
1) A sociedade é a forma ou estrutura jurídica típica da empresa:
É frequente afirmar-se que a sociedade comercial (sociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas, sociedade anónima [S.A.]) é:
– a forma ou estrutura jurídica típica ou paradigmática da empresa;
– a forma, mecanismo ou técnica jurídica, por excelência, de organização de uma empresa;
– a organização jurídica da empresa;
– o instrumento jurídico-organizativo por excelência da empresa;
– o esquema organizatório da empresa;
– a estrutura legal necessária para o funcionamento da empresa;
– a forma jurídica que «dá abrigo» à empresa;
– o sujeito de Direito (porque tem personalidade jurídica) que é titular da empresa, que explora ou que exerce a empresa;
– a proprietária ou dona (direta ou imediata) da empresa (a sociedade é, por isso, empresária);
– um veículo jurídico apto à exploração de uma empresa;
– uma estrutura jurídica patrimonial e organizativa que serve de instrumento para o desenvolvimento de iniciativas empresariais;
– o mecanismo jurídico mais apto para o exercício de atividades ou projetos económicos;
– o expediente jurídico de que os titulares das respetivas participações sociais (quotas ou ações) se servem para gerir as empresas de que são proprietários económicos, indiretos e mediatos (propriedade económica ou propriedade corporativa) com o benefício da responsabilidade limitada;
– um mecanismo de gestão e estruturação da empresa, bem como de administração de um património que se individualiza para o efeito;
– a “capa” da empresa;
– o revestimento jurídico da empresa; ou ainda que
– a empresa é o substrato ou o objeto da sociedade [1]J. M. Coutinho de Abreu, Curso De Direito Comercial – Das Sociedades, Volume II, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, págs. 23 a 25, 39 e 40 e 164, Curso de Direito Comercial, Volume I, 13ª … Continuar a ler.
Pergunta-se, contudo, se será necessariamente assim. Vejamos.
Índice
- 1) A sociedade é a forma ou estrutura jurídica típica da empresa:
- 2) Empresa – vários sentidos e aceções:
- 3) Empresa em sentido objetivo (empresa-estabelecimento e empresa-organização de fatores de produção):
- 4) Sociedade vs empresa em sentido objetivo (empresa-estabelecimento e/ou a empresa-organização de fatores de produção):
- 4.1) Sociedades que não exploram empresas (há sociedade, mas não há empresa):
- a) Sociedades meramente “nominais”:
- b) Sociedades-veículo (special purpose vehicle [SPV] ou special purpose entity [SPE]):
- c) Sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) que sejam, em concreto, holdings puras:
- d) Sociedade constituída especificamente para figurar como sócia comanditada numa sociedade em comandita simples ou por ações (“GmbH & Co. KG”):
- e) Sociedades para exercer uma atividade muito rudimentar ou incipiente:
- 4.2) Empresas unissocietárias (que são exploradas por uma sociedade) vs empresas plurissocietárias (que são exploradas por um conjunto de sociedades):
- 4.3) Empresas que não são exploradas por sociedades (há empresa, mas não há sociedade):
- 4.4) A sociedade é a organização jurídica da empresa, mas não só:
- 4.5) O património da sociedade pode não coincidir necessariamente com o património empresarial (afeto à empresa de que é titular):
- 4.6) A empresa pode manter-se incólume se a sociedade for transformada num outro tipo de sociedade:
- 4.7) A sociedade pode vender, locar ou onerar a empresa de que é titular; esta, por sua vez, pode-lhe ser penhorada ou apreendida:
- 4.1) Sociedades que não exploram empresas (há sociedade, mas não há empresa):
- 5) Sociedade vs empresa-sujeito de Direito (empresa em sentido subjetivo ou institucional):
2) Empresa – vários sentidos e aceções:
“Empresa” é uma palavra polissémica: tem vários sentidos ou aceções. Sobre esta questão ver, em especial, o nosso artigo: empresa: definição e vários sentidos. Assim, a palavra “empresa” pode ser empregue nomeadamente:
a) em sentido objetivo, para designar um estabelecimento ou organização de fatores de produção destinada ao exercício de uma atividade económica (empresa enquanto estrutura, instrumento, sistema ou organização económico-produtiva, complexa e unitária, objeto de direitos e deveres);
b) em sentido subjetivo, para designar um sujeito de Direito, via de regra, pessoa coletiva, que exerce ou que que se encontra em condições de exercer, direta ou indiretamente, uma atividade com natureza, via de regra, económica destinada, em princípio à obtenção de lucro (empresa enquanto sujeito) [2]Por todos, J. M. Coutinho de Abreu, Volume I, op. cit., págs. 207 a 289..
