
1) Quem são:
São comerciantes:
– as sociedades comerciais;
– os comerciantes em nome individual (cfr. art. 13.º do Código Comercial); e,
– eventualmente, outros sujeitos, se reunirem certos requisitos.
Índice
1.1) Sociedades comerciais:
As sociedades comerciais (sociedades por quotas, sociedades unipessoais por quotas, sociedades anónimas [S.A.], etc…) são comerciantes a partir da data do registo definitivo do respetivo ato constitutivo (contrato de sociedade, pacto social, estatutos) que, via de regra, deve ser promovido junto de uma Conservatória do Registo Comercial (cfr. art. 13.º, n.º 2 do Código Comercial e art. 5.º do Código das Sociedades Comerciais [1]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis).
A partir desse momento, a sociedade comercial adquire personalidade jurídica e passa a existir como tal, ou seja, passa a ser um sujeito de Direito de tipo pessoa coletiva, autónomo face ao(s) sujeito(s) do(s) respetivo(s) sócio(s) ou acionista(s), com aptidão para ser titular, em nome próprio, de direitos e deveres.
As sociedades comerciais são empresas em sentido subjetivo, entidades e instituições. São, hoje, de longe, os comerciantes mais importantes.
1.2) Comerciantes em nome individual:
1.2.1) Definição:
Os comerciantes em nome individual são as pessoas singulares que, tendo capacidade de exercício para praticar atos de comércio, fazem deste profissão (art. 13.º, n.º 1 do Código Comercial).
1.2.2) Requisitos para se ser comerciante em nome individual:
– ser pessoa singular;
– ter capacidade de exercício plena;
– fazer do comércio (em sentido jurídico) profissão.
1.2.2.1) Capacidade de exercício:
A capacidade de exercício ou capacidade de agir é a idoneidade ou aptidão para atuar juridicamente, exercendo direitos e/ou cumprindo deveres, adquirindo direitos ou assumindo obrigações, por ato próprio e exclusivo (em nome próprio) ou mediante um representante voluntário ou procurador, isto é, um representante escolhido pelo próprio representado [2]C. A. Mota Pinto, A. Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 5ª edição, Gestlegal, Coimbra, 2020 (2005), págs. 194, 195 e 221..
Têm capacidade de exercício plena:
– as pessoas singulares maiores (isto é, com mais de 18 anos) (cfr. arts. 67.º, 122.º, 123.º; 130.º do Código Civil [CC] [3]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis); e,
– os menores emancipados pelo casamento, que pode ter lugar a partir dos 16 anos (cfr. arts. 132.º, 133.º e 1601.º al. a) do CC).
1.2.2.2) Um menor pode ser comerciante?
Menores e emancipados:
São menores todos aqueles que ainda não tiverem completado 18 anos de idade (art. 122.º do CC). Ora, salvo disposição legal em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos (art. 123.º do CC).
Contudo, o menor é, de pleno direito, emancipado pelo casamento, sendo que a emancipação atribui ao menor plena capacidade de exercício de direitos, habilitando-o a reger a sua pessoa e a dispor livremente dos seus bens como se fosse maior (arts. 132.º e 133.º do CC).
Representantes dos filhos:
Como representantes do filho, os pais (ou, na sua falta, os tutores) não podem, sem autorização do Ministério Público:
– adquirir estabelecimentos comerciais ou industriais em nome do filho;
– continuar a exploração do estabelecimento que o filho haja recebido por sucessão ou doação; ou ainda,
– alienar estabelecimento comercial ou industrial em nome do filho (cfr. art. 1889.º, n.º 1 als. a) e c) do CC e art. 2.º, n.º 1 al. b) do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro [4] Consultar o Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=581&tabela=leis).
Requisitos:
Porém, mesmo que não seja emancipado, é possível que um menor seja qualificado como comerciante se se verificarem, de forma cumulativa, dois requisitos:
– os menores não exerçam o comércio em nome próprio – exerçam o comércio através dos seus representantes legais, que são os respetivos pais (titulares do poder paternal ou “parental”) e, subsidiariamente (caso o menor não tenha pais), pelos seu(s) tutor(es).
– haja autorização para tal por parte do Ministério Público [5]Neste sentido, J. M. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Volume I, 13ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 108 e 109..
1.2.2.3) Maior acompanhado (antigo interdito e inabilitado):
O “maior acompanhado”, que corresponde ao antigo “interdito” e “inabilitado”, é a pessoa maior (com mais de 18 anos), impossibilitado por razões de saúde, deficiência ou pelo seu comportamento de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres (art. 138.º do CC).
O maior acompanhado pode exercer o comércio através do seu representante legal, atualmente designado por “acompanhante”, nos mesmos termos em que o menor pode exercer o comércio através dos respetivos pais, ou na sua falta, dos seu(s) tutor(es).
