
1) Objeto:
A Lei permite, em certos termos, o diferimento das entradas em dinheiro em aumentos de capital social nas sociedades por quotas e nas sociedades unipessoais por quotas.
Ver também:
– diferimento das entradas em dinheiro na constituição de sociedades por quotas e de sociedades unipessoais por quotas, e,
– diferimento das entradas em dinheiro nas sociedades anónimas (S.A.).
Sobre a definição e o regime das entradas em dinheiro, a sua relação com a aquisição de quotas (ou ações) ou o aumento do respetivo valor nominal ver: entradas em dinheiro.
Índice
- 1) Objeto:
- 2) Diferimento das entradas em dinheiro – definição:
- 3) Realização “imediata” (até um ano) e diferimento das entradas em dinheiro:
- 4) Regime do diferimento das entradas em dinheiro:
- 4.1) Montante que pode ser diferido – quase total – totalidade (100%), exceto 1,00€:
- 4.2) Datas certas ou factos certos e determinados:
- 4.3) Pagamento único ou em várias prestações:
- 4.4) Prazos máximos de diferimento? Vencimento após cinco (5) anos:
- 4.5) Dívida de entrada diferida é uma dívida a termo; vencimento e interpelação:
- 4.6) Prestações dos diferentes sócios podem ser: de valores iguais ou de valores diferentes; e ser realizadas ao mesmo tempo ou em momentos diferentes:
- 5) Ágio, prémio de emissão ou prémio de subscrição – proibição de diferimento:
- 6) O regime do art. 268.º, n.ºs 4 e 5 não prevê a possibilidade de vencimento antecipado em aumento de capital social:
Nota: doravante, todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte pertencem ao Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, com as alterações subsequentes [1]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis.
2) Diferimento das entradas em dinheiro – definição:
Reportado apenas às sociedades por quotas e às sociedades unipessoais por quotas, o diferimento das entradas em dinheiro (apenas na parte em que forem computadas no capital social) ou diferimento da realização do capital social é o adiamento do pagamento do valor quase total ou parcial da entrada em dinheiro correspondente ao valor nominal da quota subscrita ou ao montante em que foi aumentado o respetivo valor nominal a que os sócios se vincularam:
– no momento da constituição da sociedade; ou,
– no momento do aumento do capital social por novas entradas em dinheiro.
Em caso de aumento do capital social por novas entradas em dinheiro, a obrigação de entrada tanto pode reportar-se a sócios atuais da sociedade como a não-sócios; estes últimos, porém, passam a ser sócios com a subscrição do aumento de capital social.
3) Realização “imediata” (até um ano) e diferimento das entradas em dinheiro:
Em relação apenas às operações de aumento de capital social por novas entradas em dinheiro, estas (entradas em dinheiro) podem ser:
– imediatamente realizadas, no momento do aumento de capital social por novas entradas em dinheiro; ou, podem ser,
– diferidas.
Contudo, mesmo as entradas que, nos termos da Lei, dos estatutos (pacto social ou contrato) da sociedade ou da deliberação de aprovação do aumento de capital social, devam ser imediatamente realizadas (ou seja, que não são diferidas) podem, em certos termos, ser pagas dentro do prazo máximo de um ano – 12 meses – a contar dessa deliberação.
Sociedades unipessoais por quotas – decisão = “deliberação”:
Assinale-se que nas sociedades unipessoais por quotas não há, em bom rigor, uma “deliberação” em Assembleia Geral regularmente convocada (ou através de qualquer outra forma de deliberação), mas sim uma decisão do sócio único, que deve, contudo, ficar consignada em ata. Doravante, sempre que nos referirmos a “deliberação” deve entender-se que esta abrange não só a deliberação dos sócios propriamente dita como também a decisão do sócio único nas sociedades unipessoais por quotas.
