Contrato de mandato

Atualizado em 2023/05/04

1) Definição:

O contrato de mandato é o contrato de prestação de serviços pelo qual uma das partes (o mandatário) se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra (mandante).

O art. 1157.º do Código Civil [1]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis define contrato de mandato nos seguintes termos: “Mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra”.



Notas:
– ver bibliografia sobre o contrato de mandato na presente nota de rodapé [2]A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil XII, Almedina, Coimbra, 2018, págs. 435 a 720; A. Pires de Lima e J. M. Antunes Varela, Código Civil Anotado – Volume II, anotação aos arts. … Continuar a ler.
– doravante, todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte pertencem ao Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, com as alterações subsequentes [3]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis.

2) Modalidades de mandato:

2.1) Mandato com poderes de representação vs mandato sem poderes de representação:

O contrato de mandato pode ser:

a) um contrato de mandato com outorga de poderes de representação, caso em que o mandatário:
          i) para além de ter o dever jurídico de praticar atos jurídicos por conta do mandante,
          ii) tem também, em princípio, o dever jurídico (mais de que um mero poder) de os praticar em nome do mandante, por força de uma procuração que este lhe passou (representação voluntária); ou

b) um contrato de mandato sem outorga de poderes de representação, caso em que o mandatário atua por conta do mandante, mas em nome próprio (do mandatário).

2.2) Mandato civil vs mandato comercial vs mandato forense, incluindo o mandato judicial:

Atendendo à natureza dos atos jurídicos praticados pelo mandatário o mandato pode ser:

2.2.1) Contrato de mandato civil:

Está regulado nos arts. 1157.º a 1184.º, importando ainda confrontar os arts. 1155.º e 1156.º.

2.2.2) Contrato de mandato comercial:

Existe um contrato de mandato comercial quando uma pessoa (mandatário) se encarrega de praticar um ou mais atos de comércio por mandado de outrem (mandante). Está especialmente regulado nos arts. 231.º a 277.º do Código Comercial. Este, por sua vez, pode ter vários subtipos:
a) gerentes de comércio;
b) auxiliares de comércio;
c) caixeiros;
d) contrato de comissão (mandato comercial sem representação), especialmente regulado nos arts. 266.º a 277.º do Código Comercial.

2.2.3) Contrato de mandato forense, incluindo o mandato judicial:

O contrato de mandato forense é o contrato celebrado entre Advogado e cliente, necessariamente com poderes de representação, oneroso, que pode ser:

a) o mandato judicial para ser exercido em qualquer Tribunal, incluindo os Tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz;

b) o exercício do mandato com representação, com poderes para negociar a constituição, alteração ou extinção de relações jurídicas (por exemplo, a celebração de contratos); ou ainda,

c) o exercício de qualquer mandato com representação em procedimentos administrativos, incluindo tributários, perante quaisquer pessoas coletivas públicas ou respetivos órgãos ou serviços, ainda que se suscitem ou discutam apenas questões de facto.

Regulação:

Está especialmente regulado:
– no Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro, com as alterações subsequentes, concretamente no respetivo art. 67.º [4]Consultar o EOA no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2440&tabela=leis&so_miolo=;
– na Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto, que define o sentido e o alcance dos atos próprios dos advogados e dos solicitadores e tipifica o crime de procuradoria ilícita (ou Lei dos atos próprios dos advogados e dos solicitadores [LAPAS]), ainda sem alterações [5]Consultar a LAPAS no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=84&tabela=leis&nversao=&so_miolo=, concretamente nos respetivos arts. 1.º e 2.º; e
– no Código de Processo Civil [6]Consultar o Código de Processo Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1959&tabela=leis, concretamente nos respetivos arts. 43.º a 51.º, sendo ainda necessário confrontar os respetivos arts. 40.º a 42.º, cujo regime é subsidiariamente aplicável a outros diplomas, nomeadamente o Código de Processo Penal e o Código de Processo de Trabalho.

