Contrato de sociedade por quotas

Atualizado em 2023/05/04


1) O que é – ato constitutivo e pacto social:

O contrato de sociedade por quotas é simultaneamente:

1.1) o ato que constitui (ato constitutivo) a sociedade por quotas; e,

1.2) o pacto social ou estatutos da sociedade por quotas, que, em sentido restrito, é:
i) o conjunto de cláusulas, menções ou elementos obrigatórias e, eventualmente, facultativas,
ii) constantes de um único documento escrito,
iii) com vocação para regulamentar alguns aspetos relativos à organização e funcionamento da sociedade (a maioria destes aspetos são regidos diretamente pela Lei societária), nomeadamente:
          – os direitos e deveres dos sócios para com a sociedade; e
          – as relações da sociedade para com terceiros.
iv) que são inicialmente estabelecidas no ato jurídico que constitui a sociedade, mas que são modificáveis ao longo da vida da sociedade, muitas vezes, sem que para tanto seja necessário o acordo de todos os sócios [1]Rui Pinto Duarte, Escritos sobre Direito das Sociedades, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 15 a 19; Hugo Duarte Fonseca, Sobre a interpretação do contrato de sociedade nas sociedades por … Continuar a ler.

Ver também o nosso artigo: sociedade por quotas.


2) O ato constitutivo das sociedades por quotas é, via de regra, um contrato – constituição de sociedades por quotas:

O ato constitutivo das sociedades por quotas propriamente ditas (pluripessoais, com dois ou mais sócios) é, via de regra, um contrato: o contrato de sociedade por quotas.

Hoje, existem, pelo menos, três modos de constituição de sociedades por quotas:
– “empresa na hora” – regime especial de constituição imediata de sociedades (ver o nosso artigo: constituir empresa na hora);
– “empresa online” – regime especial de constituição online de sociedades (ver o nosso artigo: constituição de sociedade online);
– processo tradicional ou convencional de constituição de sociedades.

Em qualquer um destes processos de constituição de sociedades por quotas será sempre necessário celebrar um contrato de sociedade por quotas.

3) Quem pode celebrar um contrato de sociedade por quotas:

Podem, em certos termos e com algumas restrições, celebrar um contrato de sociedade por quotas e assim constituir ou participar na constituição de uma sociedade por quotas (entidade):
– tanto pessoas singulares;
– como pessoas coletivas, nomeadamente outras sociedades comerciais ou sociedades civis sob forma comercial que adotem, por exemplo, o tipo de sociedade por quotas, de sociedade unipessoal por quotas, de sociedade anónima (S.A.), etc…

Ver o nosso artigo: quem pode constituir uma empresa.

4) Conteúdo do contrato de sociedade por quotas – menções, elementos ou cláusulas obrigatórias e facultativas:

O contrato de sociedade por quotas:
– tem imperativamente que conter certos elementos ou menções; e
– pode, eventualmente, conter ou não outros elementos ou menções.

Assim, importa distinguir entre menções, elementos ou cláusulas:
a) obrigatórias gerais, comuns a todos os tipos de sociedade comercial e de sociedade civil sob forma comercial;
b) obrigatórias específicas do tipo da sociedade por quotas;
c) facultativas gerais, comuns a todos os tipos de sociedade comercial e de sociedade civil sob forma comercial;
d) facultativas específicas para as sociedades por quotas.

4.1) Elementos e menções obrigatórios gerais:

São elementos ou menções obrigatórios do contrato de sociedade de qualquer sociedade comercial ou sociedade civil sob forma comercial, independentemente do tipo societário concretamente adotado (por exemplo: sociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas, sociedade anónima, etc) (art. 9.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais [2]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis):

a) os nomes ou firmas (ou denominações) de todos os sócios fundadores e/ou sócios atuais (consoante sejam pessoas singulares ou pessoas coletivas, respetivamente) e os outros dados de identificação destes,
          aa) incluindo o beneficiário efetivo da sociedade, ou seja, a identificação da pessoa ou pessoas singulares que, em última instância, têm o controlo da sociedade [3]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., pág. 113.;

b) o tipo de sociedade adotado: sociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas, sociedade anónima [S.A.], etc;
c) a firma da sociedade;
d) o objeto social da sociedade;
e) a sede da sociedade;
f) o capital social;

g) a quota de capital e a natureza da entrada de cada sócio, bem como os pagamentos efetuados por conta de cada quota.

