Contrato de sociedade – definição, aceções e natureza

Atualizado em 2023/07/21

1) Contrato de sociedade – vários sentidos ou aceções:

A expressão “contrato de sociedade” pode ter vários sentidos ou aceções, não necessariamente coincidentes entre si.


2) Definição (ou “noção”) legal de contrato de sociedade – contrato de sociedade civil (sociedade civil simples):

Num primeiro sentido, a expressão “contrato de sociedade” designa o contrato de sociedade civil definido e regulado no Código Civil [1]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis.

Com efeito, o art. 980.º do Código Civil apresenta uma definição ou “noção” de contrato de sociedade nos seguintes termos: “contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade.”

A sociedade que emerge desse contrato é a chamada sociedade civil sob forma civil “pura” ou “simples” [2]Respetivamente, A. Menezes Cordeiro, colab. de A. Barreto Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades I, Parte geral, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 307 e em Tratado de Direito Civil XI … Continuar a ler. Ver o nosso artigo: contrato de sociedade civil.

3) Inaptidão da definição legal:

Acontece que a definição legal de contrato de sociedade acima transcrita, que ainda tem a redação originária do atual Código Civil de 1966, tornou-se hoje manifestamente inapta, porquanto demasiado apertada, para exprimir um conceito de contrato de sociedade que valha para todos os tipos de sociedade existentes hoje no Ordenamento jurídico Português [3]Neste sentido, Rui Pinto Duarte, Escritos sobre Direito das Sociedades, Almedina, Coimbra, 2008, págs. 10, 15, 16, 26 a 35, P. Pais de Vasconcelos, A Participação Social nas Sociedades Comerciais, … Continuar a ler.

4) Slides / diapositivos:

4.1) Sujeitos de Direito (centros autónomos de imputação de efeitos jurídicos) – pessoas singulares, pessoas coletivas e pessoas coletivas rudimentares:


4.2) Sociedades (civis e comerciais):



Ver slide específico sobre as sociedades civis (sob forma civil e sob forma comercial

4) Definição de contrato de sociedade em sentido amplo (sociedade-contrato ou sociedade-ato jurídico):

Assim, num sentido mais amplo (e mais rigoroso em face da Lei hoje em vigor), a expressão “contrato de sociedade” (sociedade-contrato ou sociedade-ato jurídico [4]Rui Pinto Duarte, ibidem e J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., págs. 23 e 24.) designa:

i) um contrato celebrado por dois ou mais sujeitos de Direito (pessoas singulares ou coletivas) ou um negócio jurídico unilateral emitido por um único sujeito de Direito,
ii) pelo qual os sujeitos contratantes ou o sujeito emitente se obriga(m) a contribuir com bens (entradas em dinheiro ou entradas em espécie) ou serviços, neste último caso, apenas nas sociedades que admitam as entradas em indústria,
iii) para criar uma certa atuação cooperante e concertada e/ou organização de dimensão e complexidade variáveis, criando, para tal, sempre, em qualquer caso, uma entidade dotada:
          a), em princípio, de personalidade jurídica plena ou,
          b) mais excecionalmente, de personalidade jurídica rudimentar (ou mera subjetividade jurídica) [5]A. Menezes Cordeiro e A. Barreto Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Parte geral – Pessoas, 5ª Edição, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 661 a 672 e 893 a 919 e em Direito das … Continuar a ler,
iv) com vista ao exercício de uma atividade com natureza, via de regra, económica, isto é, uma atividade na qual fatores de produção são combinados para produzir bens ou serviços específicos (ou seja, uma atividade na qual: i) são empregues fatores de produção ([inputs] terra ou natureza, capital, trabalho, técnicas de produção ou outros bens ou serviços intermediários), ii) aplicam-se processos produtivos, iii) para obter bens e/ou serviços específicos [outputs]) [6]É a definição de atividade económica que consta do glossário do Eurostat, suscetível de consulta no link: … Continuar a ler,
v) destinada, em princípio, a obter lucros e distribuí-los ou atribuí-los ao(s) sócio(s), ficando este(s), todavia, sujeito(s) a perdas [7]No sentido de que a sujeição a perdas por parte dos sócios é um elemento essencial do conceito de sociedade, J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., págs. 39 e 40..

5) Situações abrangidas:

A definição de contrato de sociedade que demos em cima no ponto anterior (4) e mesmo a definição legal transcrita no ponto 2 pode abranger, em concreto, realidades muito diferentes e díspares, desde:
– a “combinação entre amigos para vender postais até
– uma multinacional tentacular” [8]A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil XI – Contratos, op. cit., pág. 489..

