Justo valor

Atualizado em 2023/01/11

1) Definição:

Justo valor – “é a quantia pela qual um ativo pode ser trocado (venda, permuta, etc..) ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras e dispostas a isso, numa transação em que não exista relacionamento entre elas”.

Esta é a definição que consta da al. e) do parágrafo 98, da Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística (SNC) constante do Aviso n.º 8254/2015 da Secretaria Geral do Ministério das Finanças [1]Consultar a Estrutura Conceptual no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/EstruturaConceptual.pdf. Esta definição consta também de várias Normas Contabilísticas de Relato Financeiro (NCRF).

A expressão “justo valor” deriva da expressão equivalente na Língua inglesa fair value.


2) O justo valor é um método de mensuração de ativos e passivos:

O justo valor é um de entre vários métodos de mensuração do valor dos ativos e passivos.

Mensuração é o processo de determinar as quantias monetárias pelas quais os elementos das demonstrações financeiras devam ser reconhecidos e inscritos no balanço e na demonstração dos resultados (Estrutura Conceptual, parágrafo 97 [2]Consultar a Estrutura Conceptual no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/EstruturaConceptual.pdf).

São métodos ou bases de mensuração:

a) o custo histórico;
b) o custo corrente;
c) o valor realizável (de liquidação);
d) o valor presente; e,
e) o justo valor.

Razão de ser da mensuração através do justo valor:

Com a aplicação do método do justo valor evitam-se preços estimados inflacionados ou deflacionados por condições ou circunstâncias especiais, nomeadamente: financiamento atípico, acordos de venda e relocação, considerações especiais ou concessões dadas por alguém associado à venda (NCRF 11, parágrafo 37 [3]Consultar a NCRF 11 no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_11.pdf).

3) Justo valor vs custo histórico:

O justo valor não se confunde com o custo histórico. O custo histórico é fixo ou imutável: se um determinado ativo foi adquirido no passado a um preço de 100,00€, o seu custo histórico é de 100,00€.

Por sua vez, o justo valor é variável ao longo do tempo; pode, por isso, oscilar muito, tanto para mais (o ativo valoriza) como para menos (o ativo desvaloriza) consoante as condições de mercado que existam à data da apresentação do balanço.

Custo histórico ou simplesmente “custo” é a quantia de caixa ou seus equivalentes paga ou o justo valor de outra retribuição dada para adquirir um determinado ativo no momento da sua aquisição ou construção ou, quando aplicável, a quantia atribuída a esse ativo aquando do reconhecimento inicial de acordo com os requisitos específicos de outras NCRF (cfr. NCRF 11, parágrafo 5 [4]Consultar a NCRF 11 no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_11.pdf e Estrutura Conceptual, parágrafo 98 [5]Consultar a Estrutura Conceptual no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/EstruturaConceptual.pdf).

4) Justo valor vs quantia escriturada:

Definição de quantia escriturada:

Quantia escriturada é a quantia pela qual um ativo é reconhecido no Balanço, após a dedução de qualquer depreciação/amortização acumulada e de perdas por imparidade acumuladas inerentes (NCRF 7, parágrafo 6 [6]Consultar a NCRF 7 no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_7.pdf).

Justo valor vs quantia escriturada:

Ora, o justo valor de um determinado ativo também não se confunde com a sua quantia escriturada. Na verdade, pode haver dissonâncias muito grandes entre a quantia escriturada de um ativo e o seu justo valor.

Os ativos fixos tangíveis (bens duradouros e com natureza corpórea, física ou palpável, como, por exemplo, imóveis, veículos automóveis, etc..) estão sujeitos a depreciação com o decurso do tempo.

Exemplo:

Por exemplo, os veículos automóveis de passageiros estão sujeitos, nos termos do Código do IRC (CIRC [7]Consultar o CIRC no link: https://dre.pt/dre/legislacao-consolidada/lei/2014-64205634) a uma taxa de depreciação de 25% por cada ano de vida útil. Logo, ao fim de quatro anos, a quantia escriturada de um veículo automóvel ligeiro, mesmo que seja de alta cilindrada, deverá ser de 0,00€.

Porém, o seu justo valor deverá ser, em princípio, muito superior. Com efeito, um veículo ligeiro de alta cilindrada novo com, por exemplo, um preço de venda ao público de 100 000,00€ poderá ao fim de quatro anos ter um justo valor de 50 000,00€.

5) Aplicação do justo valor:

5.1) Não dedução dos custos de transação:

Uma entidade determina o justo valor sem qualquer dedução para custos de transação em que possa incorrer por venda ou outra alienação (NCRF 11, parágrafo 38 [8]Consultar a NCRF 11 no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_11.pdf).

