
1) Definição:
O mandato forense (em sentido amplo) é o contrato pelo qual uma das partes (mandatário, que será, em princípio, um Advogado), se obriga, mediante contrapartida de pagamento de honorários e estando munido de poderes de representação conferidos por uma procuração (expressa ou tácita), a praticar um ou mais atos jurídicos por conta e em nome da outra (mandante – cliente), que consistam:
a) no mandato judicial para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz;
b) no exercício do mandato com representação, com poderes para negociar a constituição, alteração ou extinção de relações jurídicas (emergentes de contratos, de responsabilidade civil extracontratual – por exemplo, o mandato para:
i) negociar a celebração ou modificação de contratos;
ii) o mandato para a realização de operações de reorganização ou reestruturação societária [fusão, cisão, dissolução, transformação, liquidação] ou de aumentos de capital social numa sociedade por quotas, numa sociedade unipessoal por quotas ou numa sociedade anónima [S.A.], etc); ou ainda,
c) no exercício de qualquer mandato com representação em procedimentos administrativos, incluindo tributários, perante quaisquer pessoas coletivas públicas ou respetivos órgãos ou serviços, ainda que se suscitem ou discutam apenas questões de facto.
- 1) Definição:
- 2) Mandato forense – i) é um contrato; ii) de mandato; iii) com outorga de poderes de representação; e iv) forense:
- 3) Contrato de mandato forense em sentido restrito vs em sentido amplo:
- 4) Mandato forense em sentido amplo compreende i) atos judiciais e extrajudiciais e ii) atos de natureza contenciosa e não-contenciosa:
- 5) Regulação:
- 6) Forma do mandato forense – obrigatoriedade de observância de forma especial (especialmente escrita)?
- 7) Prestação de serviços isolados vs prestação de serviços de execução continuada:
Nota: ver bibliografia sobre esta matéria na presente nota de rodapé [1].
2) Mandato forense – i) é um contrato; ii) de mandato; iii) com outorga de poderes de representação; e iv) forense:
O mandato forense é:
i) um contrato;
ii) um contrato de mandato: é um contrato pelo qual uma das partes (o mandatário) se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra (mandante) (art. 1157.º do Código Civil [CC] [2]). O contrato de mandato integra a categoria dos contratos de prestação de serviços (art. 1155.º do CC).
iii) um contrato de mandato com outorga de poderes de representação: é um contrato de mandato que surge sempre associado a uma procuração (expressa ou tácita) outorgada pelo mandante (cliente) ao mandatário (Advogado) pela qual aquele atribui a este, voluntariamente, poderes representativos com a intenção de que o mandatário pratique um ou mais atos jurídicos em nome do mandante.
Neste caso, o mandatário (Advogado) tem o dever de agir não só por conta, mas em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido estipulada (art. 1178.º, n.º 2 do CC).
iv) “forense” – a palavra forense deriva de “foro”, que, por sua vez, se for empregue em contexto jurídico, significa Tribunal.
3) Contrato de mandato forense em sentido restrito vs em sentido amplo:
3.1) Contrato de mandato forense em sentido restrito:
É o mandato judicial conferido para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz (art. 67.º, n.º 1 al. a) do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) [3] e art. 2.º da Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto (Lei dos Atos Próprios dos Advogados e dos Solicitadores [LAPAS] [4]).
3.2) Contrato de mandato forense em sentido amplo:
Definição e âmbito:
O contrato de mandato forense em sentido amplo abrange não só:
a) o mandato judicial para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz; como também
b) o exercício do mandato com representação, com poderes para negociar a constituição, alteração ou extinção de relações jurídicas (emergentes de contratos, de responsabilidade civil extracontratual; por exemplo, o mandato para negociar a celebração ou modificação de um contrato, o mandato para realizar uma operação de reestruturação societária ou de aumento de capital social numa sociedade por quotas ou sociedade anónima, etc); e ainda
c) o exercício de qualquer mandato com representação em procedimentos administrativos, incluindo tributários, perante quaisquer pessoas coletivas públicas ou respetivos órgãos ou serviços, ainda que se suscitem ou discutam apenas questões de facto.
Base legal:
É a definição que consta do art. 67.º n.º 1 als. a), b) e c) do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA [5]), aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro, com as alterações subsequentes. É uma definição claramente mais ampla do que a que consta do art. 2.º da Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto (LAPAS) [6] em cima citada.
L. Menezes Leitão assinala que, em bom rigor, apenas o mandato previsto na alínea a) do art. 67.º, n.º 1 do EOA constitui um mandato “forense” [7].
