Passivo na Contabilidade

Atualizado em 2022/06/24

1) Definição de passivo:

Em geral:

Passivo (liabilities / debt) é o conjunto dos elementos que representam obrigações para um determinado sujeito de Direito, pessoa singular ou pessoa coletiva, nomeadamente empresa (sociedade comercial, nomeadamente sociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas ou sociedade anónima), valorizando assim negativamente o seu património [1]J. Engrácia Antunes, Direito da Contabilidade, Almedina, Coimbra, 2019, pág. 12..

Definição na Contabilidade:

Na Contabilidade (no Direito Contabilístico ou Direito da Contabilidade), passivo é definido como toda a “obrigação presente da entidade proveniente de acontecimentos passados, da liquidação da qual se espera que resulte um exfluxo de recursos da entidade incorporando benefícios económicos” (al. b) do parágrafo da Estrutura Conceptual (EC) [2]Consultar a Estrutura Conceptual no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/EstruturaConceptual.pdf do Sistema de Normalização Contabilística [SNC] [3]Consultar a versão atualizada do SNC no link: https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/legislacoes/254188558_1.doc.pdf).

Definição de passivo em sentido técnico-jurídico:

Em sentido técnico-jurídico, passivo é o conjunto de obrigações, dívidas e, em geral, de todas as posições jurídicas passivas (sujeições ou estados de sujeição, ónus) com conteúdo patrimonial ou económico, isto é, em dinheiro (pecuniárias) ou suscetíveis de avaliação em dinheiro, de que um sujeito de Direito, pessoa singular ou pessoa coletiva, nomeadamente empresa (sociedade comercial, nomeadamente sociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas ou sociedade anónima, etc) é titular em determinado momento.

O conceito de passivo na contabilidade não coincide com o conceito de passivo em sentido técnico-jurídico.


Recorte do modelo oficial de balanço constante do Anexo I da Portaria n.º 220/2015, de 24 de julho [4]Consultar a Portaria n.º 220/2015, de 24 de julho no link: https://files.dre.pt/1s/2015/07/14300/0498405018.pdf, retificada pela declaração de retificação n.º 41-B/2015, de 2015-09-21, relativa aos modelos de demonstrações financeiras para as diferentes entidades que aplicam o Sistema de Normalização Contabilística (SNC).


2) Ativo, passivo e capital próprio:

Os elementos do património de um sujeito de Direito, pessoa singular ou pessoa coletiva, nomeadamente empresa (sociedade comercial) são agrupados em duas categorias, massas, classes ou grupos:
ativo; e
– passivo [5]J. Engrácia Antunes, Direito da Contabilidade, Almedina, Coimbra, 2019, pág. 12..

Capital próprio (situação líquida ou património líquido): é o saldo patrimonial, positivo ou negativo, que resulta do valor do ativo depois de abatido o valor do passivo. Corresponde à diferença, para mais ou para menos, entre o valor do ativo e o valor do passivo.

Estas três rubricas (ativo, passivo e capital próprio) devem constar do balanço da empresa, cujo modelo (exposto na imagem ao lado), está previsto no Anexo I da Portaria n.º 220/2015, de 24 de julho [6]Consultar a Portaria n.º 220/2015, de 24 de julho no link: https://files.dre.pt/1s/2015/07/14300/0498405018.pdf, retificada pela declaração de retificação n.º 41-B/2015, de 2015-09-21, relativa aos modelos de demonstrações financeiras para as diferentes entidades que aplicam o Sistema de Normalização Contabilística (SNC).

3) Passivo não corrente e passivo corrente:

Dentro do passivo, distingue-se entre:
– passivo não corrente e
– passivo corrente.

Um passivo deve ser classificado como corrente quando satisfizer qualquer um dos seguintes critérios:

a) espera-se que seja liquidado durante o ciclo operacional normal da entidade (o ciclo operacional normal é o ano económico, que, via de regra, corresponde ao ano civil – 1 de Janeiro a 31 de Dezembro);
b) esteja detido essencialmente para a finalidade de ser negociado;
c) deva ser liquidado num período até doze meses após a data do balanço; ou
d) a entidade não tenha um direito incondicional de diferir a liquidação do passivo durante pelo menos doze meses após a data do balanço (Norma Contabilística e de Relato Financeiro 1 [NCRF 1], parágrafos 17 a 24 [7]Consultar a NCRF 1 no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_1.pdf).

Todos os outros passivos devem ser qualificados como passivos não correntes.

3.1) Rubricas separadas no balanço:

A distinção entre passivo não corrente e passivo corrente está bem patente no modelo de balanço (exposto ao lado), constante do Anexo I da Portaria n.º 220/2015, de 24 de julho já referida [8]Consultar a Portaria n.º 220/2015, de 24 de julho no link: https://files.dre.pt/1s/2015/07/14300/0498405018.pdf.