3) Empresa em sentido objetivo (empresa-estabelecimento e empresa-organização de fatores de produção):
Definição:
Em sentido objetivo, a empresa é um estabelecimento (global) – comercial ou não comercial -, ou seja, é uma estrutura, instrumento, sistema ou organização económico-produtiva, complexa e unitária, composta por um conjunto de bens e elementos corpóreos e incorpóreos devidamente organizada para o exercício de uma atividade económica.
Outra definição possível de empresa em sentido objetivo, mas que acentua o elemento ou perfil de “organização” é a que entende que a empresa é uma organização de fatores de produção (terra ou natureza, capital e trabalho) destinada ao exercício de uma atividade económica.
Empresa é um bem (ativo):
Neste sentido, a empresa é:
– um bem que integra o património de um ou mais sujeitos de Direito (neste último caso, em compropriedade ou em comunhão de mão comum, nomeadamente, comunhão hereditária ou comunhão conjugal), especialmente sociedade comercial, que a explora: esta é titular ou proprietária daquela;
– sendo, por isso, objeto de relações jurídicas (direitos, deveres e outras situações jurídicas ativas e passivas).
Empresa vs empresário:
Ora, a empresa em sentido objetivo distingue-se claramente do empresário, isto é, do sujeito de Direito, sobretudo sociedade comercial, que é titular ou proprietário da empresa. A empresa pode, por isso, ser cindida do sujeito de Direito que a explora (empresário). Nesta aceção, o conceito de empresa prescinde do elemento humano e de direção [3]A. Menezes Cordeiro, colab. A. Barreto Menezes Cordeiro, Direito Comercial, op. cit., pág. 332..
4) Sociedade vs empresa em sentido objetivo (empresa-estabelecimento e/ou a empresa-organização de fatores de produção):
Na maioria das vezes, a sociedade explora e é proprietária direta e imediata de uma empresa-estabelecimento/organização de fatores de produção. Contudo, isso nem sempre ocorre [4]Seguiremos de perto, J. M. Coutinho de Abreu, Volume II, op. cit., págs. 40 a 42..
4.1) Sociedades que não exploram empresas (há sociedade, mas não há empresa):
a) Sociedades meramente “nominais”:
Pense-se, por exemplo:
– numa sociedade que foi constituída para explorar uma empresa, mas que só começa a praticar os atos necessários a essa exploração vários meses depois de ter sido constituída. A sociedade já existe, mas ainda não há uma empresa-estabelecimento nem nenhuma organização de fatores de produção: é uma sociedade meramente “nominal” ou “invólucro” (shell company ou shell corporation) [5]A. Menezes Cordeiro, colab. A. Barreto Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades I, op. cit., pág. 221; P. Pais de Vasconcelos, A Participação Social nas Sociedades Comerciais, Almedina, Coimbra, … Continuar a ler;
– ou numa sociedade que foi validamente constituída, exerceu uma atividade, alienou entretanto todos os seus ativos e atualmente já não exerce qualquer atividade (“sociedade fantasma”). Também aqui há uma sociedade meramente “nominal”, uma mera “capa” (fala-se em “compra de capa” a propósito da aquisição destas entidades [6]J. Engrácia Antunes, ibidem.). Assinale-se que a sociedade que não tenha exercido qualquer atividade durante dois anos consecutivos fica sujeita a dissolução administrativa, promovida oficiosamente (por dever de ofício – sem necessidade de requerimento) pelos serviços de registo ou mediante requerimento de qualquer interessado (cfr. arts. 142.º, n.º 1 al. c) e 143.º do Código das Sociedades Comerciais).
