
1) Definição:
O contrato de mandato com outorga de poderes de representação é o contrato de prestação de serviços pelo qual uma das partes (o mandatário) se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos:
– por conta da outra (mandante), e
– em nome desta, a não ser que, quanto a este último aspeto, outra coisa tenha sido estipulada.
Índice
- 1) Definição:
- 2) Contrato de mandato com poderes de representação – contrato de mandato com procuração:
- 3) Mandato civil; mandato comercial; mandato forense, incluindo o mandato judicial:
- 4) Contrato de mandato com poderes de representação ˃ (mandato + representação):
- 5) O contrato de mandato com poderes de representação é um tipo contratual próprio:
- 6) Deveres essenciais do mandatário:
- 7) Regime jurídico aplicável:
- 8) Aplicação do regime do mandato sem representação, apesar de haver entre mandante e mandatário um contrato de mandato com poderes de representação:
Nota: sobre a bibliografia relativa a esta matéria ver a presente nota em rodapé [1]Sobre esta matéria vide A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil XII, Almedina, Coimbra, 2018, págs. 489, 490, 695 a 708, e Tratado de Direito Civil V, Almedina, Coimbra, 2018, págs. 65 a … Continuar a ler.
2) Contrato de mandato com poderes de representação – contrato de mandato com procuração:
O contrato de mandato com poderes de representação é:
i) um contrato de mandato, ou seja, é um contrato de prestação de serviços pelo qual uma das partes (o mandatário) se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra (mandante), que surge associado a
ii) uma procuração outorgada pelo mandante ao mandatário pela qual aquele atribui a este, voluntariamente, poderes representativos com a intenção de que o mandatário pratique um ou mais atos jurídicos em nome do mandante, com vista a que, por conseguinte:
ii-i) o mandatário dê conhecimento ou invoque perante os terceiros que está a atuar na qualidade de mandatário-representante de uma outra pessoa (sujeito de Direito: pessoa singular ou coletiva), indicando a respetiva identidade (do mandante-representado) em nome e por conta de quem está a atuar (nomine alieno ou comtemplatio domini) [2]Pedro de Albuquerque, op. cit., pág. 761.,
ii-ii) de modo a que os terceiros saibam ou tenham a certeza de que é na esfera jurídica do mandante-representado e não na esfera jurídica do mandatário-representante que se vão produzir os efeitos jurídicos dos atos praticados; e
ii-iii) para que os efeitos dos atos jurídicos praticados pelos mandatários-representantes com terceiros se projetem imediata e automaticamente na esfera jurídica do mandante-representado, em harmonia com a vontade deste, sem a necessidade de atos posteriores de transmissão [3]A. Pires de Lima e J. M. Antunes Varela, Vol. II, op. cit., pág. 823..
3) Mandato civil; mandato comercial; mandato forense, incluindo o mandato judicial:
3.1) O contrato de mandato civil pode comportar ou não poderes de representação, consoante o mandante tenha passado ou não uma procuração ao mandatário.
3.2) O contrato de mandato comercial:
– envolve normalmente poderes de representação (cfr. arts. 231.º, 233.º e 266.º a contrario do Código Comercial);
– quando não envolve poderes de representação designa-se contrato de comissão (art. 266.º do Código Comercial), sujeitando-se consequentemente ao regime dos arts. 266.º a 277.º do Código Comercial.
3.3) Por sua vez, o contrato de mandato forense em sentido restrito, que corresponde ao mandato judicial, envolve sempre a outorga de poderes de representação.
4) Contrato de mandato com poderes de representação ˃ (mandato + representação):
O contrato de mandato com poderes de representação (isto é, com procuração) não é apenas um mero somatório [4]L. Menezes Leitão, op. cit., pág. 455. ou coligação [5]A. Menezes Cordeiro, Tratado XII, op. cit., pág. 696. entre dois negócios jurídicos distintos (mandato + procuração).
Com efeito:
– do contrato de mandato decorre apenas para o mandatário o dever de agir por conta do mandante (art. 1157.º do Código Civil [CC] [6]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis);
– da procuração, por si só, surgem apenas poderes de representação, que, portanto, conferem ao representante o poder de agir em nome do representado (art. 262.º do CC);
– mas do contrato de mandato com poderes de representação (com procuração) surge um efeito jurídico novo: o mandatário tem o dever de agir em nome do mandante (e não apenas um mero poder) (art. 1178.º, n.º 2 do CC).
Nota: doravante, todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte pertencem ao Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, com as alterações subsequentes.
5) O contrato de mandato com poderes de representação é um tipo contratual próprio:
O contrato de mandato com poderes de representação (com procuração) constitui, por isso, um mandato especial; mais do que isso, constitui mesmo um tipo contratual próprio e autónomo [7]Neste sentido, A. Menezes Cordeiro, Tratado XII, op. cit., pág. 696..
