
1) Saldo patrimonial, rubrica contabilística e fonte de financiamento:
As expressões “capital próprio” e “capitais próprios” exprimem um conceito unitário, isto é, designam a mesma realidade; contudo, esse conceito pode ser analisado, pelo menos, de duas perspetivas:
– enquanto saldo patrimonial e rubrica contabilística; e
– enquanto fonte de financiamento de um sujeito de Direito, especialmente empresa (sociedade comercial).
Índice
- 1) Saldo patrimonial, rubrica contabilística e fonte de financiamento:
- 2) Fórmula ou equação do capital próprio:
- 3) Capital próprio – saldo patrimonial (ativo – passivo) e rubrica contabilística:
- 4) Capital próprio ou capitais próprios – fonte de financiamento (capital próprio vs capital alheio):
- 5) Desenvolvimento sobre a fórmula ou equação do capital próprio – o CP inclui o capital subscrito e não realizado?
2) Fórmula ou equação do capital próprio:
Capital próprio = ativo – passivo (CP = A – P); (A = P +/- CP). Esta última é a equação fundamental da contabilidade [1]J. Engrácia Antunes, Direito da Contabilidade – Uma Introdução, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 12, 13, 82 e 83..
Capital próprio = (capital subscrito [capital subscrito e realizado + capital subscrito e não realizado] – quotas/ações próprias) + outros instrumentos de capital próprio + prémios de emissão + reservas legais + outras reservas +/- resultados transitados + excedentes de revalorização +/- ajustamentos/outras variações no capital próprio +/- resultado líquido do período +/- interesses que não controlam.
Sobre esta última fórmula, confrontando-a com a que consta do art. 349.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) ver, com mais desenvolvimento, em baixo ponto 5.
3) Capital próprio – saldo patrimonial (ativo – passivo) e rubrica contabilística:
3.1) Saldo patrimonial:
Definição:
Numa primeira perspetiva, o capital próprio (património líquido ou situação líquida) é o saldo patrimonial, positivo ou negativo, que resulta do valor do ativo depois de abatido o valor do passivo. Por outras palavras, o capital próprio corresponde à diferença, para mais ou para menos, entre o valor do ativo e o valor do passivo.
Por outras palavras ainda, o capital próprio é a expressão numérica da diferença entre os elementos patrimoniais positivos (ativo) e os elementos patrimoniais negativos (passivo) [2]J. Engrácia Antunes, Direito da Contabilidade – Uma Introdução, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 12, 13, 82 e 83. (CP = A – P); (A = P +/- CP).

Capital próprio positivo vs capital próprio negativo:
a) se a empresa tiver um ativo superior ao passivo diz-se que apresenta um capital próprio positivo ou que apresenta capitais próprios positivos;
b) se a empresa tiver um passivo superior ao ativo diz-se que apresenta um capital próprio negativo ou que apresenta capitais próprios negativos (situação de “falência técnica”).
Definição contabilística:
É, grosso modo, nesta aceção que as normas contabilísticas definem o capital próprio. Com efeito, capital próprio “é o interesse residual nos ativos da entidade depois de deduzir todos os seus passivos.” (parágrafo 49.º, al. c) da Estrutura Conceptual [4]Consultar a Estrutura Conceptual do SNC no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/EstruturaConceptual.pdf do Sistema de Normalização Contabilística (SNC)).
3.2) Capital próprio – rubrica contabilística com várias sub-rubricas (instrumentos de capital próprio):
Balanço:
O capital próprio é uma rubrica contabilística (tal como o ativo e o passivo), que integra várias sub-rubricas e que deve constar do balanço da empresa, cujo modelo oficial está previsto no Anexo I da Portaria n.º 220/2015, de 24 de julho [5]Consultar a Portaria n.º 220/2015, de 24 de julho, no link: https://files.dre.pt/1s/2015/07/14300/0498405018.pdf (ver imagem ao lado), retificada pela declaração de retificação n.º 41-B/2015, de 2015-09-21, relativa aos modelos de demonstrações financeiras para as diferentes entidades que aplicam o Sistema de Normalização Contabilística (SNC).