4) Regime do diferimento das entradas em dinheiro:
4.1) Montante que pode ser diferido – quase total – totalidade (100%), exceto 1,00€:
Hoje, nas sociedades por quotas e nas sociedades unipessoais por quotas pode ser diferida a totalidade do valor das entradas (100%), com exceção do valor de, pelo menos, 1,00 € (um euro!), que nos termos da Lei, terá que ser pago:
a) antes da deliberação de aprovação do aumento de capital social, se da respetiva ata constar quais as entradas que já foram realizadas e a indicação de que, naquele momento, não se encontram vencidas e em falta quaisquer outras entradas (art. 88.º, n.º 1); ou,
b) depois da deliberação de aprovação de aumento de capital social – se prazo mais curto não for estipulado, no prazo máximo de um ano a contar da deliberação.
Caducidade da deliberação após 12 meses sem que as entradas tenham sido realizadas:
Com efeito, neste último caso, se o montante não diferido, ou seja, que deva ser imediatamente realizado – pelo menos, 1,00€ – não for pago no prazo máximo de um ano a contar da deliberação de aprovação do aumento de capital social, não poderá ser emitida a declaração a que se refere o art. 88.º, n.º 2 – a declaração emitida por qualquer gerente por escrito e sob sua responsabilidade, de quais as entradas que já foram realizadas e de que, à data em que é feita a declaração, não se encontram vencidas e em falta quaisquer outras entradas:
– quer no caso de se tratar de entradas que deviam ter sido imediatamente realizadas e não foram,
– quer no caso de se tratar de entradas diferidas com um prazo de vencimento inferior a um ano e que, à data em que é emitida a declaração, se encontrem em incumprimento [2]Neste sentido, F. Cassiano Dos Santos, O aumento de capital nas sociedades por quotas e anónimas, Petrony Editora, Coimbra, 2020, págs. 45 a 48. Contra, entendendo que a declaração a que se … Continuar a ler.
Ora, a deliberação de aumento do capital social caduca no prazo de um ano, caso essa declaração não possa ser emitida nesse prazo por falta de realização das entradas (art. 89.º, n.º 3).
Em qualquer caso, trata-se de um regime, no mínimo, bizarro. Contudo, a letra da Lei, concretamente do art. 199.º al. b), conjugado com os arts. 89.º, n.º 1 e 219.º, n.º 3, não abre margem para outra interpretação [3]P. Tarso Domingues, O Financiamento… op. cit., págs. 129 e 131..
4.2) Datas certas ou factos certos e determinados:
O diferimento das entradas em dinheiro é possível desde que o pagamento das entradas diferidas:
– fique convencionado para datas certas (é o caso mais frequente de se convencionar: pagamentos periódicos mensais ou anuais); ou,
– fique dependente de factos certos e determinados (art. 203.º, n.º 1).
4.3) Pagamento único ou em várias prestações:
O valor da entrada pode ser diferido:
– na totalidade (100% do valor da entrada menos 1,00€) para uma única data acordada (por exemplo, cinco anos) ou para um único facto certo e determinado; ou,
– pode ser repartido, fracionado ou dividido em várias partes (“prestações”), por exemplo, através de pagamentos mensais ou anuais.
4.4) Prazos máximos de diferimento? Vencimento após cinco (5) anos:
Em qualquer dos casos, a totalidade do montante diferido que esteja por pagar vence-se (vencimento), isto é, passa a poder ser exigida pela sociedade, a partir do momento em que se cumpra o período de cinco anos sobre a deliberação do aumento de capital (art. 203.º, n.º 1).
Se for estipulado um prazo de diferimento superior a cinco anos, essa cláusula não será contrária à Lei; logo, não será nula. Nesse caso, a cláusula é válida, mas a sociedade pode exigir as entradas em falta decorridos cinco anos [4]Neste sentido, A. Manuel Triunfante, O regime das entradas na constituição das sociedades por quotas e anónimas, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, págs. 240 a 242; em sentido contrário, defendendo … Continuar a ler.