1.2.2.4) Fazer do comércio (em sentido jurídico) profissão:
Comércio em sentido jurídico:
O comércio em sentido jurídico abrange:
– o comércio em sentido económico, que é a atividade de interposição nas trocas, que corresponde essencialmente à compra de coisas para revenda e à venda de coisas adquiridas para revenda;
– a indústria ou atividade industrial-transformadora;
– (prestação de) serviços, desde que não sejam prestados por profissionais liberais (advogados, economistas, engenheiros, arquitetos, revisores oficiais de contas, contabilistas certificados [correspondem aos antigos técnicos oficiais de contas], médicos, enfermeiros, psicólogos, despachantes oficiais, solicitadores e agentes de execução, farmacêuticos, etc… Ver o nosso artigo: sociedades de profissionais); e
– em geral, todas as atividades económicas que não sejam atividades agrícolas, de silvicultura (caça, pesca), florestais, de pecuária, de artesanato, de artes ou prestadas por profissionais liberais (art. 230.º do Código Comercial) [6]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., pág. 33; P. Pais de Vasconcelos e P. Leitão Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, pág. 43..
Profissão:
De acordo com o dicionário da Língua Portuguesa, profissão é o “exercício habitual de uma atividade económica como meio de vida; ofício; emprego; ocupação” [7]Consultar o link: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/profiss%C3%A3o. Assim, “fazer do comércio profissão” há-de ser o exercício habitual, reiterado e sistemático do comércio (em sentido jurídico) como meio de vida. Excluem-se, assim, os atos esporádicos, ocasionais ou isolados.
Para a qualificação de uma pessoa singular como comerciante:
i) não se exige que a profissão comercial seja a única profissão exercida pelo sujeito;
ii) não se exige que a profissão comercial seja a atividade principal exercida pelo sujeito (pode exercer duas ou mais atividades);
iii) nem se exige que a atividade seja exercida de modo contínuo ou ininterrupto [8]Sobre estes aspetos, J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., pág. 111..
1.2.3) Comerciantes em nome individual: proibições gerais; incompatibilidades, inibições e impedimentos:
O comerciante em nome individual não pode exercer o comércio, em geral e/ou em concreto, consoante o caso, se sobre ele recaírem:
– proibições gerais;
– incompatibilidades,
– inibições, e
– impedimentos [9]A. Menezes Cordeiro, colab. de A. Barreto Menezes Cordeiro, Direito Comercial, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 274 a 277..
Estas restrições têm caráter excecional.
1.3) Outros sujeitos de Direito:
Há ainda outros sujeitos de Direito, concretamente pessoas coletivas, que são suscetíveis de ser qualificados como comerciantes, essencialmente, quando o respetivo objeto consistir na prática de atos de comércio. É o caso:
– das cooperativas;
– dos agrupamentos complementares de empresas (ACE);
– dos agrupamentos europeus de interesse económico (AEIE); e
– das entidades públicas empresariais (EPE) [10]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., págs. 115 a 119..
2) Exclusão – sujeitos que não são qualificados como comerciantes:
2.1) Exclusão – sócios/acionistas e/ou gerentes/administradores:
Não são, enquanto tal, qualificados como comerciantes:
a) os sócios de sociedades por quotas, sociedades unipessoais por quotas ou de outros tipos societários;
b) os acionistas de sociedades anónimas (S.A.);
c) os gerentes de sociedades por quotas e sociedades unipessoais por quotas;
d) os administradores de sociedades anónimas;
e) os sócios-gerentes, que são os sujeitos que são simultaneamente sócios e gerentes de sociedades por quotas, sociedades unipessoais por quotas ou de outros tipos societários; nem ainda
f) os acionistas-administradores, que são os sujeitos que são simultaneamente acionistas e administradores de uma sociedade anónima (S.A.).
2.2) Exclusão – sociedades civis sob a forma comercial:
2.2.1) Definição:
A sociedade civil sob forma comercial é uma sociedade que:
i) tem exclusivamente por objeto a prática de atos não comerciais (atos civis); e que,
ii) adota a forma comercial, ou seja, que adota um dos seguintes tipos:
a) sociedade por quotas;
b) sociedade unipessoal por quotas;
c) sociedade anónima;
d) sociedade em nome coletivo;
e) sociedade em comandita simples; ou
f) sociedade em comandita por ações.
2.2.2) Não são comerciantes:
As sociedades civis sob forma comercial não são comerciantes (cfr. art. 13.º do Código Comercial a contrario). Logo:
– não estão sujeitas ao estatuto (direitos e deveres) dos comerciantes; e
– as dívidas das sociedades civis sob forma comercial não são qualificadas como dívidas comerciais, salvo quanto às dívidas emergentes de atos de comércio esporádicos. Por exemplo, a dívida de uma sociedade civil sob forma comercial emergente de um contrato de locação financeira (leasing) celebrado entre esta e uma sociedade de locação financeira é qualificada como comercial apesar de a sociedade civil sob forma comercial não ser comerciante porque tem como fonte um ato de comércio objetivo (contrato de locação financeira).
As restantes dívidas das sociedades civis sob forma comercial, emergentes de todos os atos que não sejam atos de comércio esporádicos são dívidas civis.
2.2.3) Mas são empresas; estão sujeitas ao regime das transações comerciais:
Contudo, as sociedades civis sob forma comercial são empresas em sentido subjetivo (são empresas não comerciais). Logo, os contratos que celebrem com outras sociedades (comerciais, civis sob forma comercial ou civis sob forma civil) são qualificados, para todos os efeitos, como transações comerciais.
