Funções do capital social

Atualizado em 2023/05/14



Funções:

O capital social desempenha as seguintes funções:
– função de garantia;
– função de organização ou de ordenação de poder;
– função de igualdade de tratamento dos sócios;
– função de manutenção e conservação da posição relativa do sócio na sociedade (da proporção do valor nominal da participação social do sócio no capital social da sociedade; do peso relativo do sócio no capital social);
– função de financiamento;
– função de avaliação económica da sociedade;
– função de sinalizar ao mercado a solidez financeira da sociedade;
– função de determinar a existência de quórum constitutivo (só nas sociedades anónimas) e de quórum deliberativo na Assembleia Geral das sociedades comerciais; e a
– função de determinar o valor das reservas legais que a sociedade terá de constituir ou de reintegrar [1]J. M. Coutinho de Abreu, Curso De Direito Comercial – Das Sociedades, Volume II, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, págs. 422 a 426; P. Tarso Domingues, O Financiamento Societário pelos … Continuar a ler.

Sobre o capital social em geral, concretamente, a respetiva definição, âmbito, computação ou contabilização, possibilidade de utilização, inscrição contabilística, entre outros aspetos, ver o nosso artigo: capital social.


1) Função de garantia:

1.1) Em geral:

A função de garantia é claramente a mais importante função desempenhada pelo capital social. É a “função rainha” do capital social [2]P. Tarso Domingues, op. cit., págs. 88 e 89.. Contudo, na prática, tem um alcance bastante limitado.

A afirmação de que o capital social desempenha uma função de garantia significa que o capital social é um mecanismo jurídico destinado à defesa e à tutela dos interesses dos credores da sociedade [3]P. Tarso Domingues, op. cit., págs. 88 e 89..

A função de garantia concretiza-se nomeadamente através do princípio da intangibilidade do capital social.

1.2) Princípio da intangibilidade do capital social:

1.2.1) Alcance limitado:

O princípio da intangibilidade do capital social tem um alcance muito limitado. Com efeito, este princípio não assegura que existam no património líquido da sociedade bens, incluindo dinheiro, de valor correspondente à cifra do capital social.

Assim, o regime do capital social não impede que o capital próprio (património líquido) da sociedade desça abaixo da cifra do capital social em resultado, nomeadamente de perdas sofridas no exercício da atividade social; apenas proíbe que o capital próprio da sociedade desça abaixo da cifra do capital social em virtude de distribuições ou atribuições de bens, incluindo dinheiro, aos sócios, enquanto tais [4]P. Tarso Domingues, Financiamento… op. cit., págs. 88 a 90 e em “Capital e património sociais, lucros e reservas”, in AAVV, Estudos de Direito das Sociedades, coord. de J. M. … Continuar a ler.

1.2.2) Conteúdo:

O regime legal do capital social proíbe que a sociedade distribua ou atribua bens, incluindo dinheiro, respetivamente, aos sócios ou sócio único (enquanto tais, isto é, enquanto sócios), incluindo lucros de exercício e/ou lucros de balanço (aqueles, porém, só podem ser atribuídos se a sociedade registar lucros de balanço) se o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do presente exercício, for inferior ao valor conjunto do capital social e das reservas legais e estatutárias ou se se tornar inferior a este valor em consequência da distribuição ou da atribuição (cfr. art. 32.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais [5]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis).

Por outras palavras, a sociedade só pode distribuir ou atribuir bens, incluindo dinheiro, do seu património (quaisquer bens) ao(s) respetivo(s) sócio(s) se e na medida em que apresentar lucros de balanço.

1.2.3) Lucros de balanço:

A sociedade regista lucros de balanço (ou lucros distribuíveis) se e na medida em que o seu capital próprio (património líquido ou situação líquida) for superior ao valor conjunto do capital social e das reservas legais e estatutárias (cfr. art. 32.º, n.º 1 do CSC) (o que pressupõe, naturalmente, que a sociedade tenha um ativo de valor suficiente para cobrir eventuais prejuízos transitados e que as respetivas reservas legais e estatutárias estejam devidamente constituídas ou reintegradas).

Lucros / perdas de balanço = capital próprio – (capital social + reservas legais + reservas estatutárias).

