
1) Definição:
O estabelecimento individual de responsabilidade limitada (EIRL) é um património autónomo ou separado (ou mesmo uma pessoa coletiva rudimentar – ver em baixo):
i) criado por uma pessoa singular,
ii) composto por uma parte do património deste (há uma separação entre os bens que ficam afetos ao EIRL e os restantes bens do património da pessoa singular que o criou),
iii) destinado ao exercício de uma atividade comercial, através da exploração de um estabelecimento comercial.
Índice
- 1) Definição:
- 2) Regime jurídico do estabelecimento individual de responsabilidade limitada (EIRL):
- 3) Vantagens do estabelecimento individual de responsabilidade limitada (EIRL):
- 4) Desvantagens do estabelecimento individual de responsabilidade limitada (EIRL); diferenças face à sociedade unipessoal por quotas (SUQ):
- 5) Exemplos de EIRL’s em funcionamento:
- 6) Número de EIRL’s registados em Portugal:
- 7) Firma:
- 8) Uma pessoa só pode ser titular de um único EIRL:
- 9) Natureza jurídica do EIRL – é uma pessoa coletiva rudimentar:
2) Regime jurídico do estabelecimento individual de responsabilidade limitada (EIRL):
O estabelecimento individual de responsabilidade limitada (EIRL) está regulado no Dec-Lei n.º 248/86, de 25 de agosto, com as alterações subsequentes [1]Consultar a versão atualizada do Decreto-Lei n.º 248/86, de 25 de agosto no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=678&tabela=leis&so_miolo.
Notas:
– doravante, todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte reportam-se a este diploma legal;
– ver bibliografia sobre o EIRL na presente nota de rodapé [2]J. M. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Volume I, 13ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 247 a 249; A. Menezes Cordeiro, colab. de A. Barreto Menezes Cordeiro, Direito Comercial, … Continuar a ler.
3) Vantagens do estabelecimento individual de responsabilidade limitada (EIRL):
3.1) Responsabilidade limitada pelas dívidas da empresa-estabelecimento:
Em geral:
A grande vantagem do EIRL e a razão de ser da sua consagração legislativa em 1986 foi a há muito ambicionada limitação da responsabilidade dos comerciantes e empresários em nome individual pelas dívidas da respetiva empresa-estabelecimento.
Ver, em especial, os nossos artigos:
– responsabilidade limitada;
– exceções à responsabilidade limitada.
Definições:
Empresário em nome individual (ENI) – é a pessoa singular que explora uma empresa (em sentido objetivo: empresa-estabelecimento ou empresa-organização de fatores de produção destinada ao exercício de uma atividade económica) por conta própria (isto é, sem o recurso a uma pessoa coletiva nem a um património autónomo: os efeitos jurídicos decorrentes dessa exploração repercutir-se-ão diretamente na sua esfera jurídica pessoal).
Comerciante em nome individual – é a pessoa singular que, tendo capacidade de exercício para praticar atos de comércio, faz deste profissão (art. 13.º, n.º 1 do Código Comercial).
3.1.2) Situação sem EIRL e sem sociedade unipessoal por quotas:
Ainda hoje, se uma pessoa singular explorar um estabelecimento comercial sem recorrer ao EIRL nem constituir uma sociedade unipessoal por quotas verificar-se-á o seguinte:
i) pelas dívidas resultantes da exploração do estabelecimento comercial (fornecedores, banca, trabalhadores, etc…) respondem não só os bens que integram o estabelecimento comercial como também todos os outros bens do seu património pessoal e familiar, como por exemplo: a casa de morada de Família, veículos a motor (automóveis, motociclos) recheio da casa, etc. Este regime é ainda agravado pela comunicabilidade das dívidas comerciais do comerciante ao respetivo cônjuge (art. 1691.º, n.º 1 al. d) e n.º 3 do Código Civil [3]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis e art. 15.º do Código Comercial); por outro lado,
ii) pelas dívidas não relacionadas com a atividade do estabelecimento do comerciante ou empresário respondem não só os seus bens pessoais e familiares como também os bens que integram o estabelecimento comercial.