Códigos de contas:
O capital próprio deve ser inscrito no Código de Contas (que consta do Anexo 2 da Portaria n.º 218/2015, de 23 de julho do Sistema de Normalização Contabilística (SNC) [6]Consultar o Código de Contas (CContas) constante do Anexo 2 da Portaria n.º 218/2015, de 23 de julho no link: https://files.dre.pt/1s/2015/07/14200/0495804979.pdf:
i) primordialmente na conta 5: “Capital, reservas e resultados transitados” e abrande todas as respetivas subclasses (por exemplo, 51 Capital subscrito e 55 Reservas) e sub-subclasses;
ii) porém, o capital próprio não se esgota na conta 5. Com efeito, o capital próprio também compreende nomeadamente o resultado líquido do período e este é apurado não na conta 5, mas sim na conta 81: “Resultado líquido do período”.
Sub-rubricas – o capital próprio integra as seguintes sub-rubricas (instrumentos de capital próprio):
1) Capital subscrito: compreende o i) capital subscrito e realizado e o ii) capital subscrito e não realizado:
a) Capital próprio = ativo – passivo; (ativo = passivo +/- capital próprio).
b) Noutra perspetiva: capital próprio = (capital subscrito [capital subscrito e realizado + capital subscrito e não realizado] – quotas/ações próprias) + outros instrumentos de capital próprio + prémios de emissão + reservas legais + outras reservas +/- resultados transitados + excedentes de revalorização +/- ajustamentos/outras variações no capital próprio +/- resultado líquido do período +/- interesses que não controlam.
Definição:
O capital diz-se subscrito se os sócios ou acionistas – antigos ou novos – da sociedade:
a) já realizaram as respetivas entradas em dinheiro e/ou em espécie, caso em que o capital estará subscrito e realizado; ou
b) já se tenham vinculado a realizar as respetivas entradas em dinheiro, mas ainda não tenham procedido ao seu efetivo pagamento, caso em que o capital estará subscrito e não realizado (ou “apenas subscrito”). Esta possibilidade existe apenas quanto às entradas em dinheiro; as entradas em espécie não podem, em qualquer caso, ser diferidas.
O capital subscrito abrange:
– tanto o capital (subscrito e) realizado
– como o capital subscrito e não realizado.
Inscrição no balanço:
Quanto à inscrição no balanço, o capital subscrito, que compreende tanto o capital (subscrito e) realizado como o capital subscrito e não realizado (por exemplo: 7500 + 2500 = 10 000€ [ver imagens em cima]) é inscrito dentro da rubrica contabilística do capital próprio, num sub-rubrica própria, designada precisamente “capital subscrito”. Assim,
a) O capital subscrito e realizado:
a-a) não tem, por si só, autonomia: deve ser inscrito na sub-rubrica do “capital subscrito” (cfr. modelo oficial de balanço [exposto na imagem em cima] constante do Anexo I da Portaria n.º 220/2015, de 24 de julho, retificada pela Declaração de Retificação n.º 41-A/2015 [7]Consultar a Portaria n.º 220/2015, de 24 de julho no link: https://files.dre.pt/1s/2015/07/14300/0498405018.pdf).
a-b) por outro lado, o dinheiro e/ou os bens diferentes de dinheiro com que os sócios realizaram as entradas devem ser inscritos na rubrica do “ativo“, nas sub-rubricas correspondentes, nomeadamente:
– na sub-rubrica “caixa e depósitos bancários”, se os sócios realizaram entradas em dinheiro através de transferência bancária e o dinheiro ainda não foi gasto pela empresa (sociedade comercial ou outra forma jurídica) na prossecução da sua atividade; ou
– na sub-rubrica “ativos fixos tangíveis”, se, por exemplo, os sócios realizaram entradas em espécie com a transmissão da propriedade de bens imóveis.
