
1) Definição:
O direito de regresso é um direito de crédito (direito de exigir de outrem a realização de uma prestação), de que é titular o devedor que, no cumprimento de uma obrigação solidária, satisfez, total ou parcialmente, o direito do credor, mas, em qualquer caso, para além da parte que lhe competia e que lhe confere o poder de exigir de cada um dos respetivos condevedores a parte da dívida que lhes compete pagar.
Índice
- 1) Definição:
- 2) Direito de regresso e responsabilidade solidária:
- 3) Direito de regresso:
- 4) Solidariedade imperfeita – devedor tem direito de regresso pleno sobre os outros e nada lhe pode ser exigido:
- 5) Quem tem direito de regresso:
- 5.1) Gerentes ou administradores atingidos pela reversão fiscal:
- 5.2) Seguradoras:
- 5.3) Pluralidade de fiadores:
- 5.4) Sócios das sociedades por quotas pela integração ou pagamento de todas as entradas convencionadas no pacto social:
- 5.5) Sócios das sociedades em nome coletivo e de outras sociedades de responsabilidade ilimitada:
- 5.6) Sociedades de profissionais:
2) Direito de regresso e responsabilidade solidária:
O direito de regresso é uma das consequências da responsabilidade solidária. Vejamos.
Nota: doravante, todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte pertencem ao Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, com as alterações subsequentes [1]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis.
2.1) Responsabilidade solidária – relações externas e relações internas:
A responsabilidade solidária acarreta consequências ao nível das:
– relações externas, que são aquelas que se estabelecem entre o credor e os devedores solidários; e ao nível das,
– relações internas, que são aquelas que os devedores solidários estabelecem entre si e que se concretizam, essencialmente, no direito de regresso de um(uns) devedor(es) contra o(s) outro(s) [2]Sobre esta matéria vide Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, 2009, pág. 670..
2.2) Relações externas – dos devedores perante o credor:
O que caracteriza, em larga medida, a responsabilidade solidária, conferindo-lhe caráter distintivo face às outras modalidades de responsabilidade por obrigações plurais (obrigações que têm dois ou mais devedores) são as suas consequências ao nível das relações externas.
Com efeito, nas dívidas solidárias o credor pode exigir a totalidade da dívida de qualquer um dos devedores; cada um dos condevedores fica, por isso, obrigado a pagar a totalidade da dívida (arts. 512.º, n.º 1 e 519.º, n.º 1).
Por exemplo:
André, tem um crédito sobre Bruno e César no valor de 2000,00€, tendo sido convencionado entre todos o regime da responsabilidade solidária. Bruno tem um património elevado e César tem um património reduzido. Em caso de incumprimento, André pode intentar uma ação judicial a exigir a totalidade do valor em dívida (2000,00€):
– apenas contra Bruno,
– apenas contra César ou
– contra ambos, em litisconsórcio (voluntário).
Se, por hipótese, Bruno cumprir integralmente, tanto Bruno como César ficam exonerados da dívida para com André (cfr. arts. 512.º, n.º 1, 519.º, n.º 1 e 523.º).
Sobre as relações externas na responsabilidade solidária ver, com mais desenvolvimento, o nosso artigo: responsabilidade solidária.
2.3) Relações internas – dos devedores entre si – direito de regresso:
As relações internas na responsabilidade solidária, que são aquelas que os devedores solidários estabelecem entre si, concretizam-se, essencialmente, no direito de regresso de um ou de uns (devedores) contra os outros (condevedores).
3) Direito de regresso:
3.1) Definição – o que é:
O devedor que satisfizer, total ou parcialmente, o direito do credor, mas, em qualquer caso, para além da parte que lhe competir, tem direito de regresso contra cada um dos condevedores (os outros devedores da obrigação solidária), na parte da dívida que a estes compete.
No exemplo que se deu atrás no ponto 2.2: Bruno pagou a André a totalidade da dívida no valor de 2000,00€ e, quer Bruno quer César, beneficiaram, em partes iguais, desse crédito. Assim, neste caso, Bruno tem direito de regresso contra César no valor de 1000,00€.
3.2) Está previsto, em termos gerais, no Código Civil; noção transversal:
O direito de regresso está previsto, em termos gerais, no artigo 524.º do Código Civil, na matéria relativa às obrigações solidárias (responsabilidade solidária).
“Artigo 524.º
(Direito de regresso)
O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete.”
