
1) Definição:
1.1) Capital social (nominal):
O capital social das sociedades comerciais e sociedades civis sob forma comercial deve ser entendido, primordialmente, em termos nominais; com efeito, é neste sentido que, na maioria das vezes, na Lei e na prática, é empregue esta expressão [1]Ana Perestrelo de Oliveira, Manual de Corporate Finance, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 41..
Assim, o capital social (nominal) é a cifra numérica, expressa em Euros, constante do pacto social (contrato de sociedade, estatutos ou ato constitutivo) da sociedade e, por isso, tendencialmente estável, representativa da soma dos valores nominais das participações sociais (quotas, ações ou partes) fundadas em entradas em dinheiro e/ou em espécie [2]Cfr. no essencial, J. M. Coutinho de Abreu, Curso De Direito Comercial – Das Sociedades, Volume II, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, págs. 419 e 420; P. Tarso Domingues, O Financiamento … Continuar a ler e que deve ser inscrita no balanço, dentro da rubrica do capital próprio, concretamente na sub-rubrica do capital subscrito (capital social = capital subscrito).
1.2) Capital social no caso de SA com ações sem valor nominal:
A definição que se apresentou em cima não se aplica ao capital social das sociedades anónimas (S.A.) que tenham ações sem valor nominal (art. 276.º, n.ºs 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais [3]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis).
Com efeito, neste caso, o capital social é a cifra representativa da soma dos valores de emissão das ações (sem valor nominal). Por sua vez, o valor de emissão das ações sem valor nominal é o valor pelo qual as ações foram emitidas.
Índice
- 1) Definição:
- 2) Capital social nominal e capital social real:
- 3) O capital social corresponde à soma das entradas dos sócios?
- 4) Entradas dos sócios ou acionistas:
- 5) Capital social vs capital próprio:
- 6) Capital social mínimo:
- 7) Funções do capital social:
- 8) O capital social de uma empresa pode ser utilizado?
- 9) Inscrição contabilística do capital social:
- 10) O capital social tem de constar do pacto social das sociedades de responsabilidade limitada:
Notas – doravante:
– para facilitar a exposição, vamos ignorar o regime das ações sem valor nominal, exceto na definição de ágio (ver em baixo ponto 4.4);
– todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte pertencem ao Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, com as alterações subsequentes [4]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis.
2) Capital social nominal e capital social real:
Para além do seu sentido primordial (capital social nominal), o capital social tem ainda um outro sentido, mais secundário (porque menos vezes empregue pela Lei e na prática societária): o de capital social real.
Neste sentido, o capital social (real) é a quantidade ou montante de bens (incluindo dinheiro) e de direitos suscetíveis de avaliação em dinheiro, qualitativamente não determinados nem compartimentados (corresponde a uma fração “ideal” do património da sociedade):
i) de que a sociedade não pode dispor em favor dos sócios,
ii) que integram o ativo da sociedade comercial, devendo, por isso, ser inscritos no balanço, dentro da rubrica do ativo, e
iii) que se destinam a cobrir a cifra do capital social nominal [5]Também, no essencial, P. Tarso Domingues, O Financiamento, op. cit., págs. 35 e 36 e em Variações… op. cit., pág. 50..
Assim, pode afirmar-se que o capital social é, de certa forma, uma realidade complexa que se desdobra em duas faces, indissociáveis entre si:
– o capital social nominal; e o,
– o capital social real [6]P. Tarso Domingues, Variações… op. cit., págs. 50 a 57..
3) O capital social corresponde à soma das entradas dos sócios?
Tradicionalmente, entende-se que o capital social é a cifra numérica representativa das entradas dos sócios [7]Neste sentido, por exemplo, A. Menezes Cordeiro, colab. A. Barreto Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades I, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 456.. Contudo, esta definição não é rigorosa.
Na verdade, mesmo que se entenda que o capital social é a cifra representativa apenas das entradas em dinheiro e/ou em espécie (excluindo-se, portanto, as entradas em indústria, que, nos termos da Lei, não são computadas no capital social cfr. art. 178.º, n.º 1), a cifra do capital social não corresponde necessariamente ao valor das entradas dos sócios. Vejamos.