b) Por sua vez, o capital subscrito e não realizado:
b-a) também é parte integrante do “capital subscrito“, devendo ser inscrito no balanço nessa sub-rubrica; ou seja, consta do capital próprio e é inscrito no balanço na medida em que é parte integrante do “capital subscrito”;
b-b) por outro lado, do ponto de vista material, corresponde a créditos da sociedade sobre os respetivos sócios emergentes do diferimento das entradas em dinheiro e que devem ser inscritos na rubrica do “ativo“, numa sub-rubrica própria, designada precisamente “capital subscrito e não realizado”.
Códigos de contas:
Na verdade, o capital subscrito e não realizado consta dos seguintes códigos de contas:
261 — Acionistas c/subscrição e
262 — Quotas não liberadas [8]O Código de Contas (CContas) consta do Anexo 2 da Portaria n.º 218/2015, de 23 de julho – consultar no link: https://files.dre.pt/1s/2015/07/14200/0495804979.pdf.
Ora, os saldos destas contas devem constar do ativo, em obediência à NCRF 27 – Instrumentos financeiros, parágrafo (§) 7 (na atual redação) [9]Consultar a NCRF 27 no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_27.pdf.
2) Ações / quotas próprias (autoparticipações):
Definição:
As ações / quotas próprias (autoparticipações) são as ações ou quotas numa sociedade por ela mesma adquiridas (e a quem ficam, por isso, a pertencer) [10]J. M. Coutinho de Abreu, Curso De Direito Comercial – Das Sociedades, Volume II, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, pág. 369. (quando uma entidade adquire ou readquire os seus próprios instrumentos de capital próprio).
Também integram o conceito de capital próprio e constituem capital subscrito:
Caso existam, também integram o conceito de capital próprio. Em bom rigor, também constituem capital subscrito e, via de regra, constituem capital subscrito e realizado.
Com efeito, via de regra, a sociedade só pode adquirir quotas ou ações próprias inteiramente liberadas (arts. 220.º, n.º 1 e 318, n.º 1 do CSC, mas ver as exceções no n.º 2 do art. 318.º conjugado com o art. 317.º, n.º 3 als. b), c), e) e f) [11]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis).
Devem ser deduzidas (subtraídas) ao capital próprio:
Contudo, caso existam, devem ser reconhecidas como dedução (subtração) ao capital próprio (cfr. NCRF 27, parágrafo 8 [12]Consultar a NCRF 27 no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_27.pdf e art. 349.º, n.º 1 do CSC).
Ou seja, contabilisticamente devem ser inscritas dentro da rubrica do capital próprio, concretamente na sub-rubrica “ações (quotas) próprias”; porém, o respetivo valor deve ser subtraído ao valor do capital próprio. O valor nominal das quotas próprias ou ações próprias deve ser, portanto, inscrito com um valor negativo.
Por exemplo:
– capital subscrito: 50 000€;
– ações próprias: -5000€.
Sobre a equação do capital próprio: “Capital próprio = (capital subscrito – capital subscrito e não realizado – quotas/ações próprias)…” ver em cima ponto 2.
NCRF 27, parágrafo 8 — “Se uma entidade adquirir ou readquirir os seus próprios instrumentos de capital próprio, esses instrumentos (“quotas/ações próprias”) devem ser reconhecidos como dedução ao capital próprio”. Devem ser reconhecidos pelo justo valor da retribuição que a sociedade pagou para adquirir os respetivos instrumentos de capital próprio [13]Consultar a NCRF 27 no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_27.pdf.