2.3) Mandato geral vs mandato especial:

O mandato pode ser:

a) um mandato geral:
qualificação – se for destinado a praticar uma atividade genérica ou uma categoria indeterminada de atos, por exemplo, administrar uma empresa, administrar um imóvel [7]Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., págs. 791 e 792; Rui Ataíde, op. cit., pág. 33..
regime – o mandato geral só compreende os atos de administração ordinária (art. 1159.º, n.º 1). Ou pode ser

b) um mandato especial:
qualificação – se for destinado à prática de atos específicos, por exemplo, para comprar o bem x, para vender o bem y;
regime – o mandato especial abrange, além dos atos nele referidos, todos os demais necessários à sua execução (art. 1159.º, n.º 2).

3) O contrato de mandato é um contrato de prestação de serviços:

O contrato de mandato é uma modalidade de contrato de prestação de serviços. Para além do contrato de mandato também são modalidades de contratos de prestação de serviços o contrato de depósito e o contrato de empreitada (1155.º).

Ora, o contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição (art. 1154.º).

Assim, o mandatário (que é um prestador de serviços):
i) obriga-se a prestar um determinado resultado do seu trabalho intelectual ou manual;
ii) atuando com independência (que se contrapõe à subordinação jurídica) [8]L. Menezes Leitão, op. cit., pág. 429..

3.1) Contratos de prestação de serviços atípicos:

Para além destas modalidades do contrato de prestação de serviços expressamente indicadas e reguladas na Lei, pode haver ainda contratos de prestação de serviços atípicos (isto é, que não estão expressamente regulados na Lei), também designados contratos de prestação de serviços simples ou de prestação de serviços em sentido restrito [9]L. Menezes Leitão, op. cit., pág. 429., por exemplo, um contrato pelo qual alguém se obriga perante outrem a tocar piano numa festa, mediante uma contrapartida em dinheiro.

A estes contratos aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime jurídico do mandato (cfr. art. 1156.º).

4) Elementos essenciais específicos, requisitos ou pressupostos do contrato de mandato:

Os elementos (notas ou traços) essenciais, constitutivos, tipificadores, necessários, característicos ou específicos do tipo contratual de mandato, constituindo, por isso, os respetivos pressupostos ou requisitos (sem os quais não há um contrato de mandato), tendo, por isso, de se verificar, em concreto, de forma cumulativa, são:
– a obrigação do mandatário praticar um ou mais atos jurídicos; e
– a obrigação do mandatário fazê-lo (praticar um ou mais atos jurídicos) por conta do mandante.

4.1) A obrigação do mandatário praticar um ou mais atos jurídicos:

Nomeadamente para:
– celebrar contratos como, por exemplo, contratos de compra e venda (para comprar e/ou para vender); contratos de locação (que se designa arrendamento quando versa sobre coisa imóvel, e aluguer quando incide sobre coisa móvel [art. 1023.º]); e/ou para
– praticar atos jurídicos unilaterais como pagamentos a credores, interpelações a devedores, notificações, dar quitação (recibo).

4.2) A obrigação do mandatário praticar um ou mais atos jurídicos por conta do mandante:

Os atos jurídicos praticados pelo mandatário destinam-se a produzir efeitos imediatamente (aquando da prática do ato) ou em momento posterior a este, não na esfera jurídica do mandatário, mas sim na esfera jurídica do mandante. Assim, o mandatário “atua em vez do mandante, na posição jurídica em que este estaria se fosse ele a praticar o ato” [10]Carlos Ferreira de Almeida, op.cit., pág. 184..

a) Mandato com representação – atuação do mandatário por conta e em nome do mandante:
Havendo entre as partes um contrato de mandato com poderes de representação, os efeitos dos atos jurídicos praticados pelo mandatário-representante que tenha atuado em nome e por conta do mandante-representado, dentro do perímetro dos poderes conferidos pela procuração, repercutem-se imediata e automaticamente na esfera jurídica daquele (do mandante-representado) (cfr. arts. 1178.º e 258.º).

b) Mandato sem representação – atuação do mandatário por conta do mandante, mas em nome próprio:
Por seu turno, se o mandatário praticar os atos jurídicos pretendidos com o contrato de mandato por conta do mandante, mas em nome próprio (do mandatário), esses atos jurídicos:
          i) produzem efeitos, perante terceiros, num primeiro momento, na esfera jurídica deste (do mandatário) (art. 1180.º),
          ii) mas o mandatário fica obrigado a transferir, num segundo momento, para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato (art. 1181.º, n.º 1).