5.2) O justo valor deve refletir as condições de mercado à data do balanço:

O justo valor é um valor específico num determinado momento, por exemplo, numa determinada data. Ora, dado que as condições de mercado podem mudar, a quantia relatada como justo valor pode ser incorreta ou não ser apropriada se for estimada relativamente a qualquer outro momento (NCRF 11, parágrafo 40).

O justo valor não é, portanto, um valor fixo ou imutável. Pelo contrário, é um valor variável ao longo do tempo; pode, por isso, oscilar muito, tanto para mais (o ativo valoriza) como para menos (o ativo desvaloriza), consoante a data em que se procede à respetiva avaliação.

É o caso paradigmático dos bens imóveis (ativos fixos tangíveis e propriedades de investimento) e dos instrumentos financeiros (por exemplo: ações cotadas em bolsa, derivados cotados, etc…), que, com o decurso do tempo, tanto podem valorizar como podem desvalorizar.

5.3) Ganhos por aumento de justo valor; perdas por redução de justo valor:

Deste modo, se um ativo ou conjunto de ativos for mensurado pelo seu justo valor:
– a empresa regista ganhos por aumento de justo valor, se os ativos tiverem valorizado; ou
– a empresa regista perdas por redução de justo valor, se os ativos tiverem desvalorizado.

5.4) Partes:

5.4.1) Partes “conhecedoras”:

A definição de justo valor refere-se a partes conhecedoras e dispostas a comprar ou a vender. Neste contexto, “partes conhecedoras” significa que tanto o comprador disposto a comprar como o vendedor disposto a vender estão razoavelmente informados acerca:
– da natureza e características do ativo,
– dos seus usos reais e potenciais, e
– das condições do mercado à data do balanço (NCRF 11, parágrafo 43, 1ª parte [9]Consultar a NCRF 11 no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_11.pdf).

5.4.2) Comprador disposto a comprar:

Um comprador disposto a comprar está motivado a comprar, mas não está nem compelido nem forçado a comprar.

Assim, um comprador disposto a comprar não está nem ansioso, nem determinado a comprar um ativo por qualquer preço. O comprador efetivo não pagaria um preço mais elevado do que o exigido por um mercado composto por compradores e vendedores conhecedores e dispostos a isso (NCRF 11, parágrafo 43, 2ª parte [10]Consultar a NCRF 11 no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_11.pdf).

5.4.3) Vendedor disposto a vender:

Por seu turno, um vendedor disposto a vender não é nem um vendedor ansioso ou desesperado, nem um vendedor forçado, preparado para vender a qualquer preço (NCRF 11, parágrafo 44).

Ora, essas situações podem ocorrer com maior probabilidade quando a empresa se encontra em situação económica muito difícil ou mesmo em situação de insolvência iminente com dissipação, venda apressada ou ruinosa de bens. Podem também ocorrer com maior probabilidade no decurso da liquidação da empresa, após a declaração da respetiva insolvência (neste caso, no âmbito de um processo de insolvência, por parte de um administrador judicial – administrador de insolvência) ou da sua dissolução por qualquer outra causa de dissolução.

O vendedor não pode estar desesperado para vender, mas tem que estar motivado para vender. Assim, o vendedor disposto a vender não pode estar preparado para criar demasiadas resistências a preços considerados razoáveis de acordo com as condições correntes do mercado. O vendedor disposto a vender está motivado a vender o seu ativo (por exemplo, uma propriedade de investimento), nos termos do mercado pelo melhor preço possível.

5.4.4) Inexistência de relações especiais entre as partes:

A definição de justo valor refere-se a uma transação entre partes sem relacionamento entre si. Uma transação entre partes sem relacionamento entre si é uma transação entre partes que não tenham um relacionamento particular ou especial entre elas que torne os preços das transações não característicos das condições de mercado.

A transação é tida como uma transação entre entidades não relacionadas se cada uma cada uma delas atuar com independência (NCRF 11, parágrafo 45 [11]Consultar a NCRF 11 no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_11.pdf).

6) Como apurar o justo valor de um ativo:

A melhor evidência de justo valor é dada por preços correntes num mercado dinâmico e movimentado de ativos semelhantes da mesma natureza, nas mesmas condições, nos mesmos locais, sujeitos às mesmas vicissitudes, etc… (NCRF 11, parágrafo 46 [12]Consultar a NCRF 11 no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_11.pdf).