6) Deveres essenciais do mandatário:
No contrato de mandato com poderes de representação conferidos pela procuração o mandatário:
i) para além de ter o dever jurídico de praticar um ou mais atos jurídicos por conta do mandante;
ii) tem também, em princípio, o dever jurídico (mais de que um mero poder) de os praticar em nome do mandante, por força da procuração que este lhe passou (representação voluntária) (art. 1178.º, n.º 2).
Cláusula de pessoa a nomear:
No contrato de mandato com poderes de representação o mandatário só não terá este último dever se tiver sido estipulado contratualmente outro regime (art. 1178, n.º 2, parte final). É o que ocorrerá paradigmaticamente se tiver sido convencionada uma cláusula de pessoa a nomear, pela qual, não obstante a existência de procuração a conferir poderes de representação ao mandatário-procurador, este é autorizado ou obrigado, consoante o que se estipular, a não indicar a pessoa do mandante-representado (cfr. arts. 452.º e segs., especialmente o 453.º, n.º 2) [8]A. Pires de Lima e J. M. Antunes Varela, Vol. II, op. cit., pág. 823..
7) Regime jurídico aplicável:
Havendo entre as partes um contrato de mandato com poderes de representação, os efeitos dos atos jurídicos praticados pelo mandatário-representante que tenha atuado em nome e por conta do mandante-representado, dentro do perímetro dos poderes conferidos pela procuração, repercutem-se imediata e automaticamente na esfera jurídica daquele (do mandante-representado) (cfr. arts. 1178.º e 258.º).
8) Aplicação do regime do mandato sem representação, apesar de haver entre mandante e mandatário um contrato de mandato com poderes de representação:
8.1) Falta de atuação em nome do mandante – o mandatário atua em nome próprio:
Se, no momento em que pratica os atos jurídicos pretendidos com o mandato, o mandatário-representante, apesar de estar munido de poderes de representação conferidos pela procuração, não invoca, perante terceiros, o nome do mandante-representado, não atua em nome deste: atua em nome próprio.
Consequências:
Logo, neste caso:
i) apesar de haver entre mandante e mandatário um contrato de mandato com outorga de poderes de representação,
ii) aos atos jurídicos praticados pelo mandatário aplica-se o regime do mandato sem representação (cfr. art. 1180.º).
Assim, os efeitos dos atos jurídicos praticados pelo mandatário-representante com terceiros projetar-se-ão não na esfera jurídica do mandante-representado, mas sim na sua própria esfera jurídica (do mandatário-representante). Também, neste caso, o mandatário fica obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato (art. 1181.º, n.º 1).
Quando os terceiros conhecem a existência do mandato:
Este regime aplica-se mesmo que os terceiros tenham conhecimento de que entre a pessoa do mandante e a pessoa do mandatário existe um contrato de mandato (art. 1180.º, parte final). Com efeito, se no momento em que pratica os atos jurídicos, a pessoa do mandatário nada diz aos terceiros, estes não sabem se, naquele momento, ele está a atuar em nome do mandante ou em nome próprio; ora, se nada diz é porque está a atuar em nome próprio. Logo, assumirá na sua própria esfera jurídica, perante terceiros, todos os efeitos jurídicos dos atos que praticar.
8.2) Atuação fora dos poderes da procuração:
Também se aplica o regime do mandato sem representação se o mandatário-representante:
i) apesar de ter celebrado com o mandante-representado um contrato de mandato com outorga de poderes de representação e de, por conseguinte, estar munido de poderes de representação conferidos pela procuração,
ii) atua fora do âmbito ou perímetro dos poderes gerais e/ou poderes especiais conferidos por esta (cfr. art. 258.º conjugado com os arts. 1178.º e 1180.º).
Nesse caso, os negócios jurídicos, especialmente contratos, que o mandatário-representante celebrar em nome do mandante-representado fora do âmbito dos poderes de representação são ineficazes em relação a este; só assim não ocorrerá, se o mandante-representado entretanto proceder à respetiva ratificação (cfr. art. 268.º, n.º1).
A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroativa, sem prejuízo dos direitos de terceiro (art. 268.º, n.º 2).
8.3) Falta de atuação por conta do mandante:
Também se aplica o regime do mandato sem representação se, no momento em que pratica os atos jurídicos pretendidos com o mandato, o mandatário-representante:
i) apesar de ter celebrado com o mandante-representado um contrato de mandato com poderes de representação e de, por conseguinte, estar munido de poderes de representação conferidos pela procuração,
ii) quiser tratar de assuntos próprios, mas invocar falsamente, perante terceiros, que está a atuar em nome do mandante-representado.
Assinale-se que, rigorosamente, neste caso, há uma atuação “em nome alheio” (nomine alieno ou comtemplatio domini)…mas por conta própria [9]A. Menezes Cordeiro, Tratado V, op. cit., págs. 116 e 117..