5) Exemplos de contrato de mandato:

O contrato de mandato pelo qual o mandatário se obriga a:

– a comprar e/ou vender todos, uma parte ou específicos bens, móveis ou imóveis, do mandante;

– a dar de arrendamento imóveis do mandante, procedendo à cobrança das respetivas rendas, pagando as respetivas despesas e obrigações fiscais, interpelando os arrendatários para o pagamento das rendas em atraso, contratando Advogados para intentar ações judiciais para o despejo e cobrança coerciva das rendas em dívida, celebrando contratos de empreitadas de reparação [11]Carlos Ferreira de Almeida, op. cit., págs. 184 e 188., etc.

6) Exemplos de contrato de mandato na Jurisprudência:

Ac. do T. da Relação de Lisboa, de 1993-06-24:

Há um contrato de mandato se os “Autores conferiram aos réus a obrigação, por estes assumida, de administrarem um imóvel e se essa obrigação se desdobra na prática, por conta dos autores, de uma multiplicidade de atos jurídicos e mesmo de negócios jurídicos” – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1993-06-24 [12]Processo n.º 0074722; Relator: Santos Bernardino; link: http://www.dgsi.pt/JTRL1.NSF/33182fc732316039802565fa00497eec/1f3a9a23749393bf8025680300058c00?OpenDocument.

Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 2012-11-13:

“Tendo uma sociedade por quotas conferido os «mais amplos poderes para concretização da operação» em causa, a deliberação social da respetiva Assembleia geral «constitui um mandato civil sem representação», ou seja, um mandato mediante o qual a sociedade confere ao sócio-gerente poderes para praticar dois negócios jurídicos – contrato de compra e venda de um imóvel pertencente à sociedade e contrato de leasing imobiliário – tendo, pela escritura que consubstancia os negócios, o sócio-gerente assumido a responsabilidade de transferir para a sociedade o feixe de direitos e obrigações advenientes dos contratos celebrados – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2012-11-13 [13]Processo n.º 130/10.0TCFUN.L1.S1; Relator: Gabriel Catarino; link: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/71452752dfc5e3b980257ab8004d242a.

Ac. do T. da Relação de Coimbra, de 2014-12-02:

Constitui um contrato de mandato a situação de facto decorrente de o “Autor que, residindo nos EUA tenha constituído como procurador o Réu, seu irmão, residente em Portugal, para aqui e na sua ausência, administrar todos os seus bens, ainda que só ao fim de cerca de 40 anos que perdurou o mandato viesse pedir judicialmente a prestação de contas” – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2014-12-02 [14]Processo n.º 253/07.3TBLMG.C1; Relator: Francisco Caetano; link: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/f12c49394b623d2080257db20052e669?OpenDocument.

Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 2011-03-02:

Qualifica-se como contrato de mandato “o contrato verbal pelo qual uma das partes se comprometeu a editar uma revista com a designação de B&C, revista essa que constituiria o órgão oficial de comunicação da ré” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2011-03-02 [15]Processo n.º 2464/03.1TBALM.L1.S1; Relator: Nuno Cameira; link:  http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/79ca93a66d10f8158025784e0034f6db?OpenDocument.

Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 2003-01-30:

Qualifica-se como um contrato de mandato o “negócio jurídico celebrado entre o réu e a autora, pelo qual esta se obrigou a, por conta dele, preencher a declaração do IRS, bem como elaborar um relatório e parecer adequados à integral justificação perante a Fazenda Pública dos valores declarados” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2003-01-30 [16]Processo n.º 02B4367; Relator: Araújo Barros; link: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e4de3ad1154fbbe280256cee0033059a?OpenDocument.