4) Entradas dos sócios ou acionistas:
4.1) Entrada de capital (que é computada no capital social):
Entrada de capital – é a contribuição em dinheiro ou em espécie (neste último caso, com bens diferentes de dinheiro) que o sócio ou acionista realiza ou se obriga a realizar para com uma sociedade comercial, aquando da sua constituição ou do aumento do respetivo capital social por novas entradas em dinheiro e/ou em espécie, como contrapartida pela quota, ações ou parte que subscreve ou pelo aumento do respetivo valor nominal, consoante o caso (cfr. arts. 20.º al. a) e 87.º a 89.º).
4.2) Valor da entrada vs valor nominal da quota ou das ações:
O valor das entradas em dinheiro e/ou em espécie não se confunde com o valor nominal da quota, ações ou parte subscrita(s) pelo sócio ou acionista: pode coincidir, mas também pode não coincidir (cfr. art. 25.º, n.º 1).
O valor da entrada pode exceder o valor nominal da quota, ações ou parte do sócio ou acionista, caso em que haverá um ágio, prémio de emissão ou prémio de subscrição (cfr. arts. 25.º, n.º 1 e 28.º, n.º 3 al.d)).
4.3) Entrada = valor nominal da quota, ações ou parte + ágio, se houver:
Assim, a entrada do sócio ou acionista compreende não só:
– o valor nominal da quota, ações ou parte que subscreve; como também,
– o ágio, prémio de emissão ou prémio de subscrição que eventualmente exista.

b) Noutra perspetiva: capital próprio = (capital subscrito [capital subscrito e realizado + capital subscrito e não realizado] – quotas/ações próprias) + outros instrumentos de capital próprio + prémios de emissão + reservas legais + outras reservas +/- resultados transitados + excedentes de revalorização +/- ajustamentos/outras variações no capital próprio +/- resultado líquido do período +/- interesses que não controlam.
4.4) O que é o ágio:
O ágio, prémio de emissão ou prémio de subscrição:
i) é a diferença entre o valor da entrada em dinheiro e/ou em espécie que o sócio ou acionista realiza ou a cuja realização se obriga perante a sociedade e o valor nominal da quota, ações ou parte que subscreve como contrapartida por essa entrada (ou, no caso das ações sem valor nominal, o montante do capital social correspondentemente emitido),
ii) que está sujeito ao regime da reserva legal, e
iii) que deve ser inscrito na rubrica contabilística do capital próprio, concretamente a) na sub-rubrica das “reservas legais”, b) na sub-rubrica das “outras reservas” (reservas estatutárias) ou c) numa sub-rubrica própria, designada precisamente “prémios de emissão“) (cfr. também art. 295.º, n.º 3 al. a) e n.º 2 al. a)) [8]Sobre o ágio, prémio de emissão ou prémio de subscrição vide P. Tarso Domingues, O Financiamento, op. cit., págs. 278 a 284 e em Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume V, 2ª … Continuar a ler.
Para mais desenvolvimento e com exemplos ver: ágio ou prémio de emissão.
4.5) O valor nominal da quota ou das ações subscrita(s) não pode exceder o valor da entrada:
O valor da entrada pode exceder o valor nominal da quota, ações ou parte subscrita(s) pelo sócio ou acionista. Porém, o contrário já não é verdadeiro, ou seja, o valor nominal da quota, ações ou parte subscrita(s) não pode exceder o valor da entrada (art. 25.º, n.º 1).
No caso das sociedades anónimas (S.A.), proíbe-se expressamente a emissão de ações “abaixo do par” (“par value”, “no mind value”) (art. 298.º, n.º 1).
Pretende-se assegurar que, pelo menos, no momento da constituição da sociedade, o património líquido (capital próprio) da sociedade é, no mínimo, igual à cifra do capital social – princípio da exata formação do capital social.
4.6) Entradas em dinheiro e/ou em espécie são computadas ou contabilizadas no capital social:
As entradas em dinheiro e/ou em entradas em espécie são sempre computadas no capital social da sociedade comercial respetiva.