Nota: doravante, todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte pertencem ao Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, com as alterações subsequentes [7]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis.
b) Sociedades-veículo (special purpose vehicle [SPV] ou special purpose entity [SPE]):
As sociedades-veículo (special purpose vehicle [SPV] ou special purpose entity [SPE]), também designadas sociedades instrumentais, são sociedades que são constituídas não para exercer uma atividade económica, mas sim para a realização de finalidades específicas nomeadamente para [8]P. Pais de Vasconcelos, op. cit., págs. 27, 28 e 82 a 84, A. Menezes Cordeiro, colab. A. Barreto Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades I, op. cit., pág. 221; Ana Perestrelo de Oliveira, Manual … Continuar a ler:
i) o parqueamento de determinados ativos, como, por exemplo, participações sociais (quotas ou ações), imóveis, etc – ou seja, são sociedades especificamente constituídas para que determinados ativos ou passivos possam ser transmitidos para a sua esfera jurídica e nela permaneçam (ficando assim “estacionados” na sociedade – parking).
Nesta categoria incluem-se as chamadas “sociedades-cofre” que são as sociedades que são constituídas ou instrumentalizadas para o fim exclusivo ou primordial de ocultar, isolar e/ou proteger (“blindar”) todos ou alguns bens de sujeitos que pretendam, por vários motivos, afastá-los do seu património pessoal – a sociedade funciona como um “cofre jurídico” [9]Rui Polónia, Direito das Sociedades Comerciais, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 44 e 206 a 208.;
ii) a deslocalização de lucros ou perdas fiscais (nomeadamente para uma sociedade-veículo constituída noutro País que tenha um regime fiscal mais favorável) ou para outro tipo de operações de planeamento fiscal;
iii) a execução de funções financeiras e/ou administrativas dentro de um grupo de sociedades (empresa plurissocietária), como, por exemplo, para ser a sociedade cúpula do grupo em sistemas centralizados de gestão financeira, como as estruturas de cash pooling (ou seja, para desempenhar a função de cash pool leader), para emitir obrigações (valores mobiliários) com vista a financiar a atividade de todas as sociedades do grupo (como um todo) e/ou para prestar serviços de contabilidade às restantes sociedades do grupo (assinale-se que, neste caso, a sociedade não explora propriamente uma empresa, mas exerce, pelo menos, uma parte da empresa plurissocietária);
iv) isolar o risco de insolvência em relação a determinados ativos;
v) a titularização de créditos (ou “securitização” [securitization]); ou
vi) participar em operações de aquisição de empresas (fusões e aquisições [mergers and acquisitions]);
vii) figurar como sócia comanditada numa sociedade em comandita simples ou em comandita por ações (ver em baixo al. d)); etc….
c) Sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) que sejam, em concreto, holdings puras:
Será também o caso de uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) que, em concreto:
i) para além de ter como único objeto social a gestão de participações sociais (ações ou quotas) noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividade económica
ii) não exerce, complementarmente, nem sequer dentro do perímetro do grupo, qualquer outra atividade, por exemplo, serviços técnicos administrativos e de gestão, informáticos, contabilísticos, etc; isto é, não preste, nem sequer às sociedades nas quais detém licitamente participações sociais, qualquer tipo de serviço ou atividade.
Com efeito, se uma sociedade gestora de participações sociais realizar, em qualquer caso, apenas dentro do perímetro do grupo (atividade «intragrupo» [10]J. Engrácia Antunes, “As Sociedades Gestoras de Participações Sociais”, em Direito das Sociedades em Revista, março de 2009, Almedina, Coimbra, págs. 91 a 101, especialmente … Continuar a ler), um conjunto de atividades complementares à sua atividade principal de gestão ou administração de participações sociais:
– não se pode afirmar que a SGPS explore propriamente uma empresa,
– mas já se pode afirmar que, nesse caso, a SGPS exercerá, pelo menos, uma parte ou fração da empresa plurissocietária (empresa do grupo).