Este elemento desdobra-se em três exigências:

i) “quota de capital” – as participações sociais dos sócios nas sociedades por quotas designam-se quotas. No momento da constituição da sociedade por quotas, a cada sócio apenas fica a pertencer apenas uma quota (art. 219.º, n.º 1). Ora, as quotas têm um determinado valor nominal. A proporção do valor nominal da quota de cada sócio na cifra do capital social da sociedade determina a medida, maior ou menor, dos seus direitos e deveres, em especial, lucros/perdas e voto. Assim, a menção “quota de capital” refere-se ao valor nominal da quota de cada sócio;

ii) natureza da entrada de cada sócio – especificar se as entradas dos sócios são entradas em dinheiro ou entradas em espécie (nas sociedades por quotas não são admitidas entradas em indústria);

iii) pagamentos efetuados por conta de cada quota – quando a entrada é em dinheiro, admite-se que esta não seja realizada imediatamente, ou seja, admite-se o diferimento total ou parcial da realização das entradas em dinheiro (ver o nosso artigo: diferimento das entradas em dinheiro na constituição de sociedades por quotas e de sociedades unipessoais por quotas).

h) Consistindo a entrada em bens diferentes de dinheiro, a descrição destes e a especificação dos respetivos valores (no caso das sociedades por quotas, esta exigência aplica-se apenas quanto às entradas em espécie);

i) Quando o exercício anual for diferente do ano civil, a data do respetivo encerramento, a qual deve coincidir com o último dia de um mês de calendário.

Nota: doravante, todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte pertencem ao Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, com as alterações subsequentes [4]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis.

4.2) Elementos e menções obrigatórios específicos do tipo societário da sociedade por quotas:

São também elementos ou menções obrigatórios específicos do contrato de sociedade das sociedades comerciais e das sociedades civis sob forma comercial que tenham adotado o tipo societário da sociedade por quotas, devendo, por isso, ser especialmente indicados:

i) o montante de cada quota e
ii) a identificação do respetivo titular (ou seja, a identificação do sócio – nome, firma ou denominação);

iii) o montante das entradas
          – realizadas por cada sócio até ao momento da constituição da sociedade;
          – a realizar por cada sócio até ao termo do primeiro exercício económico, que não pode ser inferior ao valor nominal mínimo da quota fixado por lei (1,00€ – um euro); e/ou ainda,
          – diferidas (diferimento das entradas em dinheiro propriamente dito).

4.3) Cláusulas, elementos ou menções facultativas para todos os tipos societários em geral:

Os sócios ou acionistas das sociedades comerciais e das sociedades civis sob forma comercial, independentemente do tipo societário adotado por estas, podem colocar no contrato da respetiva sociedade, cláusulas que nomeadamente prevejam:

direitos especiais para algum ou alguns sócios;
– penalidades para a falta de cumprimento da obrigação de entrada em dinheiro (as entradas em espécie têm que ser, em qualquer caso, imediatamente realizadas) para além das que resultam da Lei;
– a distribuição dos lucros e perdas da sociedade numa proporção diferente da proporção o valor nominal das quotas de cada sócio no capital social da sociedade;
– o diferimento das entradas em dinheiro;
– a autorizar, livre ou condicionalmente, a sociedade a adquirir participações sociais (quotas ou ações) noutras sociedades que tenham um objeto social diferente do seu, em sociedades reguladas por leis especiais (instituições de crédito, sociedades financeiras, de seguros, organismos de investimento coletivo, operadoras de telecomunicações, etc) e em agrupamentos complementares de empresas (ACE).
– entre outras.

4.4) Cláusulas, elementos ou menções facultativas, específicas para as sociedades por quotas:

Os sócios das sociedades por quotas podem ainda inserir no contrato da sociedade por quotas, cláusulas que prevejam, nomeadamente:

Designação do(s) gerente(s):

– a designação nominal (através da indicação do respetivo nome) do gerente ou gerentes da sociedade, que, em concreto, pode configurar-se como um direito especial à gerência;
–  a determinação de que os gerentes devem ser eleitos em Assembleia Geral com uma determinada periodicidade, por exemplo, a cada quatro anos;

Representação, vinculação e tomada de decisões:

– a determinação de que, no caso de haver dois ou mais gerentes (gerência plural), a tomada de decisões no seio da sociedade se faz não “conjuntamente”, (“exercício conjunto-maioritário” [5]F. Cassiano dos Santos, A Estrutura Associativa e Participação Societária Capitalística, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 301. – que é o regime supletivo estabelecido na Lei, isto é: pode ser afastado através de cláusula inserida no contrato de sociedade, estatutos ou pacto social em sentido contrário ou diverso, mas aplica-se na ausência de qualquer estipulação), mas sim disjuntivamente: cada gerente tem poderes para, por isso só (sozinho), decidir a prática de atos;

– determinar que, no caso de haver dois ou mais gerentes (gerência plural), a representação e vinculação da sociedade perante terceiros (clientes, fornecedores, bancos, trabalhadores, credores em geral) exige sempre a intervenção de um certo e específico gerente ou gerentes,
          a) quer para todos os atos em geral,
          b) quer para apenas para um tipo específico de atos como, por exemplo, a movimentação de contas bancárias.