3.1.3) EIRL – património autónomo com responsabilidade limitada:
Ora, o EIRL vem responder precisamente a este problema e a esta velha ambição dos comerciantes e empresários em nome individual de terem a sua responsabilidade limitada. Com efeito, com o EIRL, pelas dívidas relacionadas com a atividade compreendida no objeto do estabelecimento individual de responsabilidade limitada (fornecedores, banca, trabalhadores, etc…) respondem, via de regra, apenas os bens a este afetados (art. 10.º).
Pelo que, os credores de dívidas relacionadas com o estabelecimento comercial não poderão, em princípio, executar (promover a apreensão, penhora e venda judicial) os bens que integram o património pessoal e familiar do comerciante ou empresário como, por exemplo, a sua casa de morada de Família, veículos a motor (automóveis, motociclos), recheio da casa, etc.
3.2) Contornar a restrição de as pessoas singulares só poderem constituir uma única sociedade unipessoal por quotas:
SUQ:
Com o surgimento das sociedades unipessoais por quotas em 1996, o EIRL perdeu uma boa parte da sua importância prática: passou a existir um instrumento jurídico mais apto e adequado para o exercício de uma atividade económica com o benefício da responsabilidade limitada.
Contudo, nos dias de hoje, o EIRL ainda pode ter alguma utilidade, uma vez pode ser usado (como expediente jurídico) para contornar licitamente a restrição de as pessoas singulares só poderem constituir uma única sociedade unipessoal por quotas. De facto:
Restrições:
Art. 270.º-C do Código das Sociedades Comerciais (CSC)
Efeitos da unipessoalidade
1 – Uma pessoa singular só pode ser sócia de uma única sociedade unipessoal por quotas.
2 – Uma sociedade (unipessoal) por quotas não pode ter como sócio único uma (outra) sociedade unipessoal por quotas.
O EIRL como expediente para contornar estas restrições:
Existem várias formas de contornar licitamente estas duas restrições. Ora, uma dessas formas é precisamente através da constituição de um EIRL. Com efeito, uma pessoa singular pode, por exemplo, constituir uma sociedade unipessoal por quotas e posteriormente constituir um EIRL obtendo, assim uma separação/segregação do seu real património em três esferas jurídicas/patrimónios:
i) o seu património pessoal (a pessoa singular tem uma propriedade ou titularidade direta sobre os bens que integram o seu património pessoal);
ii) o património da sociedade unipessoal por quotas da qual a pessoa singular é sócia única (neste caso, a pessoa singular é proprietária ou titular indireta ou mediata do património da sociedade, especialmente da empresa-estabelecimento explorada por esta);
iii) o património do EIRL de que é titular (o EIRL é dotado de autonomia patrimonial, sendo inclusive, uma pessoa coletiva rudimentar; por conseguinte, a pessoa singular é [também aqui] proprietária ou titular meramente indireta ou mediata do património do EIRL).
4) Desvantagens do estabelecimento individual de responsabilidade limitada (EIRL); diferenças face à sociedade unipessoal por quotas (SUQ):
4.1) O EIRL só pode ser constituído por pessoas singulares:
EIRL:
O estabelecimento individual só pode ser constituído por pessoas singulares (art. 1.º, n.º 1: “qualquer pessoa singular que exerça ou pretenda exercer uma actividade comercial pode constituir para o efeito um estabelecimento individual de responsabilidade limitada.”).
SUQ:
Inversamente, as sociedades unipessoais por quotas podem ser constituídas tanto por pessoas singulares como por pessoas coletivas (como outras sociedades comerciais ou sociedades civis sob forma comercial que, por exemplo, adotem o tipo de sociedade por quotas, ou o tipo de sociedade anónima) determinando-se, contudo, que:
– uma pessoa singular só pode ser sócia (única) de uma única sociedade unipessoal por quotas; e
– uma sociedade unipessoal por quotas não pode ter como sócio único uma (outra) sociedade unipessoal por quotas (art. 270.º-C, nºs 1 e 2 do CSC [4]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_estrutura.php?tabela=leis&artigo_id=&nid=524&nversao=&tabela=leis).