Apesar de constar do Código Civil, esta noção de direito de regresso é transversal a todos os ramos de Direito, por exemplo, no domínio do Contencioso Tributário (reversão fiscal; ver em baixo), etc…
3.3) Pressupostos do direito de regresso:
Assim, são pressupostos do direito de regresso:
– o incumprimento da obrigação (dívida ou débito) solidária por parte de qualquer um ou de todos os devedores solidários;
– o pagamento, total ou parcial, da obrigação solidária ao credor por parte de um ou mais devedores solidários, para além da parte que lhe(s) competia.
3.4) Cada um dos devedores responde apenas pela sua quota-parte da prestação:
Ao nível interno, cada um dos devedores é obrigado a pagar apenas a sua quota-parte da prestação. Pelo que, ao nível interno, entre condevedores, vigora, salvo estipulação das partes em contrário, o regime da conjunção ou da responsabilidade conjunta [3]Mário Júlio de Almeida Costa, op. cit., pág. 677..
I) O credor do direito de regresso é o devedor que pagou, total ou parcialmente, ao credor, mas, em qualquer caso, para além da parte que lhe competia.
II) O devedor ou devedores do (direito de) regresso são os devedores solidários que, perante o credor, não pagaram ou pagaram aquém da sua quota-parte da dívida.
3.5) Medida do direito de regresso de uns devedores face a outros – presume-se que os devedores comparticipam na dívida em partes iguais:
Nas relações internas presume-se que os devedores solidários comparticipam em partes iguais na dívida, exceto se, da relação jurídica entre eles existente, resultar:
– que são diferentes as suas partes;
– que um só deles deve suportar o encargo da dívida; ou ainda,
– que um só deles obtém o benefício do crédito (art. 516.º)
Por exemplo, se forem dois devedores solidários presume-se que a quota-parte de cada um na dívida é de 50%; se forem três, a quota-parte de cada um na dívida é de 33,3%, e assim sucessivamente.
3.6) Insolvência de um dos devedores – quota-parte é dividida por todos:
Se um dos devedores solidários for declarado insolvente ou não puder por outro motivo cumprir a prestação a que está adstrito, a sua quota-parte da dívida é repartida proporcionalmente entre todos os demais, incluindo o devedor solidário que seja credor do direito de regresso (cfr. art. 526.º).
4) Solidariedade imperfeita – devedor tem direito de regresso pleno sobre os outros e nada lhe pode ser exigido:
4.1) O que é:
A solidariedade imperfeita ocorre quando algum ou alguns devedores solidários de uma dívida:
i) têm responsabilidade externa, ficando, por isso, perante o(s) credor(es), obrigados a pagá-la, mas
ii) não têm qualquer responsabilidade ao nível das relações internas.
É o que acontece, por exemplo, nos casos em que um sujeito de Direito, pessoa singular ou coletiva, tem uma intervenção de mero favor, de simples garante, destinada a permitir que outro sujeito obtenha crédito [4]L. M. Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 199 e 200; cfr. ainda, Mário Júlio de Almeida Costa, op. cit., pág. 677..
4.2) Regime:
Neste caso, só um dos devedores solidários é que obtém o benefício do crédito; logo, nesse caso, como vimos em cima, as relações internas não serão equilibradas (cfr. art. 516.º). Com efeito:
i) o sujeito que obteve em exclusivo o benefício do crédito tem a responsabilidade total em sede de relações internas; e
ii) o sujeito que teve uma simples função de garante não tem qualquer responsabilidade em sede de relações internas.
4.3) Consequências – direito de regresso pleno e irresponsabilidade total:
Assim, nestes casos:
– se o devedor solidário que teve uma simples intervenção de favor, de mero garante, pagou a totalidade da dívida perante o credor, pode exigir, a título de direito de regresso, do outro devedor que obteve em exclusivo o benefício do crédito, a totalidade do valor que pagou (tem um direito de regresso pleno);
– se, ao invés, quem procedeu ao pagamento da totalidade da dívida perante o credor da sociedade foi o devedor solidário que obteve, em exclusivo, o benefício do crédito, este não terá qualquer direito de regresso contra o devedor que desempenhou a função de garante.
