Contrato – definição e características

Atualizado em 2023/08/09


1) Definição (conceito) de contrato:

1.1) Definição:

Em face da Lei Portuguesa, contrato é um acordo (pacto ou convenção) juridicamente vinculativo (“vinculativo por força da Lei”) entre duas ou mais partes, pelo qual se produzem, via de regra, apenas na esfera jurídica destas, determinados efeitos jurídicos, nomeadamente a constituição, transmissão, modificação e/ou extinção de direitos, deveres e, eventualmente, outras posições (situações / relações) jurídicas ativas e passivas, que é formado pelas respetivas declarações de vontade, com conteúdos, via de regra, diversos, prosseguindo distintos interesses e fins, muitas vezes opostos, mas que se ajustam reciprocamente para a prossecução de um resultado unitário, que a Ordem Jurídica conforma, de um modo geral, em concordância com a intenção objetivamente apreendida dos seus autores [1]Esta definição conjuga elementos das definições de contrato e de negócio jurídico de Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, págs. … Continuar a ler.


Notas:
i) todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte pertencem ao Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, com as alterações subsequentes [2]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis;
ii) as disposições legais que pertencem ao Código Civil que forem indicadas juntamente com disposições legais que pertencem a outros diplomas legais são acompanhadas da expressão “do CC”.

1.2) Definição completa – decomposição da definição em várias partes:

Em face da Lei Portuguesa, o contrato é um:

i) acordo (pacto ou convenção):

Ou seja, estruturalmente é um encontro ou fusão de duas ou mais declarações de vontade [3]A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil VII, op. cit., pág. 171. (aquelas pelas quais se exprime uma intenção) ou comportamentos tal como foram objetivamente (de fora, externamente ou socialmente [4]C. A. Mota Pinto, A. Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, op. cit., pág. 414 e 415.) apercebidas(os), tradicionalmente designadas:
i) proposta contratual ou oferta e
ii) aceitação (arts. 217.º a 235.º).

ii) via de regra, voluntário:

Que, portanto, resulta, em princípio, da livre vontade ou do livre arbítrio das partes (free choice) (excetuam-se, contudo, as obrigações legais de contratar);

iii) juridicamente vinculativo – “vinculativo por força da Lei” [5]J. M. Sérvulo Correia, op. cit., pág. 344.):

É um pacto ou acordo colocado sob a alçada do Direito [6]J. M. Antunes Varela, op. cit., pág. 217., ou seja:

i) é um pacto reconhecido pelo Ordenamento jurídico, dentro dos limites deste, como válido e eficaz (arts. 405.º e 406.º) – é dotado de dignidade legal;

ii) tem força vinculativa ou obrigatória para as partes (tem “força de Lei para aqueles que o celebraram” [7]Expressão muito lapidar e sugestiva que é empregue pelo Código Civil Francês (Code Civil) no respetivo art. 1103.º – consultar no link: … Continuar a ler), devendo, por isso, ser integralmente cumprido por estas, em todos os aspetos (deve ser pontualmente cumprido, isto é, deve ser cumprido ponto por ponto, aspeto por aspeto [e não apenas em relação aos prazos]), só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (pacta sunt servanda) (art. 406.º),

iii) sendo, por isso, também dotado de coercibilidade ou coatividade (enforcement) – é um pacto sancionável em juízo, junto dos Tribunais; é um pacto cujo incumprimento faz ativar um “complexo mecanismo sancionatório”, um verdadeiro “aparato coercivo” [8]Enzo Roppo, Tradução de Ana Coimbra e M. Januário da Costa Gomes, op. cit., págs. 15 a 24..

Ler os artigos 405.º e 406.º do Código Civil


Assim, o contrato:

i) para além de conferir ao credor das dívidas que emergem do contrato o direito de exigir junto dos Tribunais judiciais ou arbitrais (estes últimos têm competência apenas para o processo declarativo: não para o processo executivo) o seu cumprimento coercivo ou coativo (art. 817.º),
ii) gera, para a parte que o incumpriu, responsabilidade civil contratual perante a contraparte por todos os danos causados com o incumprimento (obrigação de indemnizar) (arts. 798.º e 799.º),
iii) incluindo a responsabilidade civil pelo valor em dinheiro correspondente às custas processuais que, em concreto, se verificarem, que abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (arts. 3.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais [10]constante do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, com as alterações subsequentes – consultar o RCP no link: … Continuar a ler);