Nota: doravante, todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte pertencem ao Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, com as alterações subsequentes [6]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis.

1.2.4) Âmbito – distribuições ou atribuições de bens, incluindo dinheiro, aos sócios ou sócio único, enquanto tais:

Estão abrangidas pelo princípio da intangibilidade do capital social todas as distribuições ou atribuições de bens, incluindo dinheiro, aos sócios ou sócio único, enquanto tais, nomeadamente, as distribuições ou atribuições:
– de lucros de exercício (arts. 32.º e 33.º);
– de lucros de balanço (art. 32.º);
– da contrapartida da amortização de quotas ou ações (arts. 236.º, 235.º, 346.º, n.º1, 347.º, n.º 7 al. b)),
– da contrapartida a pagar ao sócio de uma sociedade por quotas que pretenda exonerar-se (exoneração de sócios) (arts. 240.º, nºs 5 e 6 e 236.º),
– do reembolso de prestações suplementares (art. 213.º, n.º 1), etc.

1.2.5) Exemplo:

Por exemplo, uma sociedade por quotas foi constituída em 2019 com um capital social de 5000€ e tem uma reserva legal, já constituída no seu montante máximo, neste caso, no valor de 2500€ (cfr. arts 218.º e 295.º) (no momento da constituição da sociedade, os sócios levaram a ágio uma parte das entradas que realizaram cfr. 295.º, n.º 2 al.a) e n.º 3 al. a)). Não se encontra estipulada no pacto social da sociedade a constituição de qualquer reserva estatutária.

Em 2021, de acordo com as contas elaboradas e aprovadas nos termos legais, a sociedade regista um capital próprio, incluindo o resultado líquido do presente exercício, no valor de 30 000€ (trinta mil euros). Neste caso, a sociedade regista 22 500€ de lucros de balanço. 30 000 – (5000 + 2500) = 22 500€.

Assim, independentemente do montante dos lucros de exercício verificados (se lucros de exercício houver), a sociedade só pode, em qualquer caso, distribuir ou atribuir aos sócios, enquanto tais (a título de distribuição de lucros de exercício, lucros de balanço, ou a qualquer outro título – ver em cima ponto 1.2.4) bens, incluindo dinheiro, equivalentes a 22 500€.

1.2.6) Lucros de balanço vs capital próprio positivo:

Em Portugal, para que uma sociedade comercial possa distribuir ou atribuir bens, incluindo dinheiro, aos sócios, incluindo lucros de balanço ou lucros de exercício (estes últimos, porém, só podem ser atribuídos se lucros de balanço houver), não basta que apresente um capital próprio positivo ou capitais próprios positivos – ativo superior ao passivo.

Com efeito:
– para além de a sociedade ter que apresentar um capital próprio positivo,
– é ainda necessário que o capital próprio da sociedade seja superior ao valor valor conjunto do capital social e das reservas indisponíveis (reservas legais e estatutárias) (cfr. art. 32.º, n.º 1). Por isso é que se afirma que o capital social é, em certo sentido, uma garantia suplementar [7] P. Tarso Domingues, O Financiamento… op. cit., pág. 89..

1.2.7) Falsa garantia, garantia indireta ou de segundo grau:

A garantia geral das obrigações, dívidas ou débitos é o património (ativo) do devedor. Com efeito, pelo cumprimento de qualquer e de todas as dívidas do devedor respondem todos os bens, incluindo dinheiro, e rendimentos do seu património suscetíveis de penhora (art. 601.º do Código Civil [8]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis).

Garantias especiais:

Para além do património do devedor, que é a garantia geral e comum de todas as dívidas do devedor, existem ainda garantias especiais, que podem ser:
garantias pessoais, se incidirem sobre patrimónios de outros sujeitos de Direito que não o devedor, como a fiança e o aval (é muito frequente os sócios e/ou administradores prestarem avais em livranças no âmbito de contratos de empréstimo bancário destinados à concessão de crédito às respetivas sociedades); e,
garantias reais, se incidirem sobre certos e determinados bens, móveis ou imóveis, do próprio devedor ou de terceiro, como: a hipoteca, o penhor, os privilégios creditórios especiais imobiliários, o direito de retenção, etc…