Ora, uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) que não exerce, complementarmente, nem sequer dentro do perímetro do grupo, qualquer outra atividade será, em concreto, uma “holding pura”. Ora, também, nesse caso, existirá uma sociedade, mas já não existirá a exploração de qualquer empresa-estabelecimento / organização de fatores de produção destinada ao exercício de uma atividade económica.
d) Sociedade constituída especificamente para figurar como sócia comanditada numa sociedade em comandita simples ou por ações (“GmbH & Co. KG”):
Será também o caso de uma sociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas ou sociedade anónima (S.A.) constituída especificamente apenas para figurar como sócia comanditada numa sociedade em comandita simples ou em comandita por ações.
“GmbH & Co. KG” – configuração:
Esta última será, portanto, uma sociedade em comandita, simples ou por ações, na qual figura:
– como sócio comanditado (que responde pelas dívidas da sociedade de forma pessoal, ilimitada, subsidiária e solidária), uma sociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas ou uma sociedade anónima (S.A.); e
– como sócios comanditários (que não respondem pelas dívidas da sociedade), os sócios ou acionistas dessa sociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas ou sociedade anónima (S.A.), respetivamente, desde que, em qualquer caso, sejam pessoas singulares ou, pelo menos, não formem uma relação de grupo com a sociedade em comandita [11]J. Engrácia Antunes, Direito das Sociedades, 10ª edição, Edição de Autor, Porto, 2021, pág. 141 e em Direito das Sociedades Comerciais – Perspetivas do seu ensino, Almedina, Coimbra, … Continuar a ler.
Esta possibilidade é, entre nós, expressamente admitida no art. 465.º, n.º 2.
Designação –“GmbH & Co. KG”:
A sociedade em comandita simples ou por ações, que tenha esta configuração é designada na Alemanha abreviadamente “GmbH & Co. KG”, onde é, aliás, muito popular. Em Portugal pode ser designada impropriamente “sociedade em comandita de responsabilidade limitada“.
É uma verdadeira sociedade de responsabilidade limitada (RL):
Trata-se de uma sociedade que é aparentemente de responsabilidade ilimitada, mas que substancialmente constitui uma verdadeira sociedade de responsabilidade limitada (RL) ou, pelo menos, com uma responsabilidade meramente residual, limitada ao valor do património da sociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas ou sociedade anónima (S.A.) que figure como sócia comanditada.
Com efeito, esta última, apesar de ter uma responsabilidade pessoal e ilimitada pelas dívidas da sociedade (em comandita) tem essa responsabilidade circunscrita, nos termos gerais, ao seu próprio património pessoal (J. Engrácia Antunes, Direito das Sociedades, 10ª edição, Edição de Autor, Porto, 2021, pág. 141 e em Direito das Sociedades Comerciais – Perspetivas do seu ensino, Almedina, Coimbra, 2000, pág. 97; mais recentemente e versando especificamente sobre estas sociedades, Tobias Hamann, O New Deal da Sociedade em Comandita em Portugal – Um Mecanismo para a Perpetuação do Poder Societário, Almedina, Coimbra, 2021).
Conclusão:
Ora, a sociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas ou sociedade anónima constituída nestes termos, para figurar como sócia comanditada numa sociedade em comandita simples ou em comandita por ações também não explora uma empresa. Com efeito, nesse caso, a sociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas ou sociedade anónima constituirá um mero expediente jurídico (lícito) para obter uma “GmbH & Co. KG” (“sociedade em comandita de responsabilidade limitada”); ou seja, limitar-se-á a deter as partes sociais na sociedade em comandita.