iv) podendo o credor, para a cobrança de todos estes créditos, mas agora só junto dos Tribunais judiciais, executar coercivamente todo o património do devedor (art. 817.º), concretamente todos os bens, incluindo dinheiro, e rendimentos do devedor suscetíveis de penhora (art. 601.º);
v) podendo, inclusivamente, para a realização da penhora ou apreensão de bens imóveis, bens móveis sujeitos a registo e bens móveis não sujeitos a registo, respetivamente o agente de execução nomeado em processo executivo (execução singular) ou o administrador judicial nomeado em processo de insolvência (execução universal) solicitar diretamente o auxílio das autoridades policiais (“força pública”) (cfr. arts. 757.º, 764.º, n.º 4, 767.º, 768.º, n.º 3, al. a) e também 150.º, n.º 7 do CPC, aplicáveis ao processo de insolvência por força do art. 17.º do CIRE);

vi) sem prejuízo da aplicação ou suscetibilidade de aplicação, em concreto, de outras consequências jurídicas desfavoráveis para a parte incumpridora nomeadamente:

a) responsabilidade disciplinar, por exemplo, num contrato de mandato celebrado entre um Advogado e um cliente, se existir incumprimento culposo por parte daquele com violação dos deveres deontológicos a que está vinculado;
b) possibilidade de destituição com justa causa, por exemplo, num contrato de administração celebrado entre um gerente ou administrador e uma sociedade comercial (sociedade por quotas, sociedade anónima [S.A.], etc), se existir incumprimento culposo por parte daquele com violação grave dos respetivos deveres cfr. arts. 257.º e 403.º do Código das Sociedades Comerciais [11]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis);

iv) assente sobre duas ou mais declarações de vontade (ou, se se preferir, “declarações negociais”) ou comportamentos tal como foram objetivamente (de fora, externamente ou socialmente [12]C. A. Mota Pinto, A. Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, op. cit., págs. 379, 414 e 415.) apercebidas(os),

iv-i) expressas ou tácitas;

iv-ii) meramente verbais ou sujeitas, por imposição da Lei ou por vontade das partes, a forma especial, concretamente:

a) a forma escrita, isto é, à obrigatoriedade de constar de um documento particular ou de documento autêntico, concretamente escritura pública; e eventualmente, no primeiro caso,
b) a formalidades, como o reconhecimento presencial de assinaturas ou o termo de autenticação (será, neste último caso, um documento particular autenticado).

Definições:

Forma do contrato – é o modo por que se exteriorizam (o “aspeto exterior” ou a “roupagem exterior”) (d)as declarações negociais que formam o contrato [13]P. Pais de Vasconcelos, op. cit., págs. 700 e 701; A. Menezes Cordeiro, Tratado II, op. cit., pág. 164; L. A. Carvalho Fernandes, op. cit., pág. 289, J. Castro Mendes, op. cit., pág. 93, C. … Continuar a ler.
Documento – qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto (art. 362.º).
Documento particular – todos os documentos que não forem autênticos (art. 363.º, nºs 1 e 2). Destacam-se os documentos escritos e assinados pelas partes.
Documento particular autenticado (DPA) – documento particular que foi sujeito a termo de autenticação, isto é, que foi confirmado pelas partes perante entidade notarial (art. 363.º do CC e arts. 35.º, n.ºs 1 e 3, 150.º e 151.º do Código do Notariado [14]Consultar o Código do Notariado no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=457&tabela=leis).
Termo de autenticação – é uma formalidade efetuada por uma entidade notarial (notário, Advogado, etc) pela qual as partes declaram que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade (art. 363.º do CC e arts. 150.º e 151.º do Código do Notariado). Ou seja, o termo de autenticação visa assegurar que a vontade declarada no documento corresponde à vontade real das partes.
Documento autêntico – documento exarado, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de atividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública (art. 363.º, nºs 1 e 2 do CC). São autênticos os documentos exarados pelo notário nos respetivos livros, ou em instrumentos avulsos, e os certificados, certidões e outros documentos análogos por ele expedidos (art. 35.º, nºs 1 e 2 do Código do Notariado). São nomeadamente documentos autênticos as escrituras públicas (hoje mais raras) (arts. 35.º, n.º 2, 36.º, nºs 1 e 3 e 80.º a 102 do Código do Notariado).

Formato dos documentos – podem ser documentos:
a) em formato de papel; ou
b) em formato eletrónico, incluindo digital (ver em baixo).