4) Mandato forense em sentido amplo compreende i) atos judiciais e extrajudiciais e ii) atos de natureza contenciosa e não-contenciosa:
4.1) Atos judiciais vs atos extrajudiciais:
Assim, o contrato de mandato forense em sentido amplo pode ser destinado:
a) não só à prática de atos judiciais, como por exemplo, intentar uma ação judicial, contestar uma ação, promover um procedimento cautelar, etc (tratar-se-á, nesse caso, de um mandato judicial ou mandato forense em sentido restrito), como também,
b) à prática de atos extrajudiciais, como, por exemplo, para celebrar um contrato, para promover todas as diligências necessárias à realização de uma operação de reorganização ou reestruturação societária (fusão, cisão, dissolução, liquidação, transformação), para a realização de uma operação de aumento de capital social; para interpelar extrajudicialmente um devedor para a cobrança de uma dívida, etc.
4.2) Atos de natureza contenciosa vs atos de natureza não-contenciosa:
Por outro lado, o contrato de mandato forense em sentido amplo pode ser destinado:
a) não só à prática de atos de natureza contenciosa (litígio contra um sujeito), que, por sua vez, podem ser:
– judiciais, por exemplo, intentar uma ação judicial; ou
– extrajudiciais, por exemplo, negociar a composição extrajudicial de um litígio através de um contrato de transação civil (pelo qual as partes previnem um litígio meramente potencial mediante concessões recíprocas, cfr. arts 1248.º a 1250.º do CC);
b) como também à prática de atos de natureza não-contenciosa que, por sua vez, também podem ser:
– judiciais, por exemplo, uma ação destinada ao decretamento de um acompanhante e de outras medidas de acompanhamento de maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres (arts. 891.º a 904.º do Código de Processo Civil [CPC] [8] e arts. 138.º a 156.º do CC [9]); ou
– extrajudiciais, por exemplo, o mandato para a constituição de uma sociedade comercial (sociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas, sociedade anónima [S.A.]); para fazer alterações ao pacto social, estatutos ou contrato de sociedade comercial; para celebrar contratos (por exemplo, acordos parassociais); etc.
5) Regulação:
5.1) Está especialmente regulado no:
– no Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) [10], aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro, com as alterações subsequentes, concretamente no respetivo art. 67.º;
– na Lei dos atos próprios dos advogados e dos solicitadores (LAPAS) [11] e que tipifica o crime de procuradoria ilícita, aprovada pela Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto, sem alterações, concretamente nos respetivos arts. 1.º e 2.º;
– no Código de Processo Civil (CPC) [12], concretamente nos respetivos arts. 43.º a 51.º, sendo ainda necessário confrontar os respetivos arts. 40.º a 42.º, cujo regime é subsidiariamente aplicável a outros diplomas, nomeadamente ao Código de Processo Penal [13] e ao Código de Processo de Trabalho [14];
– no Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de novembro [15] – suprime a necessidade de intervenção notarial nas procurações passadas a advogados para a prática de atos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário e regula o conteúdo das mesmas procurações quando atribuam poderes especiais;
– no Decreto-Lei n.º 342/91, de 14 de setembro [16] – aprova a abolição do reconhecimento notarial da assinatura de advogado no ato de substabelecimento; e
– no Decreto-Lei n.º 168/95, de 15 de julho, artigo único [17] – é aplicável aos solicitadores o disposto no artigo único do Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de novembro.
5.2) Aplicando-se-lhe também, em geral, no que não colidir com as normas jurídicas dos diplomas em cima indicados:
– os arts. 1157.º a 1177.º do Código Civil [18], relativos ao contrato de mandato em geral;
– os arts. 1178.º e 1179.º do Código Civil, relativos especificamente ao contrato de mandato com outorga de poderes de representação; e
– os arts. 258.º a 269.º do Código Civil, relativos ao regime da representação.
6) Forma do mandato forense – obrigatoriedade de observância de forma especial (especialmente escrita)?
6.1) Mandato forense em sentido restrito – mandato judicial (para intervir em Tribunal):
Art. 43.º do CPC:
O mandato judicial pode ser conferido por:
– instrumento público (escritura pública);
– documento particular, nos termos do Código do Notariado e da legislação especial; ou por
– declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo (art. 43.º als. a) e b) do Código de Processo Civil [19] aplicável subsidiariamente também ao processo penal, ao processo de trabalho e ao processo tributário).
Documento particular – “procuração forense”:
Contudo, na prática, o mandato judicial é conferido, na maioria das vezes, por um documento particular, isto é, por um documento escrito e assinado pelo outorgante, em formato de papel ou em formato digital ou eletrónico (por exemplo, em PDF ou JPEG), designado “procuração forense”.
Procuração vs mandato em geral:
Em teoria, a procuração e o mandato são conceitos e negócios jurídicos distintos. Na prática, porém, subjacente à procuração está normalmente um mandato. Em regra, dá-se forma escrita (formaliza-se) apenas à procuração [20].
Ver o nosso artigo: procuração vs mandato – separação ou unidade?
A procuração forense é o título do mandato forense:
Ou seja, a procuração forense opera verdadeiramente como o título [21] do contrato de mandato forense.