4) Passivo não corrente – sub-rubricas:

4.1) Provisões:

Provisões são gastos cautelares emergentes de obrigações presentes, mas resultantes de acontecimentos passados, destinados a acautelar ou prevenir despesas (exfluxos de recursos, isto é, pagamentos ou saídas de caixa e seus equivalentes) que a empresa, com maior ou menor probabilidade, possa vir ou venha efetivamente a ter no futuro, de tempestividade (data da constituição da dívida) e/ou quantia incerta, desde que possa ser feita uma estimativa fiável das respetivas quantias.

Definição da NCRF 21, parágrafo 8 [9]Consultar a NCRF 21 no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/normas/NCRF%2021.pdf“Provisão: é um passivo de tempestividade ou quantia incerta.”

4.2) Financiamentos obtidos:

Correspondem a dívidas (débitos ou obrigações) da empresa para com bancos, entidades de crédito em geral ou obrigacionistas emergentes, respetivamente, de contratos de mútuo ou empréstimo, leasing, factoring, etc…) ou de emissão de obrigações (valores mobiliários), em qualquer caso, com uma maturidade superior a 12 meses.

Maturidade de um empréstimo: é a duração do empréstimo. Corresponde ao hiato temporal que decorre entre a celebração do contrato mensalidade e o reembolso total do capital acrescido dos juros.

4.3) Responsabilidades por benefícios pós-emprego:

São benefícios dos trabalhadores ou empregados (que não sejam benefícios de cessação de emprego e benefícios de compensação em capital próprio) que sejam pagáveis após a conclusão do emprego, como, por exemplo:
a) benefícios de reforma, tais como pensões de reforma; e,
b) outros benefícios pós emprego, tais como seguros de vida pós-emprego e cuidados médicos pós emprego (NCRF 28, parágrafos 4 al. b), 8 e 24 [10]Consultar a NCRF 28 no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_28.pdf).

4.4) Passivos por impostos diferidos:

São as quantias de impostos sobre o rendimento pagáveis em períodos futuros com respeito a diferenças temporárias tributáveis (NCRF 25, parágrafo 5 [11]Consultar a NCRF 25 no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_25.pdf).

Por outras palavras, passivos por impostos diferidos são dívidas emergentes da Lei Fiscal relativas a impostos devidos pela empresa, cujo facto tributário se verificou no exercício económico presente, mas cujo prazo de vencimento (data a partir da qual a dívida se torna exigível) só vai ocorrer no exercício económico seguinte ou seguintes. É o caso paradigmático do IRC.

4.5) Outras dívidas a pagar:

Correspondem a dívidas de outra natureza de médio/longo prazo, isto é, com um prazo de vencimento superior a 12 meses.

5) Passivo corrente – sub-rubricas:

5.1) Fornecedores: dívidas para com fornecedores relativas a bens ou serviços já fornecidos ou prestados por estes, mas que ainda não foram pagos pela empresa.

5.2) Adiamentos de clientes – dívidas para com clientes relativas a bens ou serviços que já foram pagos pelos clientes, mas que ainda foram fornecidos ou prestados pela empresa.

5.3) Estado e outras entidades públicas – dívidas para com o Estado e para com outras entidades públicas.

5.4) Financiamentos obtidos:

Correspondem a dívidas ou débitos da empresa para com bancos, entidades de crédito em geral, locadoras e obrigacionistas, emergentes, respetivamente, de contratos de empréstimo (mútuo), leasing, factoring ou da emissão de obrigações (valores mobiliários) com uma maturidade inferior a 12 meses.

Maturidade de um empréstimo – é a duração do empréstimo. Corresponde ao hiato temporal que decorre entre a celebração do contrato mensalidade e o reembolso total do capital acrescido dos juros.

5.5) Outras dívidas a pagar – como, por exemplo, adiantamentos que os fornecedores tenham dado à empresa relativos a ativos tangíveis; gastos suplementares.

5.6) Diferimentos – obrigações ou dívidas que a empresa contraiu no exercício económico presente, mas que só vai pagar no exercício económico seguinte ou seguintes.

5.7) Passivos financeiros detidos para negociação:

Ora, um passivo financeiro é classificado como detido para negociação se:
a) for incorrido principalmente para a finalidade de o recomprar num prazo muito próximo;
b) fizer parte, aquando do reconhecimento inicial, de uma carteira de instrumentos financeiros identificados, que são geridos em conjunto e para os quais exista evidência de terem recentemente proporcionado lucros reais; ou
c) for um derivado (exceto se for um instrumento de cobertura designado e eficaz) (NCRF 27, parágrafo 14 [12]Consultar a NCRF 27 no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_27.pdf).

5.8) Outros passivos financeiros – outras dívidas de curto prazo, isto é, com uma maturidade inferior a 12 meses.

5.9) Passivos não correntes detidos para venda:

Por exemplo, uma dívida de médio/longo prazo que esteja associada a uma determinada unidade económica da empresa que irá ser alienada no decurso do presente exercício económico, transmitindo-se a dívida juntamente com a unidade económica alienada.

Unidade económica – é o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória (cfr. art. 285.º, n.º 5 do Código do Trabalho [13]Consultar o Código do Trabalho no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1047&tabela=leis).