4.6.1) via de regra, são computadas na medida do valor nominal das quotas ou ações que os sócios ou acionistas subscrevem como contrapartida pelas entradas que realizam ou se obrigam a realizar (exceto, se houver ágio e na respetiva medida – ver em baixo ponto 4.7).
4.6.2) Aumento de capital social nas sociedades por quotas e sociedades unipessoais por quotas no qual participa um ou mais sócios atuais:
Se num aumento de capital social por novas entradas em dinheiro e/ou em espécie numa sociedade por quotas ou sociedade unipessoal por quotas, o sujeito de Direito, pessoa singular ou coletiva, que realizar ou se obrigar a realizar a entrada for, à data do aumento de capital social, um sócio da sociedade, este recebe como contrapartida pela sua entrada não uma quota nova, mas sim o aumento do valor nominal da quota ou quotas de que já era titular antes do aumento de capital social (cfr. arts. 219.º, n.º 2 e 270.º-G).
Neste caso, as entradas em dinheiro e/ou em espécie são computadas no capital social da sociedade comercial na medida em que foi aumentado o valor nominal da quota ou quotas de que o sócio já era titular.
4.6.3) Aumento de capital social nas sociedades anónimas (S.A.) no qual participa um acionista atual:
Se num aumento de capital social por novas entradas em dinheiro (e/ou em espécie) numa sociedade anónima (S.A.), o sujeito de Direito, pessoa singular ou coletiva, que realizar ou se obrigar a realizar uma entrada em dinheiro e/ou em espécie for, à data do aumento de capital social, um acionista da sociedade:
al. a) via de regra, são emitidas novas ações – são emitidas pela sociedade anónima e subscritas pelo acionista – que vão acrescer àquelas de que este já era titular. Neste caso, as entradas são computadas na medida do valor nominal global de todas as ações que o acionista subscreveu no aumento de capital social; ou,
al. b) mais excecionalmente, é aumentado o valor nominal de todas as ações já existentes [9]P. Tarso Domingues, Código… op. cit., Volume II, 3ª edição, 2021, pág. 73 e 74 e em O Financiamento… op. cit., págs. 302 e 303 e F. Cassiano Dos Santos, O aumento de capital nas sociedades … Continuar a ler – nas sociedades anónimas todas as ações têm o mesmo valor nominal (art. 276.º, n.º 4); isto claro, se as ações da sociedade anónima forem ações com valor nominal (hoje pode haver sociedades anónimas com ações sem valor nominal cfr. art. 276.º, n.ºs 1 e 2). Neste caso, as entradas são computadas na medida em que foi aumentado o valor nominal das ações de que o acionista já era titular antes do aumento de capital social.
4.6.4) Os quotistas e acionistas são sócios de capital pelo facto:
– de as respetivas quotas ou ações, mesmo no caso de terem sido adquiridas de forma derivada (por exemplo, através de cessão de quotas), serem sempre fundadas em entradas em dinheiro e/ou em espécie, que são computadas no capital social; e pelo facto de, por conseguinte,
– o valor nominal das quotas ou ações de que são titulares representarem uma fração (maior ou menor) ou a totalidade do capital social das respetivas sociedades por quotas, sociedades unipessoais por quotas ou sociedades anónimas (S.A.).
4.6.5) A soma do valor nominal de todas as quotas ou ações da sociedade fundadas em entradas em dinheiro e/ou em espécie corresponde à cifra do capital social (capital subscrito).
4.6.6) Por sua vez, as entradas em indústria não são computadas no capital social (art. 178.º, n.º 1). As entradas em indústria não são admitidas nas sociedades por quotas, nas sociedades unipessoais por quotas nem nas sociedades anónimas (S.A.) (arts. 202.º, n.º 1, 270.º -G e 277.º, n.º 1).

4.7) O ágio não é computado no capital social:
Porém, nem todo o valor correspondente à entrada do sócio é necessariamente computado no capital social.
Com efeito, se houver lugar a ágio, prémio de emissão ou prémio de subscrição este não é computado no capital social. O ágio fica sujeito ao regime da reserva legal, até ao respetivo limite (art. 295.º, n.º 2 al.a)).
Sobre o modo como o ágio deve ser inscrito no balanço ver o nosso artigo: ágio ou prémio de emissão.