Documento eletrónico – qualquer conteúdo armazenado em formato eletrónico, nomeadamente texto ou gravação sonora, visual ou audiovisual (art. 3.º, al. 35) do Regulamento da UE n.º 910/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014, relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado interno e que revoga a Diretiva 1999/93/CE [15]Consultar o Regulamento da UE n.º 910/2014 no link: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32014R0910).

Ver mais sobre documentos eletrónicos

iv-iii) em princípio, com intenção de produção de efeitos prático-jurídicos, com vontade ou consciência de vinculação jurídica:

Isto é:

– são especificamente dirigidas à celebração de um contrato (têm um certo conteúdo de vontade negocial ou contratual: são declarações negociais ou contratuais), isto é, são emitidas com a consciência e intenção de produzir certos efeitos prático-jurídicos;
– os declarantes visam realizar certos resultados práticos, com a vontade de vinculação jurídica, ou seja, com a intenção de que esses resultados práticos sejam juridicamente tutelados e vinculativos (ver em cima ponto 1.2-iii) (vontade de efeitos prático-jurídicos) [16]C. A. Mota Pinto, A. Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, op. cit., págs. 380 a 383 e 413; J. Oliveira Ascensão, op. cit., págs. 30, 75 e 76; L. A. Carvalho Fernandes, op. cit., págs. 50 e 51.;

Mais excecionalmente – prevalência da aparência da declaração sobre a vontade interior da parte:

Mais excecionalmente, admite-se, contudo, que não obstante a falta de vontade/intenção de vinculação jurídica de uma ou de ambas (todas) as partes, estas possam ficar vinculadas por força de imperativos de tutela da confiança da contraparte e do tráfico (mercado) em geral, concretamente, neste último caso, de certeza, segurança, credibilidade do instituto do contrato e de tutela da confiança no seu funcionamento eficaz [17]J. Sousa Ribeiro, Direito dos Contratos – Estudos, op. cit., pág. 59. (prevalência da aparência da declaração sobre a vontade interior da parte [18]Sobre esta matéria e com remissão para outros Autores, Mafalda Miranda Barbosa, op. cit., págs. 569, 575 e 576.).

Contratos vs “acordos de cortesia” e “acordos de cavalheiros” (gentlemen’s agreements):

Ora, este elemento permite distinguir o contrato dos “acordos de cortesia” e dos “acordos de cavalheiros” (gentlemen’s agreements).

Na dúvida, nomeadamente em caso de litígio, a delimitação entre o contrato, por um lado, e os “acordos de cortesia” e os “acordos de cavalheiros” (gentlemen’s agreements), por outro, deve ser feita atendendo a vários critérios objetivos tais como:
– o da onerosidade ou gratuitidade da prestação (a prestação é onerosa se tiver conteúdo patrimonial ou económico, isto é, se for em dinheiro ou suscetível de avaliação em dinheiro; é gratuita no caso contrário) (deve entender-se que este critério é, de entre todos, o mais importante);
– os usos ou costumes sociais ou da praxis empresarial;
– as relações entre as partes (familiares, de amizade, meramente empresariais, etc);
– as circunstâncias concretas de cada caso; entre outros [19]Heinrich Ewald Hörster e Eva Sónia Moreira da Silva, op. cit., pág. 461..

iv-iv) com conteúdos, via de regra, diversos, prosseguindo distintos interesses e fins, muitas vezes opostos, mas que se ajustam reciprocamente para a produção de um resultado unitário [20]Mário Júlio de Almeida Costa, op. cit., pág. 220..

É o que ocorre nos contratos comutativos como o contrato de compra e venda (uma parte quer comprar e a outra parte quer vender), o contrato de arrendamento, etc. Contudo, também são contratos:

a) os contratos de organização, como o contrato de sociedade comercial ou de sociedade civil sob forma comercial, cuja inscrição definitiva no registo comercial tem como efeito o surgimento de novos sujeitos de Direito [21]J. M. Coutinho de Abreu, Curso De Direito Comercial – Das Sociedades, Volume II, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, pág. 103., dotados, portanto, de personalidade jurídica (plena). Neste caso, as partes, mesmo que tenham interesses distintos (cada uma com a sua própria agenda), emitem declarações negociais de conteúdo idêntico: constituir uma sociedade; e

b) os contratos de cooperação ou colaboração empresarial, pelos quais as partes estabelecem relações duradouras para a realização de um fim económico comum ou partilhado [22]J. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 389 a 392., como o contrato de consórcio e o contrato de associação em participação (ver o nosso artigo: joint venture em Portugal).