Outros:
3) Outros instrumentos de capital próprio (especialmente, as prestações suplementares; em alguns casos, se reunirem certos requisitos, as prestações acessórias também podem integrar esta sub-rubrica);
4) Prémios de emissão (ágios ou prémios de subscrição) que não constituam reservas legais nem eventualmente reservas estatutárias;
5) Reservas legais (assinale-se que a constituição das reservas legais [e também estatutárias] resulta, via de regra, de lucros não distribuídos; contudo, também pode resultar, mais excecionalmente na prática, de ágios, prémios de emissão ou prémios de subscrição);
6) Outras reservas (reservas estatutárias);
7) Resultados transitados (se forem positivos, são lucros não distribuídos ou, noutra perspetiva, reservas livres; se forem negativos são prejuízos acumulados, devendo, nesse caso, ser inscritos com um valor negativo);
8) Excedentes de revalorização (por ex: ganhos por aumento de justo valor; se forem positivos constituem reservas de reavaliação);
9) Ajustamentos / outras variações no capital próprio;
10) Resultado líquido do período (deve ser apurado separadamente face às outras sub-rubricas); e
11) Interesses que não controlam (deve ser apurado separadamente face às outras sub-rubricas).
4) Capital próprio ou capitais próprios – fonte de financiamento (capital próprio vs capital alheio):
4.1) Características:
Analisados de uma outra perspetiva, mas exprimindo a mesma realidade, o capital próprio ou capitais próprios (equity) são os meios de financiamento de uma empresa (sociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas, sociedade anónima, etc) que [14]Sobre esta matéria vide Ana Perestrelo de Oliveira, Manual de Corporate Finance, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 41 e em Manual de Governo das Sociedades, Almedina, Coimbra, … Continuar a ler.
1) Fonte ou origem:
São colocados à sua disposição, via de regra, pelo(s) respetivo(s) sócio(s) ou acionista(s) – estes são titulares de uma ou mais participações sociais (quotas, ações ou partes sociais) na empresa – (sobre as exceções ver em baixo no ponto 4.1.1):
a) diretamente, através da realização de entradas em dinheiro, entradas em espécie, prestações suplementares ou ainda, em certos termos, se reunirem determinados requisitos, prestações acessórias (com efeito, estas últimas podem ser qualificadas, consoante a sua concreta configuração, como instrumentos de capital próprio ou como instrumentos de capital alheio);
b) indiretamente, através da não distribuição de lucros; ou ainda
c) através da assunção de dívidas para com a sociedade, a que correspondem, portanto, direitos de crédito desta sobre os respetivos sócios relativos às entradas em dinheiro a que estes se vincularam, mas cujo pagamento ainda não efetuaram (resultantes do diferimento das entradas em dinheiro e que dão origem ao capital subscrito e não realizado – que assim, também integra, para todos os efeitos, especialmente para efeitos de Direito Contabilístico, o capital próprio).
2) Caráter permanente:
São colocados de forma duradoura ou permanente, com vínculo de indisponibilidade (são capitais permanentes ou capitais vinculados):
i) a empresa não fica, por isso, vinculada à sua restituição;
ii) aqueles que financiam a sociedade com instrumentos de capital próprio não ficam, por força dessas contribuições, a ser titulares de um direito de crédito (direito de exigir de outrem a realização de uma prestação) sobre a sociedade em relação ao reembolso dos respetivos valores (o capital próprio é, por isso, também designado “capital de risco”);
iii) estão sujeitos ao regime de conservação do capital social e, por isso, a sociedade só pode “reembolsar” esses capitais ao(s) respetivo(s) sócio(s) a título de lucros de exercício e/ou lucros de balanço e apenas se e na medida em que o seu capital próprio for superior ao valor correspondente ao valor conjunto do capital social e das reservas legais e reservas estatutárias (cfr. arts. 32.º e 33.º do CSC) – princípio da intangibilidade do capital social; e
iv) o seu “reembolso” a titulo de lucros de exercício e/ou lucros de balanço está dependente de uma deliberação da assembleia geral da sociedade (ou coletividade dos sócios) (art. 31.º do CSC);
3) não têm prazo de restituição;