5) Capital social vs capital próprio:
O capital social não se confunde com o capital próprio: tratam-se, na verdade, de conceitos distintos.
Ver: capital social vs capital próprio.
6) Capital social mínimo:
O capital social mínimo da sociedade por quotas corresponde ao número de sócios da sociedade multiplicado por 1,00€:
– se a sociedade por quotas tiver dois sócios, o capital social mínimo será de 2,00€ (dois euros);
– se a sociedade por quotas tiver três sócios, o capital social mínimo será de 3,00€ (três euros); e assim sucessivamente (arts. 201.º e 219.º, n.º 3).
As sociedades unipessoais por quotas têm, por natureza, um capital social mínimo de 1,00€ (um euro)(arts. 201.º e 219.º, n.º 3).
Para as sociedades anónimas o capital social mínimo é de 50 000,00€ (cinquenta mil euros) (art. 276.º, n.º 5).
7) Funções do capital social:
O capital social desempenha, nomeadamente, as seguintes funções:
– função de garantia;
– função de organização ou ordenação de poder;
– função de igualdade de tratamento dos sócios;
– função de manutenção e conservação da proporção da participação social do sócio no capital social (da posição relativa do sócio na sociedade; do peso relativo do sócio no capital social);
– função de financiamento;
– função de avaliação económica da sociedade; e a
– função de sinalizar ao mercado a solidez financeira da sociedade [11]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., págs. 422 a 426; P. Tarso Domingues, O Financiamento, op. cit., págs. 81 a 88; Ana Perestrelo de Oliveira, op. cit., pág. 41..
Ver o nosso artigo: funções do capital social.
7.1) Função de garantia em especial:
A função de garantia é claramente a função mais importante desempenhada pelo capital social. Contudo, na prática, tem um alcance bastante limitado. Assim, o capital social não assegura que existam no património líquido da sociedade bens ou dinheiro de valor correspondente à cifra do capital social.
Na verdade, o regime legal do capital social apenas impede que a sociedade possa distribuir ou atribuir ao(s) respetivo(s) sócio(s) ou acionista(s) quaisquer bens ou dinheiro, do seu património, incluindo lucros de balanço e lucros de exercício (estes últimos, porém, só podem ser distribuídos ou atribuídos se e na medida em que a sociedade registar lucros de balanço) quando o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do exercício, seja inferior ao valor conjunto do capital social e das reservas legais e estatutárias ou se se tornar inferior a este valor em consequência da distribuição ou atribuição (cfr. art. 32.º, n.º 1).
Corresponde ao chamado princípio da intangibilidade do capital social [12]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., págs. 423 e 424; P. Tarso Domingues, O Financiamento… op. cit., págs. 71 a 74, 88, 89, 477 e 478..
Deste modo, o regime do capital social não impede que o capital próprio da sociedade desça abaixo da cifra do capital social em consequência, nomeadamente de perdas sofridas na execução da atividade social [13]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., págs. 423 e 424; P. Tarso Domingues, O Financiamento… op. cit., págs. 71 a 74, 88, 89, 477 e 478..
8) O capital social de uma empresa pode ser utilizado?
8.1) Capital social nominal:
O capital social nominal é uma mera cifra numérica e contabilística (capital social = capital subscrito). Não tem, por si só, consistência real, que se traduza em bens (incluindo dinheiro) e direitos. Logo, não pode, em bom rigor, ser “utilizado”. Também não pode ser penhorado [14]Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2003/05/28, CJ, 2003, III, pág. 289, apud J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., pág. 261. nem, por qualquer outra forma, transmitido.
O que pode ser, na verdade, objeto de transmissão em geral e de penhora em especial, são as quotas ou ações dos sócios cujo valor nominal é representativo de uma fração (maior ou menor) ou da totalidade do capital social da sociedade.
8.2) Capital social real:
Por seu turno, o capital social real, isto é, a quantidade ou montante de bens (incluindo dinheiro) e de direitos suscetíveis de avaliação em dinheiro, qualitativamente não determinados nem compartimentados, integrados no ativo da sociedade comercial e, por isso, inscritos no balanço dentro da rubrica do ativo, que se destinam a cobrir a cifra do capital social nominal, “não se destinam a ficar intocados no cofre” da sociedade [15]P. Tarso Domingues, O Financiamento, op. cit., pág. 81..