Na ausência de preços correntes num mercado dinâmico e movimentado, uma entidade considera a informação proveniente de uma variedade de fontes, incluindo:
a) preços correntes num mercado ativo de propriedades de diferente natureza, condição ou localização (ou sujeitas a diferentes locações ou outros contratos), ajustados para refletir essas diferenças;
b) preços recentes de propriedades semelhantes em mercados menos ativos, com ajustamentos para refletir quaisquer alterações nas condições económicas desde a data das transações que ocorreram a esses preços; e
c) projeções de fluxos de caixa descontados com base em estimativas fiáveis de futuros fluxos de caixa, suportadas pelos termos de qualquer locação (arrendamento, aluguer incluindo ALD [aluguer de longa duração], leasing [locação financeira], renting [locação operacional] e de outros contratos existentes e (quando possível) por evidência externa tal como rendas correntes de mercado de propriedades semelhantes no mesmo local e condição, e usando taxas de desconto que reflitam avaliações correntes de mercado quanto à incerteza na quantia e tempestividade dos fluxos de caixa (NCRF 11, parágrafo 47).

7) Justo valor aceite fiscalmente no Código do IRC:

7.1) Restrições:

A mensuração dos ativos e passivos através do método do justo valor envolve algum grau de subjetividade. Por isso, o Direito Fiscal trata as oscilações decorrentes da aplicação do justo valor com muitas restrições [13]Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 76 e 77..

7.2) Princípio da realização – regra geral:

Nesta matéria vigora como regra geral o princípio da realização, segundo o qual é necessário o encerramento das posições jurídicas relativas a um determinado ativo ou passivo (alienados, exercidos, extintos ou liquidados) para que, respetivamente, os ganhos ou perdas destes tenham relevância fiscal [14]Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 76 e 77..

De facto, o art. 18.º, n.º 9 do CIRC [15]Consultar o CIRC no link: https://dre.pt/dre/legislacao-consolidada/lei/2014-64205634, sob a epígrafe “Periodização do lucro tributável”, declara:

“Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, exceto quando:
a) respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, quando se trate de instrumentos de capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital igual ou superior a 5% do respetivo capital social; ou
b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.”

7.3) Rendimentos e ganhos:

Consideram-se rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:
a) Ganhos por aumentos de justo valor em instrumentos financeiros.
b) Ganhos por aumentos de justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais (art. 20.º, n.º 1 als. f) e g) do CIRC [16]Consultar o CIRC no link: https://dre.pt/dre/legislacao-consolidada/lei/2014-64205634).

7.4) Gastos e perdas:

Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, nomeadamente:
– perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros;
– perdas por reduções de justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais (art. 23.º, n.ºs 1 e 2 als. j) e k) do CIRC).

7.5) Outras normas:

Cfr. também: arts. 22.º, n.º1 al. c), 45.º-A, n.ºs 2 e 3, 46.º, n.º 1 al. b), 49.º, n.ºs 1 e 2, 50.º, n.º 1, todos do CIRC [17]Consultar o CIRC no link: https://dre.pt/dre/legislacao-consolidada/lei/2014-64205634.

8) Distribuição de bens (incluindo dinheiro) aos sócios – ganhos por justo valor – princípio da realização:

Art. 32.º, nºs 1 e 2 do CSC:

Artigo 32.º do Código das Sociedades Comerciais [18]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis
(Limite da distribuição de bens aos sócios)

1 – Sem prejuízo do preceituado quanto à redução do capital social, não podem ser distribuídos aos sócios bens da sociedade quando o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do exercício, tal como resulta das contas elaboradas e aprovadas nos termos legais, seja inferior à soma do capital social e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios ou se tornasse inferior a esta soma em consequência da distribuição.

2- Os incrementos decorrentes da aplicação do justo valor através de componentes do capital próprio, incluindo os da sua aplicação através do resultado líquido do exercício, apenas relevam para poderem ser distribuídos aos sócios bens da sociedade, a que se refere o número anterior, quando os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos, liquidados ou, também quando se verifique o seu uso, no caso de ativos fixos tangíveis e intangíveis.

Princípio da realização:

Trata-se de mais uma concretização do princípio da realização que o Direito estabelece em matéria de justo valor. Assim, neste caso, os ganhos decorrentes da aplicação do justo valor só relevam quando as posições jurídicas relativas ao ativo a que se reportam forem encerradas (por exemplo, quando o ativo for vendido, trocado, etc…) [19]Consultar P. Tarso Domingues, “Capital e Patrimónios Sociais, Lucros e Reservas” em Estudos de Direito das Sociedades, 12ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, págs. 206 e 207..