4) não obrigam a pagamentos regulares que possam gerar incumprimento;
5) Inexistência de remuneração (juros) – não conferem direito a qualquer remuneração fixa (nomeadamente não conferem direito a juros) (cfr. art. 21, n.º 2 do CSC). São remunerados com a distribuição ou atribuição de lucros/dividendos e/ou com a valorização das participações sociais (quotas, ações ou partes sociais);
6) Reembolso em último lugar:
Em caso de liquidação da empresa após dissolução por sentença de declaração de insolvência ou por qualquer outra causa de dissolução, apenas são reembolsados, sendo caso disso, após terem sido pagos todos os credores – os sócios têm direito à partilha do ativo restante, isto é, ao ativo que eventualmente existir após terem sido pagas todas as dívidas da sociedade (são residual claimants) (cfr. arts. 141.º a 143.º, 154.º e 156.º do CSC e art 184.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [CIRE] [15]Consultar o CIRE no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=85&tabela=leis);
7) Inexistência de direito de voto em assembleia geral:
Os sujeitos que financiam a sociedade com instrumentos de capital próprio (em princípio, sócios ou acionistas da sociedade) adquirem, via de regra, como contrapartida por essas contribuições, direitos de voto na respetiva assembleia geral (cfr. arts. 21.º, n.º 1 al. b), 250.º e 384.º, n.º 1; cfr, porém, arts. 384.º, n.ºs 1, 2 als. a) e b) e 3, 386.º, n.º 5 e 341.º, n.º 5, este último, relativo às ações preferenciais sem direito de voto, todos do CSC); e,
8) Autoria da decisão:
A decisão sobre se a empresa (via de regra, sociedade comercial ou sociedade civil sob forma comercial) se vai financiar através de capital próprio ou capitais próprios compete, em princípio, aos respetivos sócios ou acionistas (cfr., porém, os arts. 456.º, 406.º al. l) e 85.º, n.º 1 parte final do CSC, relativo ao aumento de capital social da sociedade anónima deliberado pelo respetivo órgão de administração).
Ora, essa decisão pode ser tomada através e no momento:
a) da constituição da sociedade comercial ou sociedade civil sob forma comercial, através da celebração de um contrato de sociedade ou da emissão de um negócio jurídico unilateral de constituição de sociedade (ou ainda de sociedade civil sob forma civil, neste caso, apenas através de contrato);
b) de deliberação em assembleia geral de aumento de capital social;
c) de deliberação em assembleia geral no sentido de não serem distribuídos ou atribuídos lucros ou dividendos aos sócios ou acionistas (estratégia de reinvestimento dos lucros);
d) da inexistência de uma deliberação de distribuição ou atribuição de lucros.
Capital próprio ou capitais próprios (equity) | Capital alheio ou capitais alheios (debt / liabilities) | |
---|---|---|
Fonte ou origem | i) são colocados à disposição da empresa, via de regra, pelo(s) respetivo(s) sócio(s) ou acionista(s); ii) como contrapartida, estes passam a ser titulares de uma ou mais participações sociais (quotas, ações ou partes sociais) na empresa | i) têm origem em terceiros (não-sócios/acionistas) ou em sócios ou acionistas, mas na qualidade de terceiros (credores); ii) como contrapartida, estes passam a ser titulares de direitos de crédito sobre a empresa |
Direito ao reembolso | não conferem um direito de crédito sobre a empresa relativo à sua restituição ou reembolso (o capital próprio é, por isso, também designado “capital de risco”) | conferem um direito de crédito sobre a empresa relativo à sua restituição ou reembolso (um direito de crédito é o direito de exigir de outrem a realização de uma prestação, neste caso, em dinheiro ou suscetível de avaliação em dinheiro), cujo incumprimento é sancionável em juízo, junto dos Tribunais |
Caráter duradouro ou temporário | são colocados na empresa de forma duradoura ou permanente, com vínculo de indisponibilidade (são capitais permanentes ou capitais vinculados) | são colocados na empresa de forma temporária |
Prazo de restituição | não têm prazo de restituição | têm prazo de restituição |
Pagamentos regulares | não obrigam a pagamentos regulares que possam gerar incumprimento | obrigam, via de regra, a pagamentos regulares |