Na verdade, o dinheiro, os créditos da sociedade relativos às dívidas de entrada em dinheiro dos sócios e os bens diferentes de dinheiro objeto, respetivamente, das entradas em dinheiro e das entradas em espécie dos sócios que integram o património da sociedade (ativo), não têm que estar devidamente identificados nem compartimentados dentro do património (ativo) da sociedade como sendo os bens correspondentes ao capital social.
8.3) É necessário que haja um saldo bancário cativo?
Assim, o capital social ou o regime do capital social não obriga, nomeadamente, a que a sociedade mantenha um saldo bancário cativo com o valor correspondente à cifra do respetivo capital social [16]A. Menezes Cordeiro / Ana Alves Leal, Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coord. A. Menezes Cordeiro, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 1035. Os Autores referem-se à reserva legal, … Continuar a ler.
8.4) Uso de bens ou dinheiro da sociedade para a prossecução da sua atividade:
Deste modo, todos os bens ou dinheiro que integram o património da sociedade podem ser livremente usados por esta na prossecução da sua atividade:
– quer se destinem a cobrir a cifra do capital social nominal (ou seja, quer integrem o capital social real);
– quer extravasem a cifra do capital social nominal – ou seja, quer integrem o património (ativo) da sociedade, mas já não integrem o capital social real.
8.5) Distribuição de bens ou dinheiro, incluindo lucros, da sociedade aos sócios:
Todos os bens ou dinheiro que integram o património da sociedade podem ser livremente usados por esta na prossecução do seu objeto social. Porém, nem todos os bens ou dinheiro da sociedade podem ser distribuídos ou atribuídos ao(s) respetivo(s) sócios ou sócio único.
Na verdade, não podem ser distribuídos ou atribuídos ao(s) respetivo(s) sócio(s) ou acionista(s) bens ou dinheiro da sociedade (quaisquer bens), incluindo lucros de balanço ou lucros de exercício (estes últimos, porém, só podem ser distribuídos ou atribuídos se e na medida em que a sociedade registar lucros de balanço), quando o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do presente exercício, seja inferior ao valor conjunto do capital social e das reservas legais e estatutárias ou se se tornar inferior a este valor em consequência da distribuição ou atribuição (cfr. art. 32.º, n.º 1).
É o chamado princípio da intangibilidade do capital social [17]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., págs. 423 e 424; P. Tarso Domingues, O Financiamento… op. cit., págs. 71 a 74, 88, 89, 477 e 478..

9) Inscrição contabilística do capital social:
9.1) Capital social = capital subscrito:
O capital social fixado nos estatutos ou pacto social da empresa corresponde ao capital subscrito.
9.2) Inscrição no balanço:
Na contabilidade, a cifra do capital social deve ser inscrita no balanço dentro da rubrica do capital próprio, concretamente numa sub-rubrica designada “capital subscrito”.
9.3) Capital subscrito (capital social) = capital subscrito e realizado + capital subscrito e não realizado:
Ora, o capital subscrito compreende:
– tanto o capital (subscrito e) realizado
– como o capital subscrito e não realizado (por exemplo: 7500 + 2500 = 10 000€ – ver imagens em cima).
Assim,
a) O capital subscrito e realizado:
a-a) não tem, por si só, autonomia: deve ser inscrito na sub-rubrica do “capital subscrito” (cfr. modelo oficial de balanço [exposto na imagem em cima] constante do Anexo I da Portaria n.º 220/2015, de 24 de julho, retificada pela Declaração de Retificação n.º 41-A/2015 [19]Consultar a Portaria n.º 220/2015, de 24 de julho no link: https://files.dre.pt/1s/2015/07/14300/0498405018.pdf).
a-b) por outro lado, o dinheiro e/ou os bens com que os sócios realizaram as entradas devem ser inscritos na rubrica do “ativo“, nas sub-rubricas correspondentes, nomeadamente:
– na sub-rubrica “caixa e depósitos bancários”, se os sócios realizaram entradas em dinheiro através de transferência bancária e o dinheiro ainda não foi gasto pela empresa (sociedade comercial ou outra forma jurídica) na prossecução da sua atividade; ou
– na sub-rubrica “ativos fixos tangíveis”, se, por exemplo, os sócios realizaram entradas em espécie com a transmissão da propriedade de bens imóveis.
