaliação em dinheiro de que um sujeito de Direito, pessoa singular ou pessoa coletiva, é titular em determinado momento (PG = A+P).

2.2) Património líquido (capital próprio):

O património líquido, também designado capital próprio ou situação líquida, é o saldo patrimonial, positivo ou negativo, que resulta do valor do ativo depois de abatido o valor do passivo. Corresponde à diferença para mais ou para menos entre o valor do ativo e o valor do passivo.

Por outras palavras, ainda, é a expressão numérica da diferença entre os elementos patrimoniais positivos (ativo) e os elementos patrimoniais negativos (passivo) (PL ou CP = A – P); (A = P +/- PL). Esta última é a equação fundamental da contabilidade [2]J. Engrácia Antunes, Direita da Contabilidade – Uma Introdução, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 12 e 13..

2.3) Património bruto ou ilíquido:

O património bruto ou ilíquido é o conjunto de todos os bens (incluindo dinheiro) e direitos suscetíveis de avaliação em dinheiro sem ter em conta as obrigações (dívidas ou débitos) (PB = A).

É precisamente com este sentido, que se afirma que o património do devedor é a garantia geral das obrigações (dívidas ou débitos) ou a garantia comum dos credores (ver em baixo ponto 7).

3) Composição do património – ativo e passivo:

Os elementos do património de um sujeito de Direito, pessoa singular ou pessoa coletiva, nomeadamente empresa (sociedade comercialsociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas, sociedade anónima, etc) são agrupados em duas categorias, massas, classes ou grupos:
ativo (assets); e
passivo (liabilitys / debt) [3]J. Engrácia Antunes, Direita da Contabilidade – Uma Introdução, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 12 e 13..

Recorte do modelo oficial de balanço constante do Anexo I da Portaria n.º 220/2015, de 24 de julho [4]Consultar a Portaria n.º 220/2015, de 24 de julho no link: https://files.dre.pt/1s/2015/07/14300/0498405018.pdf, retificada pela declaração de retificação n.º 41-B/2015, de 2015-09-21, relativa aos modelos de demonstrações financeiras para as diferentes entidades que aplicam o Sistema de Normalização Contabilística (SNC).



4) Ativo:

4.1) Definição:

O ativo é o conjunto de bens (incluindo dinheiro), direitos e, em geral, de todas as posições jurídicas ativas (poderes-funcionais, expetativas jurídicas, poderes, faculdades) com conteúdo patrimonial ou económico, isto é, em dinheiro (pecuniárias) ou suscetíveis de avaliação em dinheiro de que um sujeito de Direito, pessoa singular ou pessoa coletiva, é titular em determinado momento.

Por outras palavras, o ativo é o conjunto dos elementos que representam bens e direitos para a empresa, valorizando positivamente o seu património [5]J. Engrácia Antunes, Direita da Contabilidade – Uma Introdução, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 12 e 13..

Na Contabilidade, o ativo é definido como “um recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros.” (parágrafo 49.º al. a) da Estrutura Conceptual (EC) [6]Consultar a Estrutura Conceptual no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/EstruturaConceptual.pdf do Sistema de Normalização Contabilística (SNC) [7]Consultar a versão atualizada do SNC no link: https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/legislacoes/254188558_1.doc.pdf).

O conceito contabilístico de ativo não coincide exatamente com o conceito técnico-jurídico de ativo. Ver, com mais desenvolvimento, o nosso artigo: ativo para o Direito vs ativo para a Contabilidade.

4.2) Bens (em sentido técnico-jurídico):

Bens em sentido restrito = coisas corpóreas;
Bens em sentido amplo = coisas corpóreas + direitos de crédito e direitos sobre coisas incorpóreas.

4.3) Bens e direitos ou apenas direitos?

Nas definições que apresentámos em cima de património e de ativo (patrimonial) referimos que ambos integram bens e direitos.

Contudo, em bom rigor, pelo menos em sentido técnico-jurídico, o ativo patrimonial não integra bens e direitos, mas tão-somente direitos. Ou seja, rigorosamente, o património (ativo patrimonial) não integra coisas (ou bens); integra sim direitos sobre coisas [8]C. A. Mota Pinto, A. Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, op. cit., págs. 344 e 345..

Sobre esta questão ver, com desenvolvimento, o nosso artigo: ativo para o Direito vs ativo para a Contabilidade.

5) Passivo:

O passivo (liabilitys / debt) é o conjunto dos deveres, obrigações (dívidas ou débitos) e, em geral, de todas as posições jurídicas passivas (sujeições ou estados de sujeição, ónus), com conteúdo patrimonial ou económico, isto é, em dinheiro (pecuniárias) ou suscetíveis de avaliação em dinheiro de que um sujeito de Direito, pessoa singular ou pessoa coletiva, é titular em determinado momento.

Por outras palavras, o passivo é é o conjunto dos elementos que representam obrigações para a empresa, valorizando assim negativamente o seu património [9]J. Engrácia Antunes, Direita da Contabilidade – Uma Introdução, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 12 e 13..