Remuneração | i) não conferem direito a qualquer remuneração fixa (nomeadamente não conferem direito a juros); ii) são remunerados com a distribuição ou atribuição de lucros/dividendos e/ou com a valorização das participações sociais (quotas, ações ou partes sociais) | i) conferem, na maioria das vezes, direito a juros a uma taxa fixa ou variável indexada a uma taxa de referência (como a Euribor) correspondente, via de regra, a x por cento ao ano; ii) não conferem direito a lucros/dividendos; por outro lado, não beneficiam nem são prejudicados com a valorização ou desvalorização das participações sociais (quotas, ações ou partes sociais), respetivamente |
Graduação, ordem ou hierarquia de pagamento do reembolso dos capitais | em caso de liquidação da empresa após dissolução por sentença de declaração de insolvência ou por qualquer outra causa de dissolução, apenas são reembolsados, sendo caso disso, após terem sido pagos todos os credores da empresa (os sócios são residual claimants) | em caso de liquidação da empresa após dissolução por sentença de declaração de insolvência ou por qualquer outra causa de dissolução são pagos com prioridade em relação aos titulares de capitais próprios (sócios ou acionistas) |
Direito de voto em assembleia geral | conferem, via de regra, direito de voto em AG | não conferem direito de voto em AG |
Autoria da decisão | a decisão sobre se a empresa se vai financiar através de capital próprio ou capitais próprios compete, em princípio, aos respetivos sócios ou acionistas (cfr., porém, os arts. 456.º, 406.º al. l) e 85.º, n.º 1 parte final do CSC) | depois do momento em que a empresa é constituída, a decisão sobre se esta se vai financiar através de capital alheio ou capitais alheios competirá, via de regra, ao respetivo órgão de administração e representação (cfr., porém, os arts. 64.º, n.º 1 al. b), 259.º, 350.º, 405.º, n.º 1 parte final e 373.º, n.º 2 do CSC) |
Sobre esta matéria vide P. Tarso Domingues, O Financiamento Societário pelos Sócios (e o seu reverso), 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 18 a 24; Ana Perestrelo de Oliveira, Manual de Corporate Finance, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 41 e em Manual de Governo das Sociedades, Almedina, Coimbra, 2017, págs 106 a 110; Alexandre Mota Pinto, Do Contrato de Suprimento – O Financiamento da Sociedade entre Capital Próprio e Capital Alheio, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 22, 27 a 30 e também 31 a 51; J. Engrácia Antunes, Direito das Sociedades, 10ª edição, Edição de Autor, Porto, 2021, págs. 368 a 370 e em Capital próprio, reservas legais especiais e perdas sociais, Sciencia Ivridica n.º 313, Universidade do Minho, Braga, 2008, pág. 96 (4), suscetível de consulta no link: https://fdocumentos.tips/document/capital-proprio-e-reservas-engracia-antunes.html.
Outros artigos:
Ver também:
– capital próprio vs capital alheio; e
– capital alheio (ou capitais alheios).
4.1.1) Capital próprio colocado à disposição da empresa por não-sócios:
Mais excecionalmente:
– o capital próprio ou capitais próprios também pode ser colocado à disposição da sociedade por sujeitos que não sejam sócios nem acionistas da empresa como ocorre com as doações ou subsídios à sociedade realizados por terceiros, que, nos termos das normas contabilísticas, constituem capital próprio, devendo ser inscritas nas subcontas n.ºs 593 e 594 do Código de Contas do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), dentro da conta n.º 59, relativa precisamente ao “capital, reservas e resultados transitados” [16]O Código de Contas (CContas) consta do Anexo 2 da Portaria n.º 218/2015, de 23 de julho – consultar no link: https://files.dre.pt/1s/2015/07/14200/0495804979.pdf;
– por outro lado, há créditos relativos ao reembolso de instrumentos de capital próprio de que podem ser titulares sujeitos de Direito não sócios nem acionistas, como ocorre em relação aos créditos dos sócios ou acionistas sobre a sociedade relativos ao reembolso de prestações suplementares ou à contraprestação de prestações acessórias onerosas (que importem uma contrapartida para o sócio), pecuniárias (em dinheiro), que tenham sido cedidos ou transmitidos a terceiros autonomamente ou em separado face à respetiva participação social (o sócio cedeu o crédito que tinha sobre a sociedade, mas manteve a[s] respetiva[s] quota ou ações) [17]P. Tarso Domingues, O Financiamento, op. cit., págs. 25 e 595 a 587..
