
1) Definição:
A cessão de exploração de estabelecimento comercial ou industrial é a transmissão entre vivos, por ato voluntário e a título temporário de um estabelecimento comercial ou industrial que, via de regra, tem uma retribuição como contrapartida [1]Sobre esta matéria vide J. M. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Volume I, 13ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 319 a 329; A. Menezes Cordeiro, colab. A. Barreto Menezes … Continuar a ler.
Índice
- 1) Definição:
- 2) Onerosa vs gratuita:
- 3) Cessão onerosa:
- 4) Cessão de exploração de estabelecimento comercial vs locação de estabelecimento comercial:
- 5) Cessão de exploração de estabelecimento comercial vs trespasse:
- 6) Cessão de exploração de estabelecimento comercial vs arrendamento comercial:
- 7) Cedente, cessionário e, eventualmente, senhorio:
Nota: doravante, todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte pertencem ao Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, com as alterações subsequentes [2]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis.
2) Onerosa vs gratuita:
A cessão de exploração de estabelecimento comercial:
– é onerosa, se tiver uma retribuição como contrapartida (que é a mais frequente na prática); e
– é gratuita, se não tiver qualquer contrapartida.
3) Cessão onerosa:
3.1) Na maioria das vezes é feita a título de locação:
Se a cessão de estabelecimento comercial for feita a título de locação essa retribuição será uma renda. Ora, a locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição (art. 1022.º [3]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis). A locação diz-se:
– arrendamento quando versa sobre coisa imóvel, e
– aluguer quando incide sobre coisa móvel (art. 1023.º).
3.2) Renda – fixa e/ou variável:
A renda é paga com uma determinada periodicidade, por exemplo, mensal (mais frequente na prática) ou anual.
Frequentemente, a renda a pagar pela cessão de exploração do estabelecimento comercial compreende não só uma parte fixa como também uma parte variável. Contudo, isso pode não necessariamente ocorrer: a renda pode ser de valor totalmente fixo [4]P. Pais de Vasconcelos e P. Leitão Pais de Vasconcelos, op. cit., pág. 335..
3.2.1) Renda variável:
Quando a renda compreende uma parte variável, esta pode ser determinada em função da:
– receita bruta do estabelecimento, isto é, em função das receitas do estabelecimento antes de serem deduzidas as respetivas despesas (faturação); ou,
– da receita líquida do estabelecimento [5]P. Pais de Vasconcelos e P. Leitão Pais de Vasconcelos, op. cit., pág. 335., ou seja, às receitas do estabelecimento depois de deduzidas as respetivas despesas. Via de regra refere-se à receita líquida de despesas (resultados antes de impostos) e não à receita líquida de impostos (resultados após impostos).
4) Cessão de exploração de estabelecimento comercial vs locação de estabelecimento comercial:
4.1) “Cessão”:
Definição: em geral, cessão é a transmissão de direitos e/ou de bens entre vivos efetuada por ato voluntário. A cessão pode operar, por exemplo, através de: contrato de compra e venda, contrato de locação, contrato de comodato, contrato de doação, contrato de permuta, dação em cumprimento, entrada em sociedade (entrada em espécie) [6]Sobre o conceito de cessão, a propósito da cessão de quotas, J. M. Coutinho de Abreu, Curso De Direito Comercial – Das Sociedades, Volume II, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, pág. 345..
A cessão contrapõe-se à:
– transmissão por morte (sucessão ou herança [mortis causa]); e à
– transmissão entre vivos forçada (após penhora e venda judicial efetuada no decurso de um processo executivo ou após apreensão e venda efetuada no decurso da fase de liquidação de um processo de insolvência).
4.2) Transferência temporária de estabelecimento:
Acontece que a cessão de exploração de estabelecimento comercial ou industrial importa a transmissão ou transferência do estabelecimento a título meramente temporário.
Pelo que, a cessão de exploração de estabelecimento comercial ou industrial (a título temporário, portanto) apenas pode ser feita por força de:
– de um contrato de locação;
– de entrada em sociedade com o gozo do estabelecimento por um determinado período de tempo (será, portanto, uma entrada em espécie); ou
– de um contrato de comodato.