Transmissão de quotas:

– a dispensa do consentimento da sociedade (prestado através de deliberação dos sócios em Assembleia Geral regularmente convocada ou através de qualquer outra forma de deliberação) para a cessão de quotas, quer em geral, quer para determinadas situações (cfr. art. 229.º, n.º 2).

Assinale-se que o regime legal supletivo é o de que a cessão de quotas carece do consentimento da sociedade para produzir efeitos, sendo, contudo, o consentimento dispensado se o sócio pretender ceder a sua quota ao(s) respetivo(s): a) cônjuge; b) descendente(s) (filhos, netos); c) ascendente(s) (pais, avós); ou a d) qualquer outro sócio da sociedade (consócio) (art. 228.º, n.º 2);

– a estipulação de que, em caso de morte de um sócio, a sua quota não se transmite aos respetivos sucessores ou herdeiros, ou, pelo menos, a estipulação de que a transmissão da quota do sócio por sucessão ou herança aos respetivos sucessores ou herdeiros fica condicionada a certos requisitos;

– a estipulação de que se a quota de um sócio for penhorada (penhora de quotas), a sociedade pode proceder à respetiva amortização (amortização de quota);

Lucros:

– cláusula a afastar o regime legal supletivo de acordo com o qual, na falta de cláusula constante do pacto social ou de deliberação tomada por maioria de três quartos (75%) dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada, não pode deixar de ser distribuído aos sócios metade [50%] do lucro do exercício que, nos termos da Lei, seja distribuível.

Assim, o contrato de sociedade pode prever cláusulas que estipulem nomeadamente que os sócios possam deliberar anualmente a) por maioria simples (mais de 50% dos votos: as propostas de deliberação são, via de regra, de aceitação ou de recusa, isto é, de sim ou não), b) por maioria qualificada mas inferior a 3/4 dos votos correspondentes ao capital social (por exemplo, por maioria de 2/3) ou c) por maioria qualificada de 3/4 dos votos correspondentes ao capital social “sobre o destino a dar lucros do exercício” que, nos termos da Lei, possam ser distribuídos, podendo assim, nomeadamente, deliberar no sentido:

          a) de não serem distribuídos quaisquer lucros aos sócios (0%);
          b) no sentido de serem distribuídos lucros aos sócios, mas numa percentagem inferior a 50% (as deliberações previstas nestas duas alíneas – a) e b) – devem, contudo, ser pontuais ou, pelo menos, não perpétuas e ser fundadas no interesse da sociedade [6]Defendendo que o pacto social não pode fixar uma cláusula, aberta ou fechada, que permita que os sócios não recebam quaisquer lucros (0%) ou que lhes sejam atribuídos lucros abaixo de 50% dos … Continuar a ler;
          c) no sentido de serem distribuídos lucros aos sócios numa percentagem superior a 50%, por exemplo, de 66,6% ou de 75%; ou ainda 
          d) na distribuição total (100%) dos lucros de exercício distribuíveis.

– a distribuição de uma parte dos lucros a sujeitos não sócios como, por exemplo, gerentes (nessa qualidade), membros do órgão de fiscalização se este eventualmente existir (revisor oficial de contas, conselho fiscal), trabalhadores, instituições de solidariedade social, etc [7]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., pág. 434.

Exoneração e expulsão:

– mais causas de exoneração de sócios para além das que estão previstas na Lei;
– mais causas de exclusão de sócios para além das que estão previstas na Lei;

Prestação acessórias, suplementares e suprimentos:

– a obrigação de os sócios realizarem prestações acessórias;
– a possibilidade de os sócios deliberarem em Assembleia Geral regularmente convocada ou através de qualquer outra forma de deliberação (por ex: assembleia universal), a obrigação de (os sócios) realizarem prestações suplementares;
– a obrigação de os sócios efetuarem, em certos termos, suprimentos à sociedade (constitui substancialmente uma prestação acessória).