5) Quem tem direito de regresso:
Podem beneficiar de direito de regresso, caso se verifiquem os respetivos pressupostos, nomeadamente, os:
5.1) Gerentes ou administradores atingidos pela reversão fiscal:
Os
a) gerentes das sociedades por quotas, no caso de gerência plural (composta por dois ou mais gerentes);
b) administradores das sociedades anónimas, nomeadamente que integrem o respetivo conselho de administração; e os,
c) gerentes ou administradores de outros tipos de sociedades comerciais, de sociedades civis sob forma comercial ou de outras pessoas coletivas que:
– em qualquer dos casos, tenham sido alvo de reversão fiscal (reversão do processo de execução fiscal) e que, nessa sequência, tenham pago, com o seu património pessoal, dívidas da respetiva sociedade ou entidade às Finanças e/ou à Segurança Social, para além da parte que lhes competia, têm direito de regresso contra cada um dos co-gerentes ou co-administradores, na parte da dívida que a estes compete
(cfr. arts. 24.º, n.º 1 parte final do proémio da Lei Geral Tributária [LGT] e 21.º, n.º 1; sobre a reversão fiscal cfr., em geral, arts. 22.º, 23.º e 24.º da LGT [5]Consultar a Lei Geral Tributária no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=253&tabela=leis).
5.2) Seguradoras:
A seguradora (ou empresa de seguros) de veículos (automóveis, motociclos e, em geral, todos os veículos terrestres a motor, sujeitos a matrícula) que pagar a indemnização tem direito de regresso:
a) contra o causador do acidente que o tenha provocado dolosamente;
b) contra os autores e cúmplices de roubo, furto ou furto de uso do veículo causador do acidente, bem como, subsidiariamente, o condutor do veículo objeto de tais crimes que os devesse conhecer e causador do acidente;
c) contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos;
d) contra o condutor, se não estiver legalmente habilitado, ou quando haja abandonado o sinistrado; etc… (cfr. art. 27.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, que estabelece o regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel [6]Consultar a versão atualizada do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=973&tabela=leis&so_miolo=.
5.3) Pluralidade de fiadores:
Há pluralidade de fiadores quando uma dívida está garantida por dois ou mais fiadores (a fiança é uma garantia pessoal das obrigações).
Ora, se cumulativamente, i) uma dívida, isoladamente, estiver garantida por dois ou mais fiadores, ii) tiver havido incumprimento por parte do devedor principal, iii) o credor, nessa sequência, exigir a totalidade do valor em dívida de apenas um ou alguns fiadores, nomeadamente através de ação judicial para a cobrança coerciva de dívida, e iv) um ou alguns dos fiadores tiverem procedido ao pagamento total da dívida o fiador ou fiadores que pagaram a dívida ao credor ficam investidos:
– no direito do credor contra o devedor principal por via da sub-rogação legal (cfr. arts. 644.º e 593.º); e, também,
– no direito de regresso contra os fiadores que não pagaram a dívida (art. 649.º, n.º 1).
5.4) Sócios das sociedades por quotas pela integração ou pagamento de todas as entradas convencionadas no pacto social:
Os sócios das sociedades por quotas são responsáveis perante a sociedade, solidariamente (responsabilidade solidária) com os outros sócios, pela integração ou pagamento de todas as entradas convencionadas no pacto social (cfr. arts. 197.º, n.º 1 e 207.º do Código das Sociedades Comerciais [7]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis).
É a chamada ”responsabilidade pela integração do capital social”. Ver, com desenvolvimento, o nosso artigo: sociedade por quotas.
Assim, se um sócio de uma sociedade por quotas tiver que pagar a entrada em falta de um seu consócio fica investido no direito de regresso contra este na proporção do que pagou a mais face ao valor nominal da quota de que é titular.
5.5) Sócios das sociedades em nome coletivo e de outras sociedades de responsabilidade ilimitada:
Os sócios das sociedades em nome coletivo e de outras sociedades de responsabilidade ilimitada (RI) respondem de forma pessoal e ilimitada pelas dívidas da sociedade, subsidiariamente em relação à sociedade, mas solidariamente com todos os sócios.
Logo, também podem beneficiar do direito de regresso se se verificarem os respetivos pressupostos (cfr. art. 175.º, n.º 1 parte final e nº 3 e art. 997.º, n.º 1 do Código Civil).
5.6) Sociedades de profissionais:
As sociedades de profissionais têm direito de regresso contra os sócios, administradores, gerentes ou colaboradores responsáveis pelos atos ou omissões culposos geradores de responsabilidade civil da sociedade ou organização, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis.
(art. 16.º da Lei n.º 53/2015, de 11 de junho, que estabelece o regime jurídico da constituição e funcionamento das sociedades de profissionais que estejam sujeitas a associações públicas profissionais [8]Consultar a Lei n.º 53/2015, de 11 de junho no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2363&tabela=leis&ficha=1&pagina=1&so_miolo=)