6) “Sociedade”: 1) sociedade-contrato ou ato jurídico vs 2) sociedade-entidade:

Em sentido técnico-jurídico, “sociedade” é simultaneamente:
– um contrato ou ato jurídico, com o sentido que lhe demos em cima nos pontos 2 a 4; e
– uma entidade.

7) Definição de sociedade-entidade:

Em face da Lei Portuguesa atualmente em vigor a sociedade-entidade é uma entidade:
i) criada por uma ou mais pessoas singulares ou coletivas (sócio único ou sócios),
ii) dotada, em princípio, de personalidade jurídica plena (sendo, nesse caso, um sujeito de Direito de tipo pessoa coletiva, autónomo face ao sujeito ou sujeitos do(s) respetivo(s) sócio(s), com aptidão para ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações) ou, mais excecionalmente, de personalidade jurídica rudimentar (ou mera subjetividade jurídica) [9]A. Menezes Cordeiro e A. Barreto Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Parte geral – Pessoas, 5ª Edição, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 661 a 672 e 893 a 919 e em Direito das … Continuar a ler,
iii) mas que, em qualquer caso, é sempre dotada de autonomia patrimonial e
iv) de órgãos próprios com aptidão para exprimir uma vontade que lhe é juridicamente imputável, que a representam para todos os efeitos e cujos atos praticados nessa qualidade, lícitos ou ilícitos, a vinculam,
v) com vista ao exercício de uma atividade com natureza, via de regra, económica,
vi) destinada, em princípio, a obter lucros e distribuí-los ou atribuí-los ao(s) sócio(s), ficando este(s), todavia, sujeito(s) a perdas [10]No sentido de que a sujeição a perdas por parte dos sócios é um elemento essencial do conceito de sociedade, J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., págs. 39 e 40..

Por ser, em qualquer caso, um novo sujeito de Direito, a sociedade-entidade, desprende-se e autonomiza-se, em certa medida, do respetivo ato constitutivo (contrato, negócio jurídico unilateral ou outro) [11]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., págs. 23 a 40..

8) Contrato para criar uma cooperação e/ou organização sem intenção de constituir uma sociedade-entidade:

A noção de contrato de sociedade é muito ampla. Assim, não deixa de se qualificar como contrato de sociedade o contrato destinado apenas a criar uma atuação cooperante e concertada de duas ou mais pessoas, num quadro de uma organização muito rudimentar, com o objetivo de exercer em comum uma certa atividade económica:

a) sem ter, contudo, necessariamente a finalidade de criar uma nova entidade dotada de personalidade jurídica plena (um novo sujeito de Direito, de tipo pessoa coletiva, com aptidão para ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações); ou
b) sem ter a consciência de que os seus acordos significam a constituição de sociedades, ainda que dotadas de mera personalidade jurídica rudimentar ou mera subjetividade jurídica; ou ainda
c) mesmo que que não tenham dado forma escrita a esse acordos ou até forma mais exigente exigida por Lei (contrato de sociedade informal) [12]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., pág. 29..

8.1) Exemplos:

É o caso, por exemplo, de:
– “uma combinação entre amigos para vender postais” [13]A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil XI – Contratos, op. cit., pág. 489., que pode, em concreto, consubstanciar um contrato (verbal) de sociedade;
– um contrato destinado a dar aulas de yoga (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2011-05-24 [14]Consultar o Acórdão do TRL no link: http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/721ecb314ff1509f802578bd00343b7c?OpenDocument);
– um contrato pelo qual as partes (sócios) dão aulas de poker online, ficando com uma parte dos rendimentos dos respetivos alunos, e distribuindo os lucros por todos os sócios.

9) Contrato de sociedade – ato destinado a constituir uma sociedade-entidade:

Inversamente, o contrato de sociedade também pode destinar-se especificamente à constituição uma sociedade-entidade, via de regra, dotada de personalidade jurídica, (sendo, por isso, um novo sujeito de Direito, de tipo pessoa coletiva, com aptidão para ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações), destinada, em princípio, ao exercício de uma certa atividade económica.

Nesse caso, a expressão “contrato de sociedade” é empregue para designar o ato jurídico especificamente destinado a constituir uma sociedade-entidade.

9.1) Espécies e tipos de sociedades-entidades:

São, nomeadamente, sociedades-entidades:

i) as sociedades comerciais e as sociedades civis sob forma comercial que adotem, por exemplo, uma das seguintes formas:
          a) sociedade por quotas;
          b) sociedade unipessoal por quotas;
          c) sociedade anónima (S.A.).