Será, por isso, de certa forma uma sociedade-veículo (ver em cima al. b)).
e) Sociedades para exercer uma atividade muito rudimentar ou incipiente:
Será ainda o caso de uma sociedade unipessoal por quotas constituída por uma pessoa singular, com um capital social muito reduzido (o capital social mínimo das sociedades unipessoais por quotas é hoje, de 1,00€ [um euro]) para exercer uma atividade que seja de tal forma rudimentar ou incipiente, que não se possa verdadeiramente afirmar que haja, nesse caso, a exploração uma empresa-organização de fatores de produção destinada ao exercício de uma atividade económica.
4.2) Empresas unissocietárias (que são exploradas por uma sociedade) vs empresas plurissocietárias (que são exploradas por um conjunto de sociedades):
Neste contexto de confronto entre a sociedade comercial por um lado, e a empresa enquanto organização de fatores de produção destinada ao exercício de uma atividade económica, por outro, importa também assinalar:
a) que, por vezes, a empresa é explorada por uma única sociedade comercial ou civil sob forma comercial, caso em que há uma empresa unissocietária;
b) mas que, noutras vezes, e cada vez com maior frequência e intensidade, a empresa é, ao invés, explorada por um conjunto mais ou menos vasto de sociedades, caso em que há uma empresa plurissocietária, empresa de grupo ou grupo de empresas [12]Sobre esta distinção, J. Engrácia Antunes, Os grupos de sociedades. Estrutura e organização jurídica da empresa plurissocietária, op. cit., especialmente, págs. 33 a 46 e Ana Perestrelo de … Continuar a ler.
4.3) Empresas que não são exploradas por sociedades (há empresa, mas não há sociedade):
Por outro lado, também pode existir uma empresa sem que, para a respetiva exploração, haja uma sociedade comercial ou sociedade civil sob forma comercial. Esta não é, com efeito, a única forma jurídica das empresas. Há mais sujeitos de Direito que podem explorar empresas para além das sociedades comerciais.
Ver, com desenvolvimento: forma jurídica das empresas.
Assim, uma empresa pode ser explorada:
I) Outras pessoas coletivas:
por outras espécies de pessoas coletivas, nomeadamente:
a) uma cooperativa;
b) um agrupamento complementar de empresas (ACE);
c) um agrupamento europeu de interesse económico (AEIE);
d) em certos termos e na medida em que tal for necessário ou conveniente à prossecução dos seus fins, uma associação;
e) em certos termos e na medida em que tal for necessário ou conveniente à prossecução dos seus fins, uma fundação;
f) em certos termos e na medida em que tal for necessário ou conveniente à prossecução dos seus fins, uma irmandade da misericórdia (“misericórdia”) (que explore, por exemplo, um lar de idosos);
g) em certos termos e na medida em que tal for necessário ou conveniente à prossecução dos seus fins, pessoas coletivas religiosas, especialmente pessoas jurídicas Canónicas (da Religião Católica) dotadas de personalidade jurídica concretamente a Igreja Católica, a Conferência Episcopal Portuguesa e as dioceses, paróquias e outras jurisdições eclesiásticas que, por exemplo, explorem pequenas empresas de venda de arte sacra.