4.5) Dívida de entrada diferida é uma dívida a termo; vencimento e interpelação:
Obrigação a termo ou a prazo:
Quando é acordado o diferimento da entrada do sócio, a dívida do sócio para com a sociedade em relação à respetiva entrada é uma obrigação a termo ou a prazo. A dívida já se constituiu, é válida e é eficaz; porém, só é exigível quando ocorrer o respetivo vencimento.
Prazo de diferimento vs vencimento – necessidade de interpelação:
Nos termos gerais, as obrigações a termo ou a prazo vencem-se automaticamente, sem necessidade de interpelação do credor (art. 805.º, n.ºs 1 e 2 al. a) do Código Civil [5]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis).
Porém, nas obrigações de entrada dos sócios estabelece-se uma exceção: o decurso do prazo estipulado para o pagamento da entrada não basta para fazer operar o vencimento da dívida (passando esta a ser exigível). Com efeito, a Lei determina que “não obstante a fixação de prazos no contrato de sociedade, o sócio só entra em mora depois de interpelado pela sociedade para efetuar o pagamento, e, prazo que pode variar entre 30 e 60 dias.” (art. 203.º, n.º 3, aplicável por força do art. 89.º, n.º 1).
4.6) Prestações dos diferentes sócios podem ser: de valores iguais ou de valores diferentes; e ser realizadas ao mesmo tempo ou em momentos diferentes:
A Lei determina que, salvo acordo em contrário, as prestações por conta das quotas dos diferentes sócios devem ser simultâneas e representar frações iguais do respetivo montante (art. 203.º, n.º 2). Trata-se de uma manifestação do princípio da igualdade de tratamento dos sócios [6]P. Tarso Domingues, O Financiamento…, op. cit., págs. 126 e 127..
Assim, se num aumento de capital social por novas entradas em dinheiro se pretender estipular prestações desiguais para os vários sócios, quer no montante a realizar imediatamente e/ou a diferir, quer no prazo de diferimento, exige-se que a deliberação de aprovação de aumento do capital social e da necessária alteração do contrato de sociedade (pacto social ou estatutos) seja aprovada por unanimidade [7]Neste sentido, P. Tarso Domingues, O Financiamento… op. cit. págs. 125 a 127; em sentido contrário, entendendo que pode ser suficiente uma deliberação por maioria qualificada, desde que o … Continuar a ler de todos os sócios, sob pena de anulabilidade da deliberação, não sendo, por isso, suficiente a verificação do quórum deliberativo de:
– ¾ (75%) dos votos correspondentes ao capital social, ou
– por número ainda mais elevado de votos eventualmente exigido pelo contrato de sociedade (por exemplo, 4/5 – 80%), ou ainda,
– no caso de um ou mais sócios terem voto plural (cfr. art. 250.º, n.º 2), por maioria de ¾ dos votos, mesmo que as quotas dos sócios que emitam os votos favoráveis não representem ¾ (75%) do capital social (art. 265.º, n.º 1).
5) Ágio, prémio de emissão ou prémio de subscrição – proibição de diferimento:
5.1) O que é o ágio:
Reportado apenas às entradas em dinheiro nas sociedades por quotas e sociedades unipessoais por quotas, o ágio, prémio de emissão ou prémio de subscrição corresponde à diferença entre o valor da entrada que o sócio realizou ou a cuja realização se obrigou perante a sociedade e o valor nominal da quota que subscreveu como contrapartida por essa entrada.
Por outras palavras, o ágio corresponde à diferença para mais entre o valor nominal da quota e a quantia que os sócios desembolsaram ou se obrigaram a desembolsar para adquiri-la [8]Sobre o ágio, prémio de emissão ou prémio de subscrição vide P. Tarso Domingues, O Financiamento… op. cit., págs 278 a 284; Ana Perestrelo de Oliveira, Manual de Corporate Finance, 2ª … Continuar a ler.