Garantia indireta ou de segundo grau:

O capital social (nominal) é uma mera cifra numérica, uma sub-rubrica contabilística inscrita no balanço dentro da rubrica do capital próprio, concretamente na sub-rubrica do capital subscrito (capital social = capital subscrito) que, por si só, não tem consistência real que se traduza em bens (incluindo dinheiro) e direitos. Funciona, portanto, como uma «cifra de retenção», “impedindo que se distribuam bens aos sócios (…) quando o património líquido da sociedade seja inferior, ou se torne inferior por virtude da distribuição, ao valor do capital social.” [9]P. Tarso Domingues, Variações sobre o capital social, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 26 e 27..

Pelo que, o capital social não é, em bom rigor, uma garantia em sentido técnico-jurídico. Trata-se, portanto, de uma falsa garantia ou, pelo menos, de uma garantia indireta ou de segundo grau [10] P. Tarso Domingues, O Financiamento… op. cit., pág. 89..

1.2.8) O capital social pode ser contraproducente, ou seja, pode até prejudicar os credores:

Para além de ser uma garantia fraca, uma vez que não tutela de forma satisfatória os interesses dos credores, o capital social pode, até mesmo, ser contraproducente. Ou seja, o capital social não só não consegue proteger eficazmente os credores como pode até prejudicá-los.

Com efeito, o capital social pode ser “danoso para os credores, induzindo-os em erro, na medida em que poderão associar à figura do capital social a existência na sociedade de um património líquido de valor idêntico, o que pode não corresponder de todo, à realidade[11]P. Tarso Domingues, Variações sobre o capital social, op. cit., pág. 167..

2) Função de organização ou de ordenação de poder:

2.1) Em geral:

O capital social desempenha uma função de organização ou de ordenação de poder na sociedade. Com efeito, a posição relativa dos sócios na sociedade determina-se através da proporção ou percentagem do valor nominal da sua participação social (quota, ações ou parte) no capital social da sociedade.

Por exemplo:

(Sociedade por quotas) – pense-se, por exemplo, numa sociedade por quotas com um capital social de 5000€, com dois sócios, cada um titular de uma quota com um valor nominal de 2500€. Neste caso, cada um dos sócios tem uma posição relativa de 50% na sociedade. É frequente afirmar-se (impropriamente) que cada socio tem ou é titular de 50% “do capital social da sociedade”;

(Sociedade anónima) – ou pense-se, por exemplo, numa sociedade anónima (S.A.) com um capital social de 50 000€, com um total de 50 000 ações emitidas, tendo, portanto, todas as ações o valor nominal de 1€. Nas sociedades anónimas todas as ações têm obrigatoriamente o mesmo valor nominal, representando, por isso, a mesma fração do respetivo capital social (art. 276.º, n.º 4). Isto, evidentemente, no caso de as ações da sociedade anónima serem ações com valor nominal. Com efeito, hoje é possível que haja sociedades anónimas com ações sem valor nominal. Não podem é coexistir na mesma sociedade ações com valor nominal e ações sem valor nominal (art. 276.º, n.ºs 1 e 2).

Ora, o acionista que for titular de 37 500 ações tem uma posição relativa de 75% na sociedade; “tem 75% do capital social da sociedade” (35 000 x 100 ÷ 50 000 = 75).

2.2) A posição relativa dos sócios vai determinar a medida dos seus direitos e obrigações:

A posição relativa dos sócios na sociedade ou o peso relativo dos sócios no capital social vai, em princípio, determinar a medida dos seus direitos e obrigações enquanto tal (enquanto sócio), especialmente o direito ao lucro e ao voto. Vejamos.

2.2.1) Direito ao lucro / dever de quinhoar nas perdas:

Na falta de estipulação no contrato de sociedade, pacto social ou estatutos em sentido contrário, os sócios participam nos lucros e nas perdas da sociedade segundo a proporção dos valores nominais das respetivas participações sociais no capital social (art. 22.º, n.º 1; cfr. também arts. 21.º, n.º 1 al. a) e 20.º al. b).