Existem, contudo, como já foi referido, formas de contornar licitamente (isto é, em conformidade com a Lei) estas duas últimas restrições.
4.2) Incumprimento de dívidas fiscais: inversão do ónus da prova no EIRL vs regime geral da reversão fiscal para as SUQ:
EIRL:
Artigo 25.º da Lei Geral Tributária (LGT)
Responsabilidade do titular de estabelecimento individual de responsabilidade limitada
1 – Pelas dívidas fiscais do estabelecimento individual de responsabilidade limitada respondem apenas os bens a este afetos.
2 – Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, em caso de falência (rectius insolvência cfr. art. 2.º, n.º 1 al. g) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) do estabelecimento individual de responsabilidade limitada por causa relacionada com a actividade do seu titular, responderão todos os seus bens, salvo se ele (o titular o EIRL) provar que o princípio da separação patrimonial foi devidamente observado na sua gestão.
Nota: o n.º 2 deste artigo estabelece uma inversão do ónus da prova, que é manifestamente desnecessária e desproporcional e que atenta contra os mais elementares princípios do Estado de Direito (arts. 2.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa [5]Consultar a Constituição da República Portuguesa no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=4&tabela=leis). Esta norma parece-nos, por isso, claramente inconstitucional (não vale tudo para arrecadar receita fiscal. Mais haveria por dizer…)
SUQ:
Ora, não vigora um regime semelhante para os sócios únicos das sociedades unipessoais por quotas, enquanto tal (enquanto sócios únicos).
Às sociedades unipessoais por quotas aplica-se apenas o regime geral da reversão fiscal, que consiste essencialmente no seguinte: em caso de incumprimento de dívidas fiscais por parte da sociedade, havendo insuficiência do património desta para fazer face ao respetivo pagamento por via coerciva (execução: apreensão, penhora e venda executiva), o processo de execução fiscal pendente contra a sociedade reverte contra os respetivos gerentes ou administradores, de Direito ou de facto (cfr. art. 24.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária; cfr. também arts. 22.º, 23.º e restantes números do art. 24.º do mesmo diploma legal [6]Consultar a Lei Geral Tributária no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=253&tabela=leis).
Trata-se de uma falsa exceção à responsabilidade limitada dos sócios; com efeito, a reversão fiscal incide apenas sobre gerentes ou administradores, de Direito ou de facto. Na verdade, os gerentes das sociedade unipessoais por quotas não têm necessariamente que ser os respetivos sócios únicos: podem ser designados um ou mais sujeitos que não o sócio único (arts. 253.º, n.º 1 e 270.º-G do CSC [7]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_estrutura.php?tabela=leis&artigo_id=&nid=524&nversao=&tabela=leis).
Porém, na prática, na maioria das sociedades unipessoais por quotas o sócio único exerce diretamente a gestão desta, cumulando assim a qualidade de sócio único com o cargo de gerente (também único). São os chamados sócios-gerentes.
EIRL vs SUQ:
Tendo em conta que o incumprimento de dívidas fiscais por parte de um devedor surge muitas vezes associados à declaração da sua insolvência, o regime do EIRL e o da SUQ acaba por conduzir, na prática, aos mesmos resultados. Porém, formalmente, o regime que vigora para o titular do EIRL é mais gravoso.
4.3) Capital social mínimo: 5000,00€ (5k) no EIRL vs 1,00€ nas SUQ:
EIRL: o estabelecimento individual de responsabilidade limitada (EIRL) tem um capital social mínimo de 5000,00€ (cinco mil euros) (art. 3.º, n.º 2).
SUQ: por sua vez, as sociedades unipessoais por quotas têm um capital social mínimo de 1,00€ (um euro) (arts. 201.º, 219.º, n.º 3 e 270.º-G do CSC.