II) Pessoas singulares:
por pessoas singulares, como um empresário em nome individual (ENI) – que é a pessoa singular que explora uma empresa por conta própria (isto é, sem o recurso a uma pessoa coletiva nem a um património autónomo: os efeitos jurídicos decorrentes dessa exploração repercutir-se-ão diretamente na sua esfera jurídica pessoal);
III) Pessoas coletivas rudimentares:
por pessoas coletivas rudimentares dotadas, portanto, de personalidade jurídica rudimentar ou mera subjetividade jurídica [13]A. Menezes Cordeiro, colab. A. Barreto Menezes Cordeiro, op. cit., págs. 320 a 323 e J. M. Coutinho de Abreu, Volume II, op. cit., págs. 169 e 173, respetivamente. como:
a) o estabelecimento comercial de responsabilidade limitada (EIRL) de que uma determinada pessoa singular seja titular;
b) as sociedades comerciais até à data do registo definitivo do respetivo ato constitutivo (contrato ou negócio jurídico unilateral) – correspondem às chamadas sociedades comerciais irregulares por incompletude. É o que ocorre paradigmaticamente se o sujeito ou os sujeitos começam a exercer uma atividade empresarial, sem que tenham sido concluídas todas as fases do processo de constituição da sociedade comercial. Nesse caso já há uma empresa, mas ainda não há uma sociedade comercial perfeitamente constituída;
c) as sociedades civis puras ou simples, que são as sociedades civis sob forma civil que i) estejam exclusivamente sujeitas ao regime dos arts. 980.º a 1021.º do Código Civil e ii) que não estejam inscritas no Registo Nacional de Pessoas Coletivas (como tal, isto é, como pessoas coletivas); ou ainda
IV) Em comunhão de mão comum:
por uma pluralidade de sujeitos de Direito em comunhão “de mão comum” (que dá origem a um “património coletivo”), como:
a) a comunhão hereditária, que é formada por uma pluralidade de herdeiros numa herança indivisa (que é aquela que já foi aceite, mas ainda não foi objeto de partilha); ou
b) a comunhão conjugal, que é composta pelos bens comuns do casal dos cônjuges que estejam casados em regime de comunhão de adquiridos ou em comunhão geral.
4.4) A sociedade é a organização jurídica da empresa, mas não só:
4.4.1) A sociedade é a organização jurídica da empresa:
Nos casos em que a sociedade explora uma empresa em sentido objetivo (empresa-organização de fatores de produção ou empresa-estabelecimento global), a sociedade constitui efetivamente a organização jurídica da empresa: os titulares do órgão de administração e representação da sociedade (gerentes nas sociedades por quotas e nas sociedades unipessoais por quotas e administradores nas sociedades anónimas [S.A.] são as pessoas que gerem a empresa, isto é, são as pessoas que “planificam, dirigem e controlam o processo produtivo” [14]J. M. Coutinho de Abreu, Volume II, op. cit., págs. 40 a 42..
4.4.2) Mas não só:
Contudo, a sociedade não é apenas a organização da empresa. Com efeito, para além de organizar a empresa, a sociedade permite organizar também:
– os direitos e deveres dos sócios, do órgão de administração e representação, do órgão de fiscalização (caso exista – é sempre obrigatório nas sociedades anónimas: revisor oficial de contas e/ou conselho fiscal, comissão de auditoria ou conselho geral e de supervisão), da assembleia geral;
– a separação entre o património dos sócios e o património da sociedade. De facto, a sociedade tem personalidade jurídica e, consequentemente, autonomia patrimonial face ao património do[s] respetivo[s] sócios ou sócio único); por outro lado, os sócios das chamadas “sociedades de responsabilidade limitada” gozam do benefício ou privilégio da responsabilidade limitada, que lhes permite, via de regra, não responder com o seu património pessoal pelas dívidas da sociedade; pelas dívidas da sociedade responde, em princípio, apenas o património da sociedade [15]ibidem.;
– a proteção de terceiros, especialmente credores.
4.5) O património da sociedade pode não coincidir necessariamente com o património empresarial (afeto à empresa de que é titular):
Com efeito, o património da sociedade pode integrar bens e valores que não estão afetos à empresa, isto é, que não são elementos desta [16]ibidem..
Será, por exemplo, o caso de bens imóveis integrados no património da sociedade (sociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas, sociedade anónima [S.A.], etc) que se destinam exclusivamente a servir de casa de morada de Família dos respetivos sócios.
4.6) A empresa pode manter-se incólume se a sociedade for transformada num outro tipo de sociedade:
Por exemplo, se tiver ocorrido:
– a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima;
– a transformação de sociedade unipessoal por quotas (SUQ) em sociedade por quotas (SQ);
– a transformação de sociedade por quotas (SQ) em sociedade unipessoal por quotas (SUQ) [17]ibidem..