Se o contrato de sociedade (pacto social, estatutos ou ato constitutivo) determinar somente a parte de cada sócio nos lucros, presumir-se-á ser a mesma a sua parte nas perdas (art. 22.º, n.º 2).

2.2.2) Direito ao voto:

– Nas sociedades por quotas, via de regra, conta-se um voto por cada cêntimo do valor nominal da quota (art. 250.º, n.º 1; cfr., porém, nºs 2 e 3).

– Nas sociedades anónimas, a cada ação corresponde um voto (one share, one vote), salvo:
          i) cláusula no contrato de sociedade (pacto social ou estatutos) em sentido diferente e
          ii) no caso das ações preferenciais sem voto (arts. 384.º, n.º 1; 341.º, n.º 5; cfr., porém, art. 384.º, n.ºs 2 a 7).

2.4) Controlo ou domínio da sociedade:

O sócio tem o domínio ou o controlo de uma sociedade comercial quando:
a) detém uma participação maioritária no capital (isto é, o valor nominal da respetiva participação social representa mais de 50% do capital social da sociedade);
b) dispõe de mais de metade dos votos;
c) tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização (cfr. arts. 486.º, n.º 2; cfr. também arts. 252.º, n.º 2, 250.º, n.º 1, 257.º, 386.º, n.º 2 e 403.º).

3) Função de igualdade de tratamento dos sócios:

O capital social é um mecanismo importante para assegurar o cumprimento do princípio da igualdade de tratamento dos sócios.

O regime do capital social assegura esse desiderato, nomeadamente através:
– da fixação do valor nominal das participações sociais dos sócios (quotas, ações ou partes),
– da proibição de subscrição de participações sociais abaixo do par (o valor nominal da quota, ações ou parte subscritas não pode exceder o valor da entrada do sócio [art. 25.º, n.º 1 e 298.º, n.º 1]);
– da fixação de ágios, prémios de emissão ou prémios de subscrição.

Pretende-se assegurar que todos os sócios realizam contribuições iguais para serem titulares de participações sociais iguais e de direitos iguais [12]P. Tarso Domingues, O Financiamento… op. cit, pág. 87..

4) Função de manutenção e conservação dos direitos dos sócios:

O capital social também desempenha uma função de manutenção e conservação da posição relativa do sócio na sociedade (do peso relativo do sócio no capital social ou proporção do valor nominal da participação social do sócio no capital social da sociedade).

Direito de preferência em aumentos de capital social:

Com efeito, atribui-se ao sócio ou acionista um direito (legal) de preferência ou direito de subscrição em aumentos de capital social por novas entradas em dinheiro:
– quer nas sociedades por quotas (art. 266.º);
– quer nas sociedades anónimas (art. 458.º).

Esse direito de preferência ou direito de subscrição confere ao sócio ou acionista o direito de participar no aumento de capital social na proporção do seu peso relativo no capital social:
– atribuindo-se a cada sócio a importância proporcional à quota de que for titular, nas sociedades por quotas (art. 266.º, n.º 1 al.a)); ou
– permitindo-se que cada acionista subscreva um número de ações proporcional àquelas de que já for titular, nas sociedades anónimas (art. 458.º, n.º 2 al. a)).

O direito de preferência ou direito de subscrição em aumentos de capital social por novas entradas em dinheiro visa impedir a redução da proporção do valor nominal da participação social do sócio (quota, ações ou parte) no capital social contra a sua vontade [13]P. Tarso Domingues, O Financiamento… op. cit, pág. 87..

5) Função de financiamento:

5.1) O dinheiro das entradas não se destina a ficar intocado:

O capital social real, isto é, o conjunto de bens, incluindo dinheiro, e de direitos suscetíveis de avaliação em dinheiro, qualitativamente não determinados nem compartimentados, integrados no ativo da sociedade comercial e, por isso, inscritos no balanço dentro da rubrica do ativo, que se destinam a cobrir a cifra do capital social nominal, “não se destinam a ficar intocados no cofre” da sociedade [14]P. Tarso Domingues, O Financiamento… op. cit., pág. 81..