b) Por sua vez, o capital subscrito e não realizado:
b-a) também é parte integrante do “capital subscrito“, devendo ser inscrito no balanço nessa sub-rubrica; ou seja, consta do capital próprio e é inscrito no balanço na medida em que é parte integrante do “capital subscrito”;
b-b) por outro lado, do ponto de vista material, corresponde a créditos da sociedade sobre os respetivos sócios emergentes do diferimento das entradas em dinheiro e que devem ser inscritos na rubrica do “ativo“, numa sub-rubrica própria, designada precisamente “capital subscrito e não realizado“.

b) Noutra perspetiva: capital próprio = (capital subscrito [capital subscrito e realizado + capital subscrito e não realizado] – quotas/ações próprias) + outros instrumentos de capital próprio + prémios de emissão + reservas legais + outras reservas +/- resultados transitados + excedentes de revalorização +/- ajustamentos/outras variações no capital próprio +/- resultado líquido do período +/- interesses que não controlam.
9.4) Capital social = entradas em dinheiro e/ou em espécie na parte em que são computadas no capital social:
A cifra numérica do capital social coincidirá com a soma do valor das entradas em dinheiro e/ou em espécie de todos os sócios na parte em que forem computadas no capital social – isto é na parte que corresponder ao valor nominal das quotas ou ações que estes subscreveram – excluindo, portanto, o ágio, prémio de emissão ou prémio de subscrição que eventualmente exista.
9.5) O objeto das entradas deve ser inscrito no balanço, dentro da rubrica do ativo:
O objeto das entradas em dinheiro e/ou em espécie que os sócios ou acionistas realizem ou que se obriguem a realizar vão formar e/ou integrar o património da sociedade:
– quer na parte em que forem computadas no capital social (correspondentes ao valor nominal das quotas ou ações subscritas);
– quer na parte em que não forem computadas no capital social.
Assim, integrarão o ativo da sociedade, devendo, por isso, ser inscritos no balanço dentro da rubrica do ativo:
– o dinheiro com que os sócios realizaram a entrada, se as entradas foram imediatamente realizadas;
– os direitos de crédito (ou créditos) da sociedade sobre os sócios relativos às respetivas dívidas de entrada em dinheiro, no caso de os sócios terem subscrito o capital, mas ainda não terem procedido ao seu efetivo pagamento, nomeadamente por se ter convencionado o diferimento das entradas em dinheiro; ou,
– os bens diferentes de dinheiro objeto das entradas em espécie.
9.6) Conta 51 do Código de Contas:
O capital social deve ser inscrito na conta 51 do Código de Contas (CContas) do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), sob a designação “capital subscrito“. A conta 51 está está inserida dentro da conta 5: “Capital, reservas e resultados transitados”.
O Código de Contas (CContas) consta do Anexo 2 da Portaria n.º 218/2015, de 23 de julho [20]Consultar o Código de Contas (CContas) constante do Anexo 2 da Portaria n.º 218/2015, de 23 de julho no link: https://files.dre.pt/1s/2015/07/14200/0495804979.pdf.
10) O capital social tem de constar do pacto social das sociedades de responsabilidade limitada:
O capital social é um elemento essencial das sociedades de capitais ou sociedades de responsabilidade limitada (sociedades por quotas, sociedades unipessoais por quotas e sociedades anónimas).
Com efeito, nestes casos, o capital social tem sempre de constar do respetivo pacto social, ato constitutivo, contrato de sociedade ou estatutos da sociedade (cfr. art. 9.º, n.º 1 al. e)).
A falta de menção do capital social gera a nulidade do contrato de sociedade ou ato constitutivo, quer depois, quer antes do respetivo registo definitivo (arts. 42.º, n.º 1 e n.º 2 e 41.º, n.º 1). O capital social tem que estar expresso em Euros (€), que é a moeda com curso legal em Portugal (cfr. art. 14.º).