4.4) Autonomia patrimonial no EIRL é mais fraca do que a autonomia patrimonial nas sociedades unipessoais por quotas:
EIRL:
Se o titular do estabelecimento individual de responsabilidade limitada for declarado insolvente por causa relacionada com a atividade exercida naquele estabelecimento e se se provar que este não respeitou devidamente o princípio da separação de patrimónios entre a esfera do EIRL e a sua esfera estritamente pessoal (mistura ou confusão de patrimónios), o titular do EIRL insolvente responderá de forma pessoal e ilimitada, com todo o seu património, empresarial e pessoal, pelas dívidas contraídas nesse exercício (art. 11.º, n.º 2).
Por outro lado, se o EIRL tiver sido administrado por outras pessoas que não o seu titular ou simultaneamente pelo seu titular e por outras pessoas, também esses terceiros respondem de forma ilimitada com todo o seu património se, durante essa administração, tiver havido confusão de patrimónios (art. 11.º, n.º 3).
Sociedade unipessoal por quotas:
Por sua vez, nas sociedades unipessoais por quotas (constituídas originariamente por apenas um sócio ou resultantes de transformação) não vigora este regime.
Contudo, o art. 270.º-F do CSC estabelece um regime jurídico específico para os negócios jurídicos (especialmente contratos) celebrados entre o sócio único e a sociedade unipessoal por quotas.
Artigo 270.º-F do CSC
Contrato do sócio com a sociedade unipessoal
Os negócios jurídicos celebrados entre o sócio único e a sociedade unipessoal por quotas (por ex: contratos de compra e venda, doações, tec…) devem:
1- servir a prossecução do objeto da sociedade;
2 – obedecer à forma legalmente prescrita e, em todos os casos, observar, pelo menos, a forma escrita.
3 – Os documentos de onde constam esses negócios jurídicos devem ser patenteados conjuntamente com o relatório de gestão e os documentos de prestação de contas; qualquer interessado pode, a todo o tempo, consultá-los na sede da sociedade.
4 – A violação destas regras implica a nulidade dos negócios jurídicos celebrados e responsabiliza ilimitadamente o sócio.
4.5) O EIRL não é uma pessoa coletiva (não tem personalidade jurídica); ao contrário da sociedade unipessoal por quotas:
EIRL – tem autonomia patrimonial, mas não tem personalidade jurídica (plena). Pelo que, o EIRL não é um novo sujeito de Direito autónomo e separado face ao sujeito do respetivo titular; não é uma entidade autónoma com suscetibilidade ou aptidão para ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações. Tem, contudo, personalidade jurídica rudimentar ou mera subjetividade jurídica.
SUQ – inversamente, a sociedade unipessoal por quotas é um novo sujeito de Direito, de tipo pessoa coletiva, concretamente sociedade comercial, dotada de personalidade jurídica plena (cfr. arts. 5.º, 270.º-A e 270.º-G do CSC [8]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_estrutura.php?tabela=leis&artigo_id=&nid=524&nversao=&tabela=leis). A constituição de uma sociedade unipessoal por quotas importa, por isso, a criação de uma nova entidade, uma nova instituição e uma nova empresa em sentido subjetivo ou institucional, com suscetibilidade ou aptidão para ser titular de direitos e obrigações.
5) Exemplos de EIRL’s em funcionamento:
Através do link https://empresite.jornaldenegocios.pt/Actividade/EIRL é possível consultar vários exemplos de EIRL’s concretos, registados e em funcionamento, como, por exemplo:
– Isidoro, Transporte Em Táxi, E.i.r.l.;
– Elsa Cardoso, Pronto-a-vestir, E.i.r.l.;
– M.s.ribeiro – Contabilidade, Auditorias E Assistencia Fiscal, E.i.r.l.
– Maria Da Luz Rato, E.i.r.l.
– Antonio Marques Silva, Editor, E.i.r.l.