Na verdade:
a) o dinheiro objeto das entradas em dinheiro já integralmente pagas (capital realizado),
b) os créditos da sociedade relativos às dívidas de entrada em dinheiro dos sócios (capital subscrito e não realizado) e
c) os bens diferentes de dinheiro objeto das entradas em espécie,
que, em qualquer caso, integram o património da sociedade (ativo), não têm que estar devidamente identificados nem compartimentados dentro do património (ativo) da sociedade como sendo os bens correspondentes ao capital social.

Por isso é que se afirma que o capital social é uma fração “ideal” do património da sociedade.

5.2) Desnecessidade de manter um saldo bancário cativo:

Assim, o capital social ou o regime do capital social não obriga, nomeadamente a que a sociedade mantenha um saldo bancário cativo com o valor correspondente à cifra do respetivo capital social [15]A. Menezes Cordeiro / Ana Alves Leal, Código das Sociedades Comerciais Anotado, coord. de A. Menezes Cordeiro, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 1035. Os Autores referem-se à reserva … Continuar a ler.

5.3) Financiamento:

Pelo contrário, esses bens, incluindo dinheiro, destinam-se a financiar (pagar) a atividade da sociedade, por exemplo, a: comprar equipamentos e matérias primas, pagar licenças, contratar advogados, contabilistas, etc….

5.4) Capital próprio ou capitais próprios:

As entradas dos sócios que forem computadas no capital social (entradas de capital) constituem capital próprio ou capitais próprios da sociedade.

Pode mesmo afirmar-se que, de certa forma, o capital social (real) constitui a primeira, embora não necessariamente a principal, forma de financiamento da sociedade [16]P. Tarso Domingues, O Financiamento… op. cit., pág. 82..

6) Função de avaliação económica e financeira da sociedade:

O capital social também é útil para apurar a existência e a exata medida de lucros ou perdas e, de um modo geral, para avaliar a situação económica e financeira da sociedade comercial [17]P. Tarso Domingues, O Financiamento… op. cit., pág. 88..

Os gerentes ou administradores devem apresentar todos os anos, em relação a cada exercício anual (que corresponde em princípio ao ano civil cfr. art. 8.º, n.º 1 do CIRC [18]Consultar o CIRC no link: https://dre.pt/dre/legislacao-consolidada/lei/2014-64205634; cfr. também os arts. 9.º, n.º 1 al. i) e 65.º-A do CSC.) o balanço da sociedade, as contas do exercício, os demais documentos de prestação de contas, o relatório de gestão, incluindo a demonstração não financeira ou o relatório separado com essa informação (art. 65.º, n.º 1).

Ora, como já referimos, a sociedade só pode atribuir ou distribuir bens, incluindo dinheiro, aos sócios, incluindo lucros de exercício, se e na medida em que apresentar lucros de balanço.

Lucros /perdas de balanço:

Lucros de balanço: a sociedade regista lucros de balanço se e na medida em que o seu capital próprio (património líquido ou situação líquida) for superior ao valor correspondente ao valor conjunto do capital social e das reservas legais e estatutárias (cfr. art. 32.º, n.º 1).

Perdas de balanço: inversamente, a sociedade regista perdas de balanço se e na medida em que o seu capital próprio (património líquido ou situação líquida) for inferior ao valor conjunto do capital social e das reservas legais e estatutárias (cfr. art. 32.º, n.º 1).

Lucros/perdas de balanço = capital próprio – (capital social + reservas legais + reservas estatutárias).

Conclusão:

Assim, é através do confronto entre o valor do capital próprio (património líquido ou situação líquida) e a cifra do capital social que se vai aferir se e em que medida a sociedade está a gerar lucros ou perdas.

7) Função de sinalizar ao mercado a solidez financeira da sociedade:

Também se pode afirmar que o capital social funciona como sinal ao mercado no que respeita à solidez financeira e económica da sociedade [19]Ana Perestrelo de Oliveira, op. cit., pág. 41..

Exemplo:

Por exemplo, a EDP – Energias de Portugal, S.A. Sociedade Aberta (e cotada em bolsa) tem um capital social de 3 965 681 012,00€ [20]Consultar o link: https://www.edp.com/pt-pt/investidores/governo-da-sociedade/os-principios-que-nos-regem#estatutos-e-regulamentos (aproximadamente, 3,9 mil milhões de euros).