Direito de preferência:

– estabelecer certas restrições ou limitações ao exercício do direito de preferência dos sócios em aumentos de capital social por realização de novas entradas em dinheiro;

Obrigação de não concorrência:

– a obrigação de os sócios não concorrerem com a sociedade (constitui substancialmente uma prestação acessória);

Voto:

– atribuição, como direito especial, de um voto plural, a algum ou alguns sócios, contando-se, dois votos por cada cêntimo de valor nominal da respetiva quota ou quotas, desde que, no total, essas quotas não correspondam a mais de 20% do capital social;
– a exigência do voto favorável de certos e específicos sócios (como direito especial) [8]J. M. Coutinho de Abreu, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume IV, coord. de J. M. Coutinho de Abreu, 2ª edição, Almedina, 2017, pág. 67.;
– a atribuição de direito de veto a um certo e específico sócio (como direito especial) [9]J. M. Coutinho de Abreu, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume IV, coord. de J. M. Coutinho de Abreu, 2ª edição, Almedina, 2017, pág. 67.;

– Entre muitas outras cláusulas facultativas possíveis.

5) Forma escrita e formalidades:

5.1) Obrigatoriedade de forma escrita:

No momento da constituição de uma sociedade por quotas o contrato de sociedade está sujeito à obrigatoriedade de observância de forma escrita, sob pena de nulidade e de impossibilidade de constituição da sociedade.

5.2) Formalidades:

Para além de estar sujeito a forma escrita, o contrato de sociedade por quotas está ainda, nos termos da Lei, sujeito a formalidades, cuja inobservância geram igualmente nulidade. Com efeito, para efeitos legais, «tanto é forma a “forma” como é forma as formalidades» [10]M. C. Nogueira Serens, Notas sobre a sociedade anónima, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pág. 25..

Essas formalidades podem ser:
– o reconhecimento presencial de assinaturas, que é a regra; ou,
– o termo de autenticação (documento particular autenticado) ou escritura pública, se os sócios realizarem entradas em espécie com a transmissão da propriedade de bens imóveis.

6) Registo:

6.1) Momento da constituição da sociedade:

No momento da constituição de uma sociedade comercial e de uma sociedade civil sob forma comercial o contrato de sociedade ou pacto social são inscritos no registo comercial e no registo nacional de Pessoas Coletivas, concretamente junto das Conservatórias de Registo Comercial, hoje:
a) por via eletrónica,
b) pessoalmente, ou ainda
c) por correio.

6.2) Registo do contrato de sociedade por quotas em momento posterior ao da constituição da sociedade:

Pasta de arquivo:

A cada sociedade comercial e sociedade civil sob forma comercial, incluindo, em qualquer caso, as que adotem o tipo de sociedade por quotas, é destinada uma pasta, guardada na conservatória de registo comercial situada no concelho da respetiva sede, onde são arquivados todos os documentos respeitantes aos atos submetidos a registo.

Texto integral e atualizado do contrato de sociedade e lista dos sócios:

Ora, nessa pasta de arquivo está sempre depositado o texto integral e atualizado do contrato de sociedade ou pacto social da sociedade por quotas.

De facto, após qualquer alteração ao contrato ou pacto social da sociedade, devem ser apresentadas e devem efetivamente constar, para arquivo, versões atualizadas e completas:
– do texto do contrato de sociedade ou pacto social alterado e
– da lista dos sócios, com os respetivos dados de identificação.

Certidão permanente de pacto social atualizado:

O contrato de sociedade completo e atualizado deve estar sempre disponível para consulta. Na verdade, hoje é possível proceder a essa consulta em tempo real e a qualquer momento, através da certidão permanente de pacto social/estatutos atualizados, concretamente através do seguinte link: https://eportugal.gov.pt/empresas/Services/Online/Pedidos.aspx?service=CCP.

Ver também: https://justica.gov.pt/Servicos/Consultar-certidao-permanente-comercial#Quempodeconsultar.

7) Publicação obrigatória:

A constituição de sociedades por quotas, após a celebração dos respetivos contratos de sociedade por quotas, bem como as alterações ao contrato de sociedade que ocorram posteriormente estão sujeitas a publicação obrigatória, após a promoção do respetivo registo.

Os serviços administrativos promovem oficiosamente (por dever de ofício, isto é, sem necessidade de requerimento ou de intervenção dos interessados) essa publicação, que tem lugar no site https://publicacoes.mj.pt.