Na Contabilidade, passivo é definido como toda a “obrigação presente da entidade proveniente de acontecimentos passados, da liquidação da qual se espera que resulte um exfluxo de recursos da entidade incorporando benefícios económicos” (parágrafo 49.º al. b) da Estrutura Conceptual (EC) [10]Consultar a Estrutura Conceptual no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/EstruturaConceptual.pdf do Sistema de Normalização Contabilística [SNC]).

6) O património é um elemento essencial de qualquer empresa (sociedade comercial):

6.1) Elemento essencial – a sociedade tem autonomia patrimonial:

O património é um elemento essencial de qualquer empresa (sociedade comercialsociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas, sociedade anónima, etc). Sem património ou substrato patrimonial não há sequer sociedade (cfr. art. 980.º do CC).

Com efeito, a sociedade comercial tem autonomia patrimonial, isto é, tem um património próprio e autónomo face ao património dos respetivos sócios.

6.2) Os sócios têm o dever de realizar uma entrada:

De facto, um dos deveres dos sócios fundadores de uma sociedade comercial (aqueles que constituem a sociedade) é o dever de realizar entradas. Os sócios que participam em aumentos de capital social também têm esse dever.

As entradas dos sócios podem ser:
entradas em dinheiro (que são as mais frequentes na prática societária);
entradas em espécie; ou,
entradas em indústria, nos tipos societários que admitem este tipo de entrada (cfr. arts. 20.º e 87.º a 89.º do Código das Sociedades Comerciais [11]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis).

Em qualquer dos tipos de entrada, os sócios são devedores das entradas e a sociedade é credora das entradas.

6.3) Diferimento da realização das entradas em dinheiro:

As entradas dos sócios não têm necessariamente que ser realizadas de imediato, no momento da constituição da sociedade. Com efeito, admite-se, em alguns casos e em certos termos, o diferimento da realização das entradas em dinheiro.

6.4) No momento da constituição de qualquer sociedade comercial o respetivo património será composto:

i) pelo objeto da obrigação de entrada dos sócios, se essa entrada já tiver sido realizada:
          a) se a entrada for em dinheiro o objeto da entrada será o dinheiro;
          b) se a entrada for em espécie o objeto da entrada será, por exemplo, a propriedade sobre um bem imóvel);

ii) pelo direito de crédito pecuniário da sociedade sobre o sócio relativo à obrigação de realizar uma entrada em dinheiro por parte deste, no caso de ter sido convencionado o diferimento da realização das entradas em dinheiro; e/ou ainda,

iii) pelo direito (de crédito) da sociedade de exigir que o sócio realize a sua contribuição de indústria, no caso de ter sido convencionado que este realiza uma entrada em indústria (nos tipos societários que admitem este tipo de entrada).

6.5) O património existe mesmo que integre apenas direitos de crédito:

Assim, se as entradas não forem imediatamente realizadas nem por isso deixa de haver um património inicial; o património da sociedade será composto, pelo menos, por todos os créditos da sociedade sobre os sócios relativos às obrigações de realizar entradas por parte dos sócios [12]J. M. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial – Das Sociedades, Volume II, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, págs. 26 e 27..

7) Principal função do património – garantia dos credores:

A principal função do património (apenas o património bruto, ou seja, apenas o ativo: bens e direitos) é efetivamente a função de garantia. Na verdade, o património do devedor é a garantia geral das obrigações (dívidas ou débitos) ou a garantia comum dos credores [13]C. A. Mota Pinto, A. Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, op. cit., pág. 344; ver ainda Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 843 e 153 … Continuar a ler.

7.1) Princípio da responsabilidade ilimitada do devedor:

Pelas dívidas de um determinado devedor, pessoa singular ou pessoa coletiva, respondem todos os bens (incluindo dinheiro) e direitos suscetíveis de penhora existentes no seu património ao tempo da execução, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios (patrimónios autónomos ou separados, como:
– a comunhão hereditária [herança],
– a comunhão conjugal [bens comuns do casal] e/ou
– o estabelecimento individual de responsabilidade limitada [EIRL]) (art. 601.º do Civil [14]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis).

Se o devedor não cumprir voluntariamente a sua dívida (cumprimento voluntário), o credor pode intentar uma ação judicial declarativa ou executiva para exigir o seu cumprimento coercivo, podendo, para tal, executar todos os bens (incluindo dinheiro) do património do devedor suscetíveis de penhora e obter a satisfação do seu direito de crédito com o produto da venda dos bens (cfr. art. 817.º do CC).

8) O património é variável:

Tratando-se de um fundo, massa ou acervo composto por concretos bens (incluindo dinheiro), direitos e obrigações suscetíveis de avaliação em dinheiro, o património é uma realidade dinâmica, viva e continuamente variável, na sua composição e montante [15]Assinala precisamente este aspeto, P. Tarso Domingues, Variações sobre o capital social, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 34 a 40, especialmente pág. 35..

O património de um sujeito sujeito de Direito, pessoa singular ou pessoa coletiva, encontra-se, por isso, em constante mutação, podendo, por isso, aumentar e diminuir com o decurso do tempo.

Esta característica permite nomeadamente fazer a distinção entre o património de uma sociedade comercial e o respetivo capital social. Ver também o nosso artigo: capital social vs capital próprio (património líquido).