4.7) A sociedade pode vender, locar ou onerar a empresa de que é titular; esta, por sua vez, pode-lhe ser penhorada ou apreendida:
4.7.1) Trespasse e cessão de exploração:
A sociedade (sujeito) pode celebrar contratos sobre a empresa (objeto) como:
– o trespasse (transmissão definitiva [alienação ou aquisição] do estabelecimento, que pode operar através de contrato de compra e venda (a sociedade pode comprar ou vender uma empresa – é o mais frequente), doação, dação em cumprimento, entrada em sociedade, etc…); ou,
– a locação ou cessão de exploração (transmissão temporária do estabelecimento), isto é, pode locar (alugar/arrendar) uma empresa, caso em que será locatária ou locadora (ver: locação de estabelecimento comercial), respetivamente.
4.7.2) Oneração – penhor e usufruto:
Por outro lado, a sociedade também pode:
a) empenhar (onerar) a empresa de que é titular para garantia de dívidas, através de penhor; ou
b) ficar titular de um direito real de garantia emergente de um penhor constituído sobre uma empresa de outro sujeito de Direito.
Por outro lado, a sociedade também pode:
a) constituir um usufruto sobre a empresa de que é titular (a empresa também fica onerada neste caso) a favor de outrem (por exemplo, outra sociedade comercial) ou
b) ser beneficiária de um usufruto sobre uma empresa de um outro sujeito de Direito (por exemplo, outra sociedade comercial).
4.7.3) Penhora e apreensão:
Acresce ainda que a empresa de que a sociedade é proprietária ou titular pode ser:
– penhorada, isto é, pode ser apreendida por ordem judicial para o pagamento ao(s) respetivos credor(es) desta, no âmbito de processos executivos ou processos de execução fiscal instaurados contra ela; e/ou
– apreendida por força de declaração de insolvência da sociedade, na sequência de processo de insolvência de que for sujeito passivo (insolvente).
4.8) A sociedade surge normalmente antes da empresa:
a) Tipicamente, a sociedade é constituída antes de haver ainda uma empresa-estabelecimento/organização de fatores de produção. Ou seja, via de regra, a sociedade antecede a empresa [18]ibidem..
b) Porém, o contrário também pode ocorrer: a empresa pode anteceder a sociedade. Com efeito:
– no momento da constituição da sociedade, um sujeito de Direito pode realizar a obrigação de entrada a que está vinculado com a transmissão da propriedade ou titularidade da empresa de que seja titular: será, portanto, uma entrada em espécie; ou
– o estabelecimento individual de responsabilidade limitada (que, como vimos, não goza de personalidade jurídica plena e que deve considerar-se não só um património autónomo, como também, de uma perspetiva material ou substancial, uma empresa-estabelecimento/organização de fatores de produção), pode, a todo o tempo, transformar-se em sociedade unipessoal por quotas, mediante declaração escrita do interessado.
4.9) A sociedade pode subsistir após a extinção da empresa que explorava; mas o contrário também se pode verificar:
4.9.1) A sociedade (sujeito) pode subsistir após a extinção da empresa (objeto):
a) Insolvência – dissolução por declaração de insolvência:
Se a sociedade comercial for declarada insolvente:
i) a empresa compreendida na massa insolvente (empresa-estabelecimento/organização de fatores de produção) da sociedade é alienada como um todo, a não ser que não haja proposta satisfatória ou se reconheça vantagem na liquidação ou na alienação separada de certas partes (art. 162.º, n.º 1 do Código da insolvência e da Recuperação de Empresas [CIRE] [19]Consultar o CIRE no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=85&tabela=leis);
ii) no âmbito do processo de insolvência, depois da alienação da empresa explorada pela sociedade, segue-se o pagamento aos credores, na proporção que lhes couber, de acordo com a graduação dos respetivos créditos;
iii) só com o registo do encerramento do processo de insolvência após o rateio final, é que a sociedade se considera extinta (art. 234.º, n.º 3 do CIRE).
b) Dissolução por qualquer outra causa de dissolução para além da declaração de insolvência:
Se a sociedade comercial for dissolvida em virtude de qualquer outra causa de dissolução que não a declaração de insolvência, aplicar-se-á o regime dos arts. 141.º e seguintes ou, eventualmente, o regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais, constante do anexo III do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março.