v) pelo qual se produzem determinados efeitos jurídicos (o contrato é, nomeadamente, uma fonte de obrigações/créditos):

Pelo qual ou por força do qual se produzem determinados efeitos jurídicos, nomeadamente a constituição, transmissão, modificação e/ou extinção de direitos, deveres e, eventualmente, outras posições (situações / relações) jurídicas ativas e passivas:

a) de natureza obrigacional (créditos/dívidas), com ou sem conteúdo patrimonial/económico (em dinheiro ou suscetível de avaliação em dinheiro), desde que, neste último caso, corresponda a um interesse do credor digno de proteção legal cfr. arts. 397.º e 398.º) (na verdade, o contrato é a mais importante fonte de obrigações em sentido restrito [dívidas ou débitos] e dos correspondentes créditos ou direitos de crédito); mas também,

Ler os artigos 397.º e 398.º do Código Civil

b) de natureza real (por exemplo, o contrato de compra e venda de um bem, móvel ou imóvel, que gera a transmissão da propriedade desse bem);
c) de natureza familiar (em face da Lei Portuguesa, o casamento é um contrato);
d) de natureza sucessória (pactos sucessórios [cfr. arts. 2026.º, 2028.º, 1700.º a 1705.º] e contratos de aquisição/alienação, especialmente compra e venda, de herança ou de quinhão hereditário [cfr. arts. 2124.º a 2130.º]);

e) societária (do registo definitivo de um contrato de sociedade comercial ou de sociedade civil sob forma comercial emerge um novo sujeito de Direito, dotado de personalidade jurídica [plena], com aptidão, portanto, para ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações, sendo oponível erga omnes [23]A. Menezes Cordeiro, colab. de A. Barreto Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades I, 5ª edição Almedina, Coimbra, 2022, págs. 191 e 222. [face a todos os outros sujeitos de Direito]: a sociedade comercial ou a sociedade civil sob forma comercial, respetivamente; por outro lado, os acordos parassociais e os contratos de suprimento também são contratos);

f) processual (por exemplo, a transação civil judicial destinada a pôr termo a um litígio judicial pendente mediante recíprocas concessões é um contrato – cfr. arts. 1248.º e 1249.º);
g) de Direito Administrativo – são os designados “contratos públicos”, que estão regulados no Código dos Contratos Públicos.

vi) via de regra, apenas para as partes,

Excecionalmente, o contrato também pode produzir efeitos jurídicos para além da esfera jurídica privativa das partes. Com efeito, por exemplo:

a) do registo definitivo de um contrato de sociedade comercial ou de sociedade civil sob forma comercial emerge um novo sujeito de Direito, dotado de personalidade jurídica (plena), com aptidão, portanto, para ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações, sendo oponível erga omnes [24]A. Menezes Cordeiro, colab. de A. Barreto Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades I, 5ª edição Almedina, Coimbra, 2022, págs. 191 e 222. (face a todos os outros sujeitos de Direito): a sociedade comercial ou a sociedade civil sob forma comercial, respetivamente;

b) no contrato a favor de terceiro regulado nos arts. 443.º a 451.º, o terceiro beneficiário (C) não é uma parte (A e B) no contrato – o contrato não o vincula -, mas adquire direitos subjetivos em virtude deste [25]Assinalam este aspeto, Pedro Pais de Vasconcelos e P. Leitão Pais de Vasconcelos, op. cit., págs. 415 e 416.;

vii) que a Ordem Jurídica conforma, de um modo geral, em concordância ou com a intenção objetivamente apreendida dos seus autores [26]Mário Júlio de Almeida Costa, op. cit. pág. 220..

Ou seja, o ordenamento jurídico determina a produção de efeitos jurídicos conformes à intenção manifestada pelo declarante ou declarantes [27]C. A. Mota Pinto, A. Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, op. cit., pág. 379..

2) “Contrato” – várias perspetivas / sentidos e características:

2.1) Várias perspetivas / sentidos:

Em sentido técnico-jurídico:

A palavra “contrato” exprime um conceito unitário; contudo, pode ser analisado sob várias perspetivas. Assim, o contrato é sempre, simultaneamente:
i) um acordo;
ii) a relação jurídica emergente do acordo; e
iii) a regulamentação criada pelas partes no acordo [28]J. M. Antunes Varela, op. cit., págs. 211 a 219; também, neste sentido, quanto ao negócio jurídico, ainda que com uma terminologia diferente, J. Oliveira Ascensão, op. cit., págs. 76 e 77.. Ver em baixo ponto 3.