4.3) Modos de operar a cessão de exploração de estabelecimento comercial:
a) Locação de estabelecimento comercial:
Na maioria das vezes, a cessão de exploração de estabelecimento comercial é feita através de um contrato de locação: será, portanto, uma locação de estabelecimento comercial.
Locação de estabelecimento comercial – é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de um estabelecimento, mediante retribuição (cfr. noção geral do contrato de locação constante do art. 1022.º; cfr. também o art. 1109.º [7]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis).
b) Entrada (em espécie) em sociedade:
A cessão de exploração de estabelecimento comercial por um determinado período de tempo também pode ser feita a título de entrada em sociedade por parte de um sócio ou acionista, aquando da:
– constituição da sociedade comercial (sociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas, sociedade anónima, etc) ou,
– do aumento do respetivo capital social.
Ora, não se tratando de uma entrada em dinheiro, tratar-se-á, portanto, de uma entrada em espécie. Pelo que, nesse caso, como contrapartida pela aquisição da sua participação social (quota ou ações) ou pelo aumento do respetivo valor nominal, consoante o caso, o sócio ou acionista efetuará a sua entrada (em espécie) com a transmissão à sociedade do direito ao gozo (ou uso) e fruição de um estabelecimento comercial ou industrial por um determinado período de tempo.
Assinale-se que a Doutrina qualifica predominantemente este direito – ao uso e fruição de um bem por um determinado período de tempo, por exemplo, o direito do arrendatário sobre o imóvel arrendado – como um direito de crédito.
Assim, tratar-se-á de uma entrada em espécie com um direito que não é suscetível de penhora, mas que é suscetível de avaliação em dinheiro. Sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade deste tipo de entradas ver: entradas em espécie.
c) Comodato:
Nada obsta a que a cessão de exploração de estabelecimento também possa ser efetuada gratuitamente, através, portanto, de um contrato de comodato (mais raro na prática). O comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir (art. 1129.º).
O comodato é, essencialmente, um aluguer gratuito, isto é, sem contrapartida, sem retribuição. Poderá ser celebrado, por exemplo, entre sociedades comerciais que estejam em relação de grupo, ou mesmo, em relação de domínio.
4.6) Cessão – transmissão onerosa e gratuita:
Quer a locação de estabelecimento comercial, quer a entrada em sociedade com o uso (ou gozo) de um estabelecimento por um determinado período de tempo, quer ainda o contrato de comodato de estabelecimento comercial são modalidades de cessão de exploração de estabelecimento comercial.
A diferença entre a locação de estabelecimento comercial e a entrada em sociedade com o gozo de um estabelecimento por um determinado período de tempo, por um lado, e o comodato por outro, é que:
– os dois primeiros atos são onerosos, isto é, exigem sempre uma contrapartida, ao passo que
– o comodato é um contrato gratuito, ou seja, é um contrato necessariamente sem contrapartida, sem retribuição (cfr. arts. 1022.º e 1129.º).
4.7) Uso alternado das duas expressões para designar a mesma realidade:
Porém, como, de facto, na esmagadora maioria dos casos, a cessão de exploração de estabelecimento opera através de locação, as expressões “cessão de exploração de estabelecimento comercial” e “locação de estabelecimento comercial” são, muitas vezes, usadas alternadamente para designar a mesma realidade.
5) Cessão de exploração de estabelecimento comercial vs trespasse:
A cessão de exploração de estabelecimento comercial ou industrial é a transmissão temporária do estabelecimento comercial. Por sua vez, o trespasse é a transmissão definitiva do estabelecimento comercial.
Com efeito, o trespasse de estabelecimento comercial é a transmissão da propriedade ou titularidade de um estabelecimento comercial ou industrial por negócio entre vivos [8]Corresponde, no essencial, à definição de J. M. Coutinho de Abreu, Volume I, op. cit., pág. 292..
6) Cessão de exploração de estabelecimento comercial vs arrendamento comercial:
6.1) “Arrendamento comercial”?
A cessão de exploração de estabelecimento comercial também é, com frequência, sobretudo em linguagem corrente, designada “arrendamento comercial”. Contudo, em bom rigor, essa designação não é correta. Com efeito, mesmo quando assume a modalidade de locação de estabelecimento comercial, a cessão de exploração de estabelecimento não é um contrato de arrendamento.