Ora, tendo em conta o princípio da intangibilidade do capital social, se a sociedade distribui todos os anos dividendos aos acionistas (tendo contabilistas certificados, um conselho geral e de supervisão, revisor ou revisores oficiais de contas e, eventualmente, ainda outros auditores) está indiretamente a sinalizar ao mercado que tem um capital próprio positivo no valor de, pelo menos, 3,9 mil milhões de euros.

Falsa sinalização:

Contudo, como já foi referido, o capital social não assegura que existam no património líquido da sociedade bens, incluindo dinheiro, de valor correspondente à cifra do capital social (ver em cima ponto 1).

Ora, é precisamente por isso que o capital social pode mesmo ser “danoso para os credores, induzindo-os em erro, na medida em que poderão associar à figura do capital social a existência na sociedade de um património líquido de valor idêntico, o que pode não corresponder de todo, à realidade” [21]P. Tarso Domingues, Variações sobre o capital social, op. cit., pág. 167..

8) Função de determinar a existência de quórum constitutivo (só nas sociedades anónimas) e de quórum deliberativo na AG:

O capital social é relevante para:

i) determinar a existência ou inexistência de quórum constitutivo na Assembleia Geral das sociedades anónimas (cfr. art. 383.º).

ii) determinar a existência ou inexistência de quórum deliberativo na Assembleia Geral das sociedades comerciais em geral:
          – cfr. para as sociedades por quotas: arts. 217.º, n.º 1, 250.º, 265.º e 270.º, n.º 1;
          – cfr. para as sociedades anónimas: arts. 294.º, n.º 1 e 386.º);

iii) e ainda para outros aspetos relativos à composição e ao funcionamento da Assembleia Geral:
          – cfr. para as sociedades por quotas: art. 248.º, n.º 4;
          – cfr. para as sociedades anónimas: arts. 378.º, n.º 1 e 375.º, n.º 2 [22]J. Engrácia Antunes, op. cit., pág. 361..

Definições:

Quórum constitutivo – é a percentagem mínima de capital social representada pelos sócios ou acionistas de uma sociedade comercial cuja presença ou representação é necessária para que a Assembleia Geral possa considerar-se validamente constituída ou para que possa validamente deliberar sobre determinado assunto.

Quórum deliberativo – é a percentagem mínima de capital social representada pelos sócios ou acionistas de uma sociedade comercial cujos votos favoráveis são necessários para que uma determinada deliberação possa ser aprovada.

9) Função de determinar o valor da reserva legal:

O capital social é a referência:

A cifra do capital social constitui a referência para determinar o valor da reserva legal que a sociedade deve constituir ou, se for caso disso, reintegrar [23]J. Engrácia Antunes, op. cit., pág. 376.. Por outras palavras, o valor da reserva legal que a sociedade deve constituir ou reintegrar está indexado ao valor do respetivo capital social.

Regime da reserva legal:

Com efeito, a sociedade deve afetar uma percentagem não inferior a 5% dos respetivos lucros para a constituição da reserva legal e, se for caso disso, para a sua reintegração, até que a reserva legal represente 20% do capital social. No pacto social da sociedade podem fixar-se percentagem e montante mínimo mais elevados para a reserva legal (art. 295.º, n.º 1).

Esta regra é aplicável:
– às sociedades anónimas (S.A.), diretamente (art. 295.º, n.º 1); e
– às sociedades por quotas, por força do art. 218.º, n.º 2 (cfr. também art. 218.º, n.º 1) com uma nuance: o limite mínimo da reserva legal não poderá, em qualquer caso, ser inferior a 2500 Euros.

Por exemplo:

– uma sociedade anónima (S.A.) que tiver um capital social de 50 000€ deverá constituir, em princípio, ao longo do tempo, uma reserva legal que alcance, pelo, menos, o valor de 10 000€;

– uma sociedade por quotas que tiver um capital social de 5000€ deverá constituir, em princípio, ao longo do tempo, uma reserva legal que alcance, pelo, menos, o valor de 2500€. Com efeito, 20% de 5000€ é 1000€; contudo, o art. 218.º, n.º 1 determina que o limite mínimo de reserva legal não poderá, em qualquer caso, ser inferior a 2500€.