Ora, as dívidas emergentes de transações comerciais estão sujeitas ao regime específico do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, que estabelece medidas contra os atrasos no pagamento de transações comerciais [11]Consultar a Lei n.º 62/2013, de 10 de maio no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1920&tabela=leis. Ver o nosso artigo: transações comerciais.
3) Importância da qualificação dos sujeitos como comerciantes; regime jurídico aplicável aos comerciantes
Qual é a importância prática de se qualificar um determinado sujeito como comerciante? Que efeitos e consequências é que resultam dessa qualificação? Qual é o regime jurídico que se aplica aos comerciantes, que não se aplica aos restantes sujeitos de Direito?
São vários os efeitos e consequências da qualificação de um determinado sujeito de Direito como comerciante [12]Seguiremos de perto J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., págs. 105 e 106.:
3.1) Os atos (contratos e outros) praticados por comerciantes são, em regra, atos comerciais:
Os atos (por exemplo: contratos, factos geradores de responsabilidade civil extracontratual, etc) são qualificados como comerciais pelo simples facto de o sujeito que os pratica ser comerciante (serão subjetivamente comerciais), com exceção:
– dos atos que forem de natureza exclusivamente civil; e
– dos atos de cujo conteúdo e circunstâncias resulte que não estão conexionados com o comércio do respetivo sujeito (art. 2.º, 2ª parte).
3.2) As dívidas comerciais têm um regime específico:
Por outro lado, as dívidas emergentes dos atos comerciais ficam sujeitas a um regime jurídico específico, diferente, em parte, do regime jurídico aplicável, em geral, às dívidas civis:
– juros comerciais de 12% ou 11% (Aviso n.º …/2023 – 2.º Semestre, da Direção-Geral do Tesouro e Finanças);
– regime supletivo de responsabilidade solidária, no caso de haver dois ou mais devedores, etc.
Ver os nossos artigos: dívidas comerciais e juros comerciais.
A maioria dos atos comerciais são praticados por comerciantes. Contudo, os sujeitos não comerciantes também podem, esporadicamente, praticar atos comerciais. Ora, as dívidas emergentes desses atos também são qualificadas como dívidas comerciais, mesmo que os respetivos devedores não sejam comerciantes.
3.3) Deveres específicos dos comerciantes:
Os comerciantes têm nomeadamente os deveres de:
– adotar uma firma;
– ter escrituração mercantil;
– fazer inscrever no registo comercial os atos a ele sujeitos; e de
– dar balanço e prestar contas (art. 18.º do Código Comercial).
3.4) Comunicabilidade das dívidas do comerciante ao respetivo cônjuge:
As dívidas do comerciante que esteja casado em regime de comunhão geral de bens ou em regime de comunhão de adquiridos (que é atualmente o regime supletivo, ou seja, é o regime de bens que se aplica caso os cônjuges não fixem, mediante convenção antenupcial, o regime de separação de bens ou o regime de comunhão geral – a hipótese, de longe, mais frequente é fixar-se, em alternativa, o regime de separação de bens), são da responsabilidade de ambos os cônjuges, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal (art. 1691.º, n.º 1 al. d) do Código Civil [13]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis).
Para este efeito, a Lei estabelece duas presunções. Assim:
– as dívidas comerciais do cônjuge comerciante presumem-se contraídas no exercício do seu comércio (art. 15.º do Código Comercial); e
– as dívidas do comerciante presumem-se contraídas em proveito comum do casal (cfr. art. 1691.º, n.º 1, al. d) e n.º 3 do Código Civil).
Por conseguinte, neste último caso, é sobre o cônjuge do comerciante que recai o ónus de alegar e provar que a dívida não foi contraída em proveito comum do casal.
3.5) Facilidade de prova de certos atos:
– “o empréstimo mercantil entre comerciantes admite, seja qual for o seu valor, todo o género de prova” (art. 396.º do Código Comercial);
– para que o penhor mercantil entre comerciantes por quantia excedente a duzentos mil réis (este valor corresponde hoje a 1,00€) produza efeitos com relação a terceiros basta que se prove por escrito (art. 400.º do Código Comercial).
3.6) Prazos de prescrição mais reduzidos:
Prescrevem no prazo de dois anos nomeadamente:
– os créditos dos comerciantes pelos objetos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio;
– os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efetuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor (art. 317.º, al. b) do CC; cfr. também art. 316.º e restantes alíneas do respetivo art. 317.º [14]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis).
Assinale-se que o prazo ordinário [geral] da prescrição é de vinte anos (art. 309.º do CC).
Este regime relativo à prescrição não é, contudo, como se vê, um regime geral aplicável a todos comerciantes. Por outro lado, também não é sequer um regime específico dos comerciantes, ou seja, que se aplique apenas a comerciantes. Com efeito, aplica-se, em certos termos e noutras situações, a mais sujeitos de Direito, pessoas singulares ou pessoas coletivas, para além dos comerciantes.
Por exemplo, também prescrevem no prazo de dois anos os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes (art. 317.º, al. c) do CC).