Outro sentido:

Por outro lado, em linguagem corrente e mesmo na praxis empresarial, a palavra “contrato” também é empregue para designar a forma escrita do acordo, isto é, o documento escrito (em formato de papel ou em formato digital [por. ex. PDF]) onde assenta o acordo. Ora, o contrato-forma escrita do acordo pode ser:
– obrigatório nuns casos ou
– meramente eventual noutros. Assim, nestes últimos casos, pode haver contrato mas não haver forma escrita (o que, aliás, ocorre com frequência). Ver em baixo ponto 4.

2.2) Características:

O contrato é:
– um facto jurídico, um ato jurídico e um negócio jurídico bilateral;
– uma fonte de obrigações/créditos e de deveres, direitos e outras posições jurídicas de outra natureza;
– uma manifestação de autonomia privada e de liberdade das pessoas. Ver em baixo ponto 5.

3) Contrato – i) acordo, ii) relação jurídica emergente do acordo e iii) regulamentação criada pelo acordo:

3.1) Contrato – acordo:

Corresponde à definição que apresentámos em cima no ponto 1. De facto, estruturalmente, o contrato é um acordo, ou seja, é um encontro ou fusão de duas ou mais declarações de vontade ou comportamentos tal como foram objetivamente (de fora, externamente ou socialmente [29]C. A. Mota Pinto, A. Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, op. cit., págs. 379, 414 e 415.) apercebidas(os), tradicionalmente designadas:
– proposta contratual ou oferta e
– aceitação (arts. 217.º a 235.º).

3.2) Contrato – relação jurídica:

Pelo menos nos contratos de prestações duradouras, incluindo os contratos de execução continuada, especialmente os que foram sujeitos, por imposição da Lei ou por vontade das partes, a forma especial, concretamente a forma escrita e, eventualmente, a formalidades (como o reconhecimento presencial de assinaturas ou o termo de autenticação), o contrato é:
– não apenas o ato jurídico ou o acordo de vontades dos contraentes propriamente dito, gerador de direitos, obrigações e/ou outros efeitos jurídicos
– como também a própria relação jurídica emergente do acordo [30]J. M. Antunes Varela, op. cit., pág. 218; também, neste sentido, quanto ao negócio jurídico, ainda que com uma terminologia diferente, J. Oliveira Ascensão, op. cit., págs. 76 e 77..

3.2.1) Por exemplo:

– o contrato de casamento é não apenas o ato momentâneo que os nubentes realizam perante o oficial público ou o ministro da religião, como também a comunhão de vida que os cônjuges realizam entre si, na sequência do ato matrimonial [31]J. M. Antunes Varela, op. cit., pág. 218..

– o contrato de trabalho é não apenas o ato jurídico momentâneo, sujeito eventualmente a forma escrita voluntária (documento escrito e assinado pelas partes – cfr. art. 110.º do Código do Trabalho e art. 222.º do CC) como também a relação jurídica subsequente à celebração do acordo para a formação do contrato.

STJ – A este respeito, importa assinalar que também que se devem qualificar como contrato de trabalho as situações de facto nas quais se verifiquem, em concreto, os elementos essenciais desse tipo contratual. Assim, por exemplo, «não obstante as partes terem celebrado um contrato que denominaram de prestação de serviços, deve o mesmo ser qualificado de trabalho por se evidenciar que o autor (vendedor/comissionista de automóveis) cumpria um horário de trabalho fixado pela ré (que se dedica à comercialização de veículos automóveis), que lhe fornecia os equipamentos necessários ao exercício da actividade, incluindo um veículo automóvel, obedecia às ordens que recebia dos seus superiores hierárquicos, a quem prestava contas, no final de cada dia…» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2008/01/23 [32]Processo n.º 07S3521; Relator: Sousa Grandão; link: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/CEAF497A5041F63180257443003E1588).

3.3) Contrato – regulamentação criada pela partes:

Numa outra perspetiva ainda, o contrato é não o acordo ou ato jurídico gerador de direitos e obrigações para as partes, nem a relação jurídica criada por este, mas sim a regulamentação, regras ou regime criado livremente pelas partes com vista a disciplinar os seus interesses [33]J. M. Antunes Varela, op. cit., págs. 218 a 220; também, neste sentido, quanto ao negócio jurídico, ainda que com uma terminologia diferente, J. Oliveira Ascensão, op. cit., págs. 76 e 77..