6) Fontes do passivo contabilístico – Lei, contratos, pacto social e outras:

Para que estejamos perante um passivo é necessário que haja uma obrigação presente, isto é, já constituída. Ora a obrigação em sentido contabilístico (que é mais ampla do que a obrigação em sentido técnico-jurídico enquanto sinónimo de dever jurídico) pode ser:

a) de natureza jurídica:

se for emergente:
          – da Lei, por exemplo, emergente de responsabilidade civil extracontratual por danos causados com a prática de factos ilícitos e culposos;
          – de contratos celebrados com terceiros, incluindo responsabilidade civil contratual por incumprimento definitivo, cumprimento defeituoso ou mora (atraso na realização da prestação, mas sendo esta ainda possível);
          – do pacto social, estatutos, contrato de sociedade ou ato constitutivo da empresa; ou pode ser

b) de natureza não jurídica (caso em que se designa obrigação construtiva):

se for resultante das práticas normais dos negócios, de usos ou costumes, de um desejo de manter boas relações negociais ou de um desejo de agir de maneira equilibrada.

Por exemplo, se uma entidade decidir como questão de política retificar deficiências nos seus produtos mesmo quando estas se tornem evidentes após o expiração do prazo ou período de garantia, são passivos as quantias que se espera que sejam gastas em relação a bens já vendidos (Estrutura Conceptual [EC], parágrafo 59 [14]Consultar a Estrutura Conceptual no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/EstruturaConceptual.pdf).

Neste último ponto, o conceito de passivo em sentido técnico-jurídico difere do conceito de passivo em sentido contabilístico. Com efeito, as obrigações construtivas não são verdadeiros deveres jurídicos (do respetivo incumprimento ou inobservância não resultam sanções jurídicas, nomeadamente, responsabilidade civil, criminal ou outras); logo não integram o passivo em sentido técnico-jurídico. Porém, integram o passivo contabilístico e, por isso, devem ser registadas como tal no balanço da empresa.

7) Obrigação presente vs compromisso futuro:

Uma característica essencial para que haja um passivo contabilístico é que a obrigação correspondente seja uma obrigação presente. Ora, a obrigação presente não se confunde com um compromisso futuro.

Por exemplo, uma decisão, ainda que formal, do órgão de gestão de uma entidade (por exemplo, tomada em deliberação do conselho de administração de uma sociedade anónima) no sentido de adquirir ativos no futuro não dá origem, por si só, a uma obrigação presente.

Normalmente uma obrigação surge apenas:
a) quando o ativo é entregue ou
b) a entidade entra num acordo irrevogável para adquirir o ativo (normalmente, isso ocorre no momento da celebração do contrato). A natureza irrevogável do acordo significa que as consequências económicas da falha de honrar o compromisso, por exemplo, por causa da existência de uma penalidade substancial (responsabilidade civil contratual), deixa a entidade com pouca ou nenhuma margem para evitar o exfluxo de recursos para uma outra parte (Estrutura Conceptual [EC], parágrafo 60 [15]Consultar a Estrutura Conceptual no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/EstruturaConceptual.pdf).

8) Extinção das obrigações (passivo):

Pagamento e equivalentes:

A liquidação (extinção) de uma obrigação presente pode ocorrer de várias formas, por exemplo, por:
a) pagamento a dinheiro (cumprimento);
b) transferência de outros ativos ou prestação de outros serviços diferentes dos que foram inicialmente acordados (dação em cumprimento ou dação em pagamento);
c) substituição dessa obrigação por outra (novação); ou
d) conversão da obrigação em capital próprio (debt-equity swap ou debt for equity swap).

Transação civil, remissão, prescrição e/ou caducidade:

Uma obrigação também pode ser extinta por outros meios, nomeadamente nos casos em que o credor:
– abdica total ou parcialmente dos seus direitos, por exemplo, através de transação civil (contrato destinado a pôr termo a uma pretensão litigiosa, atual ou potencial) ou, mais excecionalmente, através de remissão (perdão); ou,
– perde os seus direitos, por exemplo, através da prescrição ou caducidade (Estrutura Conceptual [EC], parágrafo 61 [16]Consultar a Estrutura Conceptual no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/EstruturaConceptual.pdf).

9) Passivo = capital alheio ou capitais alheios (liabilities / debt):

Numa certa perspetiva, “passivo” é sinónimo de “capital alheio” ou “capitais alheios” (liabilities / debt); isto é, todas estas palavras/expressões designam a mesma realidade, ainda que as respetivos termos destaquem aspetos diferentes desse conceito. Ver o nosso artigo: capital alheio.

O capital alheio ou capitais alheios (debt) contrapõe-se ao capital próprio ou capitais próprios (equity).

Tanto o capital alheio como o capital próprio são meios de financiamento da empresa, suscetíveis de ser usados por esta para adquirir ativos (máquinas, equipamentos, edifícios, licenças, etc…). Ver também: capital próprio vs capital alheio.