Nesse caso:
– a sociedade dissolvida entra imediatamente em liquidação, durante a qual mantém a personalidade jurídica (art. 146.º nºs 1 e 2);
– a empresa compreendida no património da sociedade deve ser alienada: ou em globo, nomeadamente através de trespasse, ou em partes, isto é, através da venda de todos e de cada um dos seus elementos isoladamente considerados (art. 152.º);
– a sociedade só se considera extinta após o registo do encerramento da liquidação (art. 160.º, n.º 2).
4.9.2) Inversamente, a empresa (objeto) também pode subsistir após a extinção da sociedade (sujeito):
a) Insolvência – dissolução por declaração de insolvência:
Se a sociedade comercial for declarada insolvente:
a-a) pode ser aprovado e homologado um plano de insolvência que preveja a transmissão da empresa-estabelecimento/organização de fatores de produção a outra entidade já existente ou criada especificamente para o efeito. É o chamado saneamento por transmissão (arts. 195.º, n.º 2 als. b) e c) e 199.º do CIRE [20]Consultar o CIRE no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=85&tabela=leis);
a-b) na ausência de um plano de insolvência, como já vimos em cima no ponto 4.9.1, a empresa compreendida na massa insolvente (empresa-estabelecimento/organização de fatores de produção) da sociedade é alienada como um todo, a não ser que não haja proposta satisfatória ou se reconheça vantagem na liquidação ou na alienação separada de certas partes (art. 162.º, n.º 1 do Código da insolvência e da Recuperação de Empresas [CIRE]).
Em qualquer destes dois casos, a sociedade comercial que foi declarada insolvente é extinta e a empresa subsiste no património de outro sujeito de Direito (arts. 217.º, n.º 3 al. a) e n.º 5, 230.º, n.º 1 al. b), 234.º, n.º 1 a contrario e n.º 3).
b) Dissolução por qualquer outra causa de dissolução:
Se a sociedade comercial for dissolvida em virtude de qualquer outra causa de dissolução que não a declaração de insolvência a empresa compreendida no património da sociedade deve ser alienada:
– em globo, nomeadamente através de trespasse, ou
– em partes, isto é, através da venda de todos os seus elementos individualmente considerados (art. 152.º).
A sociedade comercial será extinta após o registo do encerramento da liquidação (art. 160.º, n.º 2); também neste caso a empresa subsiste no património de outro sujeito de Direito.
5) Sociedade vs empresa-sujeito de Direito (empresa em sentido subjetivo ou institucional):
5.1) Empresa-sujeito de Direito (empresa em sentido subjetivo ou institucional):
Em sentido subjetivo ou institucional a “empresa” um sujeito de Direito que exerce ou que que se encontra em condições de exercer, direta ou indiretamente, uma atividade com natureza, via de regra, económica destinada, em princípio à obtenção de lucro (empresa enquanto sujeito). Ver, com desenvolvimento, o nosso artigo: empresa – definição e vários sentidos.
Neste sentido subjetivo ou institucional, a empresa é, portanto, um sujeito de Direito, via de regra, uma pessoa coletiva (ou pessoa jurídica), ou seja, é uma entidade, uma instituição. Neste sentido, a empresa confunde-se com o empresário: empresa é o empresário, ou seja, é o sujeito de Direito, via de regra, pessoa coletiva que explora uma empresa em sentido objetivo (empresa-estabelecimento e/ou empresa-organização de fatores de produção).
5.2) Sociedade vs empresa-sujeito de Direito:
Contudo, também neste caso, não há coincidência total entre sociedade comercial (ou civil sob forma comercial) e empresa-sujeito de Direito (empresa em sentido subjetivo ou institucional). Com efeito, há mais empresas para além das sociedades. Ver em cima ponto 4.3.