Ágio = valor da entrada – valor nominal da quota.
Valor da entrada = valor nominal da quota + ágio, se houver.
Ou seja, o ágio é a parcela do valor da entrada suportada pelo sócio que não é computada no capital social.
5.2) Razão de ser do ágio:
Na maioria das vezes, o ágio existe porque o valor real (valor contabilístico ou valor de mercado) da quota a subscrever é superior ao respetivo valor nominal. O ágio é mais frequente nos aumentos de capital social. Porém, nada obsta a que também haja ágio aquando da constituição da sociedade comercial [9]P. Tarso Domingues, O Financiamento, op. cit., pág. 279 e J. Engrácia Antunes, Capital próprio, reservas legais especiais e perdas sociais, Sciencia Ivridica n.º 313, Universidade do Minho, … Continuar a ler.
5.3) O ágio não é computado no capital social: fica sujeito ao regime da reserva legal, até ao respetivo limite (art. 295.º, n.º 2 al.a)).
5.4) O ágio não pode ser diferido:
O art. 277.º, n.º 2 determina a proibição de diferimento do ágio. Este regime é diretamente aplicável apenas às sociedades anónimas (S.A.); contudo, deve aplicar-se, por analogia, também às sociedades por quotas [10]Neste sentido, P. Tarso Domingues, O Financiamento… op. cit., pág. 284. Contra, A. Manuel Triunfante, op. cit., págs. 164 e 247 a 252..
Assim, se, por exemplo, num aumento de capital social por novas entradas destinado a um não-sócio numa sociedade por quotas ou sociedade unipessoal por quotas for convencionado o diferimento da parcela do valor da entrada correspondente ao valor nominal da quota subscrita (computada no capital social), mas houver lugar também a ágio (porque, por exemplo, o valor de mercado da quota ultrapassa o respetivo valor nominal):
– a parcela do valor da entrada correspondente ao valor nominal da quota pode ser totalmente, ou melhor, quase totalmente (1,00€ – ver acima ponto 4.1)) ou parcialmente diferida;
– mas o ágio não pode, em qualquer caso, ser diferido: deve ser imediatamente realizado.
6) O regime do art. 268.º, n.ºs 4 e 5 não prevê a possibilidade de vencimento antecipado em aumento de capital social:
O regime do art. 268. nºs 4 e 5 determina que um terceiro não sócio que participa num aumento de capital social por novas entradas numa sociedade por quotas ou numa sociedade unipessoal por quotas, que já tenha procedido ao pagamento da sua entrada, pode notificar a sociedade para que esta emita a declaração prevista no art. 88.º, n.º 2: ou seja, a declaração emitida por qualquer gerente por escrito e sob sua responsabilidade, de quais as entradas que já foram realizadas e de que, à data em que é feita a declaração, não se encontram vencidas e em falta quaisquer outras entradas.
Neste caso, se a sociedade não emitir a declaração prevista no art. 88.º, n.º 2:
– a deliberação de aumento de capital social caduca, e,
– o sócio pode exigir a restituição da entrada efetuada e a indemnização pelos danos causados que no caso couber (art. 268.º, n.ºs 4 e 5).
Ora, a aplicação deste regime pode fazer reduzir o prazo máximo de um ano para o pagamento das entradas que devam ser imediatamente realizadas.
Contudo, este regime aplica-se apenas para as entradas que, nos termos da Lei, do pacto social (contrato de sociedade ou estatutos) ou da deliberação de aprovação do aumento de capital social, devam ser imediatamente realizadas. Não se aplica nos casos de diferimento de entradas em dinheiro. Logo, não impõe o vencimento ou exigibilidade antecipados das entradas diferidas [11]F. Cassiano Dos Santos, op. cit., págs. 45 a 48., entende que P. Tarso Domingues defende que o art. 268.º, ns.º 4 e 5 impõe o vencimento ou exigibilidade antecipados das entradas diferidas, … Continuar a ler.