6.2) “Locação” – arrendamento ou aluguer:
Na verdade, a locação (que, como já vimos em cima, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição), desdobra-se, nos termos da Lei, em duas modalidades:
– arrendamento, quando incide sobre coisas imóveis; e
– aluguer, quando incide sobre coisas móveis (art. 1023.º).
6.3) Objeto da cessão de exploração é o estabelecimento e não o imóvel:
Acontece que o objeto da cessão de exploração é o estabelecimento comercial ou industrial e não o imóvel ou o prédio onde funciona o estabelecimento.
Estabelecimento comercial vs imóvel onde funciona o estabelecimento:
Na verdade, o imóvel ou prédio onde funciona o estabelecimento é apenas um dos bens ou elementos que integram o estabelecimento apesar de, muitas vezes, ser um elemento absolutamente determinante (com frequência, o mais importante), que integra o núcleo essencial ou sine qua non do estabelecimento, isto é, sem o qual não pode haver sequer transmissão temporária ou definitiva do estabelecimento.
De facto, o estabelecimento comercial é um bem jurídico complexo e unitário, composto por vários bens e elementos. Pelo que, para além do imóvel ou prédio onde funciona o estabelecimento integram, nomeadamente o estabelecimento comercial: máquinas, ferramentas, mobiliário, matérias-primas, mercadorias, stocks, aviamento (ou goodwill), clientela, etc…
Pelo que, na cessão de exploração de estabelecimento comercial o gozo e fruição do imóvel ou prédio onde funciona o estabelecimento é transferido, sim, mas a título indireto ou mediato: o contrato de cessão de exploração tem por objeto o estabelecimento comercial, que, por sua vez, integra o imóvel ou prédio onde funciona o estabelecimento.
6.4) Quando o cedente (locador) é proprietário do imóvel:
Se aquele que cede a exploração do estabelecimento (cedente) também for proprietário do imóvel ou prédio onde funciona o estabelecimento não vai, após o contrato de cessão de exploração, passar a ser senhorio em relação a esse imóvel [9]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., pág. 328..
6.5) Quando o cedente (locador) é arrendatário do imóvel:
Se aquele que cede a exploração do estabelecimento (cedente) for arrendatário do imóvel ou prédio onde funciona o estabelecimento não vai, com o contrato de cessão de exploração:
– ceder a sua posição contratual de arrendatário
– nem subarrendar o imóvel [10]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., pág. 328..
6.6) Desnecessidade de autorização ou consentimento do senhorio:
Se o cedente (locador do estabelecimento) for arrendatário do imóvel onde funciona o estabelecimento comercial a Lei determina expressamente que a transferência do gozo e fruição do imóvel operada pelo contrato de cessão de exploração não depende de autorização ou consentimento por parte do senhorio (art. 1109.º, n.º 2).
6.7) Necessidade de comunicação ao senhorio:
Contudo, no mesmo caso – se o cedente (locador do estabelecimento) for arrendatário do imóvel ou prédio onde funciona o estabelecimento comercial – a Lei determina expressamente que a transferência do gozo e fruição do imóvel operada pelo contrato de cessão de exploração deve ser comunicada ao senhorio no prazo de 30 dias a contar da data da celebração da cessão de exploração (art. 1109.º, n.º 2, parte final).
Se essa comunicação não for feita, a cessão de exploração do estabelecimento comercial é ineficaz em relação ao senhorio (ineficácia relativa) [11]idem, pág. 332..
7) Cedente, cessionário e, eventualmente, senhorio:
Cessionário – é aquele a quem é temporariamente transmitido o estabelecimento.
Cedente – é o proprietário ou titular do estabelecimento comercial ou industrial que cede, a título temporário, a exploração do respetivo estabelecimento comercial. O cedente do estabelecimento comercial pode ser:
– o proprietário do imóvel onde funciona o estabelecimento; mas também pode ser
– o arrendatário do imóvel onde funciona o estabelecimento.
Neste último caso, haverá, portanto, três sujeitos de Direito:
– o senhorio (proprietário) do imóvel onde funciona o estabelecimento;
– o cedente (proprietário ou titular) do estabelecimento comercial, que é o arrendatário do imóvel onde funciona o estabelecimento; e
– o cessionário do estabelecimento comercial.