4.2) Instrumentos de capital próprio:
São instrumentos de capital próprio os que constam da lista exposta em cima no ponto 3.2.
5) Desenvolvimento sobre a fórmula ou equação do capital próprio – o CP inclui o capital subscrito e não realizado?
5.1) Fórmulas ou equações:
Fórmula tradicional:
Capital próprio = ativo – passivo (CP = A – P); (A = P +/- CP). Esta última é a equação fundamental da contabilidade (J. Engrácia Antunes, Direito da Contabilidade – Uma Introdução, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 12, 13, 82 e 83).
Fórmula II:
Capital próprio = (capital subscrito [capital subscrito e realizado + capital subscrito e não realizado] – quotas/ações próprias) + outros instrumentos de capital próprio + prémios de emissão + reservas legais + outras reservas +/- resultados transitados + excedentes de revalorização +/- ajustamentos/outras variações no capital próprio +/- resultado líquido do período +/- interesses que não controlam.
Assinale-se que ambas as fórmulas ou equações conduzem exatamente ao mesmo resultado e exprimem a mesma realidade: fazem-no, contudo, sob perspetivas diversas.
5.2) Art. 349.º, n.º 1 Código das Sociedades Comerciais:
Em sentido próximo, mas ainda assim divergente ou, pelo menos, não totalmente coincidente cfr. o art. 349.º, n.º 1 Código das Sociedades Comerciais (CSC) (consultar o CSC no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis):
Artigo 349.º do CSC
Limite de emissão de obrigações
(…)Capitais próprios (CP), corresponde ao somatório do capital realizado, deduzidas as ações próprias, com as reservas, os resultados transitados e os ajustamentos em ativos financeiros (…).
5.3) CSC vs regras de Direito Contabilístico:
Assim, a diferença essencial da fórmula ou equação que avançámos e que resulta das regras do Direito Contabilístico face à fórmula constante do art. 349.º, n.º 1 do CSC é a de que:
a) a fórmula que avançámos inclui o capital subscrito e não realizado;
b) ao passo que a fórmula do art. 349.º, n.º 1 do CSC exclui o capital subscrito e não realizado (abrange apenas o capital realizado).
5.4) O capital subscrito e não realizado também deve ser computado no capital próprio?
Assim, a questão mais problemática que se coloca em relação ao conceito de capital próprio é a de saber se este também abrange o capital subscrito e não realizado. Vejamos.
5.5) NCRF 27, parágrafo 7:
Ora, de acordo com o parágrafo 7 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 27 (consultar a NCRF 27 no link: http://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_27.pdf), na redação atual, após as alterações introduzidas em 2015:
” Uma entidade deve reconhecer instrumentos de capital próprio no capital próprio quando a entidade emite tais instrumentos e os subscritores fiquem obrigados a pagar dinheiro ou entregar qualquer outro recurso em troca dos referidos instrumentos de capital próprio.
Se os instrumentos de capital próprio forem emitidos antes dos recursos serem proporcionados a entidade deve apresentar a quantia a receber como ativo.”