Estes três tipos societários [15]No sentido de que a sociedade unipessoal por quotas é um tipo societário próprio autónomo, A. Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades II, Das Sociedades em Especial, 2ª edição, Almedina, … Continuar a ler são, de longe, os tipos societários mais usados em Portugal. Integram a categoria das sociedades de responsabilidade limitada.

ii) as sociedades civis sob forma civil às quais a Lei confere expressamente personalidade jurídica, como as sociedades de advogados, as sociedades de notários e as sociedades de solicitadores e/ou agentes de execução, que são sociedades de profissionais sujeitas a associações públicas profissionais.

iii) as sociedades civis sob forma civil reguladas exclusivamente nos arts. 980.º a 1021.º do Código Civil, que:
          a) se estiverem inscritas no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas (FCPC) são pessoas coletivas como quaisquer outras, dotadas de personalidade jurídica; ou
          b) se não estiverem registadas no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas (FCPC) são entidades que não são dotadas de personalidade jurídica “plena”, sendo, porém, dotadas, pelo menos, de “personalidade jurídica rudimentar” ou de “mera subjetividade jurídica” [16]A. Menezes Cordeiro e A. Barreto Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Parte geral – Pessoas, 5ª Edição, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 661 a 672 e 893 a 919 e em Direito das … Continuar a ler.

9.2) Ato constitutivo da sociedade – contrato ou negócio jurídico unilateral:

O ato jurídico que constitui uma sociedade-entidade pode ser:
– um contrato de sociedade, se for celebrado por duas ou mais pessoas; ou,
– um negócio jurídico unilateral, se for emitido por uma só pessoa, singular ou coletiva, destinada à constituição de uma sociedade unipessoal como, por exemplo, uma sociedade unipessoal por quotas (cfr. art. 7.º, n.º 2, 270.º-A e segs. e 488.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais [CSC] [17]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis)

Assim, a expressão “contrato de sociedade”, empregue como sinónimo de ato constitutivo de sociedade também é apta a designar atos jurídicos que, em bom rigor, não são sequer contratos, por não serem celebrados por duas ou mais pessoas.

10) Contrato de sociedade – pacto social ou estatutos:

10.1) Definição de pacto social:

Em sentido restrito, pacto social ou estatutos é
i) o conjunto de cláusulas, menções ou elementos obrigatórias e, eventualmente, facultativas,
ii) constantes de um único documento escrito,
iii) com vocação para regulamentar alguns aspetos relativos à organização e funcionamento da sociedade (a maioria destes aspetos são regidos diretamente pela Lei societária), nomeadamente:
          – os direitos e deveres dos sócios ou acionistas para com a sociedade; e
          – as relações da sociedade para com terceiros.
iv) que são inicialmente estabelecidas no ato jurídico que constitui a sociedade (contrato ou negócio jurídico unilateral, no caso das sociedades unipessoais, como a sociedade unipessoal por quotas), mas que são modificáveis ao longo da vida da sociedade, muitas vezes, sem que para tanto seja necessário o acordo de todos os sócios.

10.2) Elementos ou menções obrigatórias do pacto social:

São, por exemplo, menções ou elementos obrigatórias dos contratos de sociedade comercial e dos contratos de sociedade civil sob forma comercial, aplicáveis, em geral, a todos os tipos de sociedade comercial:

a) os nomes ou firmas de todos os sócios fundadores e os outros dados de identificação destes;
b) o tipo de sociedade;
c) a firma da sociedade;
d) o objeto da sociedade;
e) a sede da sociedade;
f) o capital social, salvo nas sociedades em nome coletivo em que todos os sócios contribuam apenas com a sua indústria; etc…
g) a quota de capital e a natureza da entrada de cada sócio, bem como os pagamentos efetuados por conta de cada quota;
h) consistindo a entrada em bens diferentes de dinheiro (entradas em espécie ou entradas em indústria), a descrição destes e a especificação dos respetivos valores;
i) quando o exercício anual for diferente do ano civil, a data do respetivo encerramento, a qual deve coincidir com o último dia de um mês de calendário (art. 9.º, nº 1 do CSC).

11) Contrato de sociedade civil ou contrato de sociedade comercial:

De acordo com a natureza civil ou comercial do seu objeto, o contrato de sociedade (e a sociedade-entidade que dele emerge) pode ser:
– um contrato de sociedade civil (ver também: sociedade civil sob forma comercial; sociedade civil sob forma civil); ou
– um contrato de sociedade comercial (ver também: sociedade comercial).