
1) Definição:
Os atos de comércio são:
i) todos os factos jurídicos voluntários (atos) especialmente previstos no Código Comercial, em Leis de natureza comercial avulsas ao Código Comercial (extravagantes) ou em disposições legais de natureza comercial integradas em diplomas legais de natureza não comercial e os atos análogos a todos esses, independentemente, em qualquer dos casos, de serem comerciantes ou não comerciantes as pessoas que neles intervêm [1]Esta definição de atos de comércio segue de perto, nesta parte, a sistematização de J. M. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Volume I, 13ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, págs. … Continuar a ler; e,
ii) todos os factos jurídicos voluntários (atos) praticados pelos comerciantes exceto os que forem de natureza exclusivamente civil e os atos de cujo conteúdo e circunstâncias resulte que não estão conexionados com o comércio do respetivo sujeito.
Índice
- 1) Definição:
- 2 a 5) Tipos de atos de comércio; classificação de atos de comércio:
- 2) Atos de comércio objetivos e subjetivos:
- 3) Atos de comércio autónomos (ou absolutos ou por natureza) vs atos de comércio acessórios (ou por conexão):
- 4) Atos de comércio unilaterais vs atos de comércio bilaterais:
- 5) Espécies de atos de comércio:
- 6) Importância da qualificação dos atos como atos de comércio:
2 a 5) Tipos de atos de comércio; classificação de atos de comércio:
São vários os tipos, espécies ou classificações de atos de comércio ou atos mercantis, de acordo com vários critérios.
Notas:
– doravante, todas as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva fonte pertencem ao Código Comercial, aprovado pela Carta de Lei de 28 de Junho de 1888, com as alterações subsequentes;
– ver bibliografia sobre esta matéria na presente nota de rodapé [2]Sobre esta matéria, vide J. M. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Volume I, 13ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 65 a 