5.6) Razão de ser da divergência entre o CSC e o Direito Contabilístico:
Acontece que:
i) inicialmente, entre o início da vigência do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho (consultar a versão atualizada do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho no link: https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/legislacoes/254188558_1.doc.pdf) em 2009 e 2015, tinha que se inscrever no balanço dentro da rubrica do capital próprio não o “capital subscrito“, mas sim o “capital realizado“;
ii) porém, em 2015, as regras de Direito Contabilístico foram alteradas e esse erro foi corrigido, tendo passado a constar do balanço como sub-rubrica do capital próprio o “capital subscrito” em vez do “capital realizado”;
iii) contudo, o art. 349.º do CSC permaneceu, nesta parte, com a mesma redação que já tem desde 2006: atende não ao capital subscrito, mas sim ao capital realizado.
5.7) Considerar apenas o capital realizado colidiria com a fórmula básica “CP = A – P”:
Afigurar-se-ia mais seguro, sólido e prudente computar no capital próprio apenas o capital realizado, excluindo, portanto, o capital subscrito e não realizado. Então, porque não fazê-lo?
Pense-se no seguinte exemplo:
Uma sociedade por quotas foi constituída com um capital social (= capital subscrito) de 10 000€, sendo que desse valor:
– 7500€ constituem capital subscrito e realizado e
– 2500€ constituem capital subscrito e não realizado.
A sociedade tem assim inscritos no seu ativo 7500€ em saldo bancário à ordem e 2500€ de créditos sobre os respetivos sócios relativos às entradas em dinheiro em falta, perfazendo um total de 10 000€.
Desconsiderar os créditos sobre os sócios, reduzindo-os a 0 (zero)? Inventar um passivo de 2500€?
Ora, se computarmos no cálculo do capital próprio apenas o capital realizado concluímos que a sociedade teria, neste caso, um capital próprio de 7500€. Mas, se “CP = A – P” e se a sociedade tem um ativo no valor de 10 000€ como é que esta pode ter um capital próprio de 7500€? Desconsideramos os créditos da sociedade sobre os respetivos sócios relativos às entradas em dinheiro em falta, reduzindo-os a 0 (zero)? Criamos artificialmente um passivo de 2500€ para equilibrar as contas? Não.
Os créditos devem ser inscritos pelo seu valor nominal (capital da dívida + juros):
Com efeito, os créditos da empresa sobre terceiros e sobre os sócios devem ser inscritos pela sua quantia escriturada, isto é, pelo seu valor nominal; este, por sua vez, corresponde ao valor do capital em dívida somado ao valor dos juros acordados ou de mora (atraso no pagamento).
Imparidades:
Ora, se há qualquer suspeitas, indicações ou indícios de que os créditos não venham a ser integral e atempadamente pagos devem, nesse caso, ser testados quanto às imparidades.
As perdas por imparidade – são “o excedente da quantia escriturada de um ativo, ou de uma unidade geradora de caixa, em relação à sua quantia recuperável”.
“Se, e apenas se, a quantia recuperável de um ativo for menor do que a sua quantia escriturada, a quantia escriturada do ativo deve ser reduzida para a sua quantia recuperável. Esta redução é uma perda por imparidade” (NCRF 12 parágrafos 4, 5 e 27 – consultar a NCRF 12 no link: https://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_12.pdf).
5.8) Conclusão:
O capital subscrito e não realizado deve ser computado (integrar) no capital próprio. É o que resulta das regras de Direito Contabilístico atualmente em vigor, constantes do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, com as alterações subsequentes (consultar a versão atualizada do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho no link: https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/legislacoes/254188558_1.doc.pdf).
Com o mesmo entendimento, esgrimindo bons argumentos e mesmo ainda perante o SNC na sua redação inicial, de 2009, vide António Pereira de Almeida, “O capital social e o SNC” em Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, Volume II, Coimbra Editora, 2011, págs. 102 e 103.
É também em conformidade com este entendimento que deve ser interpretado o art. 349.º, n.º 1 do CSC (consultar o CSC no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis): onde está “capital realizado” deve ler-se “capital subscrito”.