A palavra “contrato” é empregue neste sentido quando, por exemplo, se afirma: “essa conduta viola o contrato” ou “nos termos do contrato deve ser adotado determinado comportamento”.

Sob este ponto de vista, o contrato é:
i) uma regulamentação privada – são as regras ou o regime criado pela partes ao abrigo da sua autonomia privada; e
ii) uma regulamentação privativa das partes – as normas reguladoras da atuação das partes não são gerais (dotadas de generalidade), mas sim particulares: destinam-se a regular apenas as relações jurídicas das partes ou, pelo menos, vinculam apenas as partes.

O contrato não é, por isso, fonte de Direito; é apenas lex privata: “tem força de Lei para aqueles que os celebraram” [34]Expressão muito lapidar e sugestiva que é empregue pelo Código Civil Francês (Code Civil) no respetivo art. 1103.º – consultar no link: … Continuar a ler, devendo, por isso, ser integralmente cumprido pelas partes, em todos os seus pontos (ponto por ponto, aspeto por aspeto), só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (pacta sunt servanda) (art. 406.º).

Assim, os contratos são «atos de autovinculação das partes ou, pelo menos, de autorregulação de efeitos jurídicos» [35]J. Oliveira Ascensão, op. cit., pág. 76..

4) Contrato – documento escrito (forma escrita):

Sobre a forma do contrato ver o que foi escrito em cima no ponto 1-2-iv-ii).

Outro sentido da palavra “contrato”: contrato-documento

É muito frequente na prática, sobretudo em linguagem corrente, empregar-se a palavra “contrato” com o sentido de forma escrita ou solene, eventualmente acompanhada de formalidades, como o reconhecimento presencial de assinaturas ou o termo de autenticação, onde assenta o contrato.

Neste sentido, contrato é o documento ou título onde foi escrito e assinado o acordo.

Contrato-documento vs (contrato-acordo e contrato-relação jurídica):

Por vezes, em linguagem corrente, a palavra “contrato” é até empregue neste sentido por confronto ao sentido de contrato-acordo e de contrato-relação jurídica. Por exemplo: “inicialmente chegámos a um acordo verbal, depois eu entregava lá os produtos e ele pagava-me, mas nunca chegámos a assinar contrato”.

Ora:
conceptualmente, o documento escrito onde está assente o contrato não se confunde com o próprio contrato. Tratam-se de realidades distintas: uma coisa é o contrato, outra coisa é a forma (suporte) do contrato;
na prática, porém, nos contratos sujeitos, por força da Lei, à obrigatoriedade de observância de forma escrita, o contrato-acordo corresponde ao contrato-documento nos precisos termos que dele constarem; ou seja, por outras palavras, nestes casos, o contrato é o documento (cfr. arts. 219.º, 220.º e 221.º [36]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis).

Todavia, nos contratos que sejam verbalmente celebrados pelas partes, para os quais a Lei não exija a observância de forma especial, os dois conceitos não coincidem: há um contrato (acordo) perfeito, válido e eficaz e, consequentemente, sancionável em juízo, mas não há um documento (não há um “papel”).

Princípio da liberdade de forma:

Assinale-se que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de forma: «a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir» (art. 219.º).

5) Características:

5.1) O contrato é um facto jurídico, ato jurídico e negócio jurídico bilateral:

O contrato é:
          – um facto jurídico; e dentro desta categoria, é
                    – um ato jurídico; e, dentro desta categoria, é
                              – um negócio jurídico, e, dentro desta categoria, é
                                        – um negócio jurídico bilateral (= contrato).

5.2) O contrato é uma fonte de obrigações/créditos e de deveres, direitos e posições (situações ou relações) jurídicas de outra natureza:

O contrato é a mais importante fonte de obrigações em sentido restrito (dívidas ou débitos) e dos correspondentes créditos ou direitos de crédito. Ver em cima ponto 1.2-v.

5.3) O contrato é uma manifestação de autonomia privada e de liberdade das pessoas:

“O contrato é uma manifestação de liberdade das pessoas, traduzindo por excelência, a livre produção de efeitos jurídicos. A autonomia privada, tem justamente no contrato, a sua mais alta expressão” [37]A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil VII, op. cit., pág. 172. (cfr. art. 405.º).