Procuração com poderes especiais:
As procurações com poderes especiais devem especificar o tipo de atos, qualquer que seja a sua natureza, para os quais são conferidos esses poderes (cfr. n.º 2 do art. único do Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de novembro).
Desnecessidade de formalidades:
Em qualquer caso, a procuração forense para mandato judicial que conste de documento particular não carece de formalidades. Assim, nomeadamente, não carece:
– nem de reconhecimento presencial de assinaturas;
– nem de termo de autenticação.
Isso resulta do disposto no n.º 1 do art. único do Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de novembro: “As procurações passadas a advogado para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, ainda que com poderes especiais, não carecem de intervenção notarial, devendo o mandatário certificar-se da existência, por parte do ou dos mandantes, dos necessários poderes para o acto”.
Artigo 44.º, n.º 4 do CPC:
No entanto, para o mandato judicial, a outorga da procuração, por si só, não é suficiente.
Com efeito, a eficácia do mandato judicial depende da aceitação do mandatário, a qual pode ser manifestada:
– no próprio instrumento público,
– em documento particular, ou
– resultar de comportamento concludente do mandatário (art. 44.º, n.º 4 do CPC [22] aplicável subsidiariamente também ao processo penal, ao processo de trabalho e ao processo tributário).
Comportamento concludente do mandatário (Advogado):
Ora, há uma aceitação do mandato manifestada no processo, resultante de um comportamento concludente do mandatário (Advogado), se, por exemplo, este intenta uma ação judicial em Tribunal, elaborando uma petição inicial e, em anexo, junta uma procuração forense pela qual o respetivo mandante (cliente) lhe confere poderes forenses gerais e, eventualmente, poderes forenses especiais.
6.2) Mandato forense em sentido amplo que não seja mandato judicial (por ex: para negociar a celebração de um contrato):
6.2.1) Regra geral:
Por sua vez, o mandato forense em sentido amplo que não seja mandato judicial (destinado, por exemplo, à prestação de assessoria jurídica para a celebração ou modificação de contratos) não está, em princípio, sujeito à observância de forma especial:
– nem a forma escrita,
– nem a formalidades (como o reconhecimento presencial de assinaturas ou o termo de autenticação).
6.2.2) Exceções:
a) Artigo único, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de novembro:
Porém, o mandato forense para a prática de atos específicos deve estar associado a uma procuração necessariamente passada por escrito que especifique o tipo de atos, qualquer que seja a sua natureza, para os quais são conferidos esses poderes.
(cfr. o já transcrito artigo único, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de novembro, que, contudo, parece ser aplicável apenas à procuração para o exercício do patrocínio judiciário).
b) Art. 262.º, n.º 2 do CC e art. 116.º, n.º 1 do Código do Notariado:
Por outro lado, se o mandato forense compreender não só a negociação como também a própria celebração de contratos para aos quais a Lei exija a observância de forma especial, a procuração ou procuração forense terá que revestir a forma exigida para esse contrato (cfr. art. 262.º, n.º 2 do CC).
Por exemplo, se o mandato forense compreender não só a negociação dos termos de um contrato de compra e venda de um bem imóvel como também a própria celebração desse contrato (cfr. art. 875.º do CC: “Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado.”), aplicar-se-á o art. 116.º, n.º 1 do Código do notariado:
Artigo 116.º do Código do Notariado
Procurações e substabelecimentos
1 – As procurações que exijam intervenção notarial (escritura pública, termo de autenticação [documento particular autenticado] ou reconhecimento presencial de assinaturas, especialmente por força do 262.º, n.º 2 do CC supra referido) podem ser lavradas por:
a) instrumento público,
b) por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou
c) por documento autenticado.
6.3) O mais frequente na praxis da Advocacia é a procuração por escrito:
Em qualquer caso, o mais frequente na praxis da Advocacia, tanto na chamada “Advocacia de barra” como na chamada “Advocacia de negócios”, é o cliente passar uma procuração por escrito ao Advogado, com a designação “procuração forense” ou, simplesmente, “procuração”.
6.4) A procuração forense é o título do mandato forense:
Ou seja, também nestes casos, a procuração forense, enquanto documento escrito e assinado pelo cliente pelo qual este confere poderes de representação ao Advogado, opera verdadeiramente como o título [23] do contrato de mandato forense.
7) Prestação de serviços isolados vs prestação de serviços de execução continuada:
O mandato forense pode ser:
a) um contrato de prestação de serviços jurídicos que se esgotam num só ato isolado (por exemplo, para intentar uma certa ação judicial, para celebrar um determinado contrato); ou
b) um contrato de prestação de serviços jurídicos de execução continuada ou duradoura; isto é:
i) cuja execução se prolonga no tempo e que, por isso, irá, em princípio, abranger mais do que um ato isolado;
ii) tendo, frequentemente, como contrapartida, uma prestação em dinheiro certa, com uma periodicidade mensal (regime de avença ou “contrato de avença”).