6) Número de EIRL’s registados em Portugal:
Em 2021, estavam inscritos ou registados no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas (FCPC) [9]Dados obtidos em https://estatisticas.justica.gov.pt/sites/siej/pt-pt/Paginas/Entidades_inscritas_FCPC.aspx:
– um total de 1137 EIRL’s, sendo que desses 1137, apenas 771 estavam em atividade – não extintos nem dissolvidos; contra, por exemplo,
– um total de 333 803 sociedades unipessoais por quotas, sendo que, desse valor, 220 418 estavam em atividade – não extintas nem dissolvidas.
Assim, verifica-se que o EIRL não foi um sucesso em Portugal, ao contrário da sociedade unipessoal por quotas e da sociedade por quotas propriamente dita, que foram e são a forma jurídica preferencial para a exploração de micro, pequenas e médias empresas.
7) Firma:
A firma do estabelecimento individual de responsabilidade limitada é composta:
i) pelo nome do seu titular (firma-nome);
ii) acrescido ou não de uma referência ao objeto do comércio nele exercido (firma-denominação, firma-objeto ou firma particular); e,
iii) incluirá sempre o aditamento «Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada» ou a sigla «E. I. R. L.» (art. 2.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 248/86, de 25 de agosto e art. 40.º, n.º 1 do Regime Jurídico do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, constante do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de maio, com as alterações subsequentes [10]Consultar o RJRNPC no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=688&tabela=leis&so_miolo=).
O nome do titular pode ser abreviado, mas a sua abreviação não pode reduzir-se a um só vocábulo, a menos que a adição efetuada o torne completamente individualizador (arts. 40.º e 38.º, n.º 3 2ª parte).
O EIRL que não use como firma apenas o nome completo ou abreviado do respetivo titular tem direito ao uso exclusivo da sua firma desde a data do registo definitivo e no âmbito do concelho onde se encontra o seu estabelecimento comercial principal.
8) Uma pessoa só pode ser titular de um único EIRL:
Uma pessoa singular só pode ser titular de um único estabelecimento individual de responsabilidade limitada (art. 1.º, n.º 3).
Como já foi referido, vigora uma solução semelhante para as sociedades unipessoais por quotas (cfr. art. 270.º-C, n.ºs 1 e 2 do CSC [11]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_estrutura.php?tabela=leis&artigo_id=&nid=524&nversao=&tabela=leis).
9) Natureza jurídica do EIRL – é uma pessoa coletiva rudimentar:
Deve entender-se que o estabelecimento individual de responsabilidade limitada (EIRL) é uma pessoa coletiva rudimentar, dotada, portanto, de personalidade jurídica rudimentar ou mera subjetividade jurídica [12]A. Menezes Cordeiro e A. Barreto Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Parte geral – Pessoas, 5ª Edição, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 661 a 672 e em Direito das Sociedades I, Parte … Continuar a ler.
Vejamos.
9.1) O EIRL não tem personalidade judiciária:
A personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte em juízo (art. 11.º, n.º 1 do Código de Processo Civil [CPC – consultar no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1959&tabela=leis]).
Ora, o estabelecimento individual de responsabilidade limitada (EIRL) não tem personalidade judiciária.
Com efeito, a Lei determina que certas entidades desprovidas de personalidade jurídica (plena), nomeadamente a herança jacente e os patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não estiver determinado gozam, não obstante, de personalidade judiciária (art. 12.º al. a) do CPC). Ora, o EIRL tem o seu titular perfeitamente determinado. Logo, não se encontra abrangido pelo elenco de entidades desprovidas de personalidade jurídica que beneficiam de personalidade judiciária.
Assim, por litígios emergentes ou relacionados com a atividade do EIRL a parte em juízo é o respetivo titular, ou seja, a pessoa singular que o constituiu.
9.2) O EIRL pode ser declarado insolvente:
O EIRL pode ser sujeito passivo de um processo de insolvência, podendo, por isso, ser declarado insolvente (art. 2.º, n.º 1 al. g) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [CIRE – consultar no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=85&tabela=leis]).
A sentença de declaração de insolvência do EIRL está sujeita a registo comercial (art. 9.º al. i) do Código do Registo Comercial – consultar no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=506&tabela=leis]).
9.3) O EIRL está sujeito a inscrição no registo comercial e no Registo Nacional (Ficheiro Central) de… Pessoas Coletivas:
Cfr.:
– arts. 1.º, n.º 1; 8.º; 9.º als. d) e i); 15.º, n.º 4; 61.º , nºs 1 e 4, todos do Código do Registo Comercial e arts. 5.º; 9.º; 12.º, n.º 5; 16.º, n.º 2; 18.º, n.º 3; 23.º, n.º 5, entre outros do Decreto-Lei n.º 248/86, de 25 de agosto, que regula o EIRL;
– arts. 4.º, n.º 1 al. f); 9.º; 15.º, n.º 1; 40.º; 54.º, n.º 1 e 56.º, n.º 1 al. f), todos do Regime jurídico do Registo Nacional de Pessoas Coletivas (Consultar o RJRNPC no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=688&tabela=leis&so_miolo=).
9.4 a 9.7)
O EIRL:
9.4) tem personalidade tributária (arts. 15.º, 16.º, n.º 3, 18.º, n.ºs 3 e 4, 25.º todos da Lei Geral Tributária – consultar no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=253&tabela=leis]);
9.5) tem firma (art. 2.º, n.º 2 al. a) e n.º 3);
9.6) tem sede (art. 2.º, n.º 2 al. a));
9.7) tem capital social (art. 2.º, n.º 2 al. a) e art. 3.º).
9.8) Personalidade jurídica plena vs personalidade jurídica rudimentar (ou mera subjetividade jurídica):
Tradicionalmente, entende-se que a personalidade jurídica é um conceito qualitativo ou absoluto, insuscetível, portanto, de graduação: ou se tem personalidade jurídica ou não se tem; ou se é pessoa (singular ou coletiva) ou não se é.
Porém, hoje deve entender-se que o conceito de personalidade jurídica não deve ser absolutizado. Com efeito, ao lado da personalidade jurídica plena de que gozam as pessoas, singulares ou coletivas, deve admitir-se a existência de uma personalidade jurídica rudimentar ou limitada (ou mera subjetividade jurídica) de que gozam certas entidades que, apesar de não terem personalidade jurídica plena, gozam, por exemplo, de personalidade judiciária e podem ser declaradas insolventes.
(A. Menezes Cordeiro e A. Barreto Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Parte geral – Pessoas, 5ª Edição, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 661 a 672 e em Direito das Sociedades I, Parte Geral, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 293 a 306; J. M. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial – Das Sociedades, Volume II, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, págs. 168 a 174; Rui Pinto Duarte, Escritos sobre Direito das Sociedades, Coimbra Editora, 2008, págs. 35 a 37; mais recentemente, defendendo, com bons argumentos, o abandono do conceito da personalidade jurídica e o uso exclusivo do conceito de capacidade jurídica, passando este, contudo, a divergir do conceito de capacidade de gozo, Diogo Costa Gonçalves, Código das Sociedades Comerciais Anotado, coord. de A. Menezes Cordeiro, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 98 a 103.).
9.9) Conclusão: o EIRL tem personalidade jurídica rudimentar ou mera subjetividade jurídica:
Ora, o EIRL, apesar de não ter personalidade judiciária pode ser declarado insolvente, está sujeito a inscrição no registo comercial e no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas, tem firma, tem capital social e tem sede social. Pelo que, apesar de não ser nem uma pessoa singular nem uma pessoa coletiva de pleno Direito, constitui um verdadeiro centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos, especialmente de direitos e deveres.
Logo, goza de personalidade jurídica rudimentar ou mera subjetividade jurídica, sendo, por isso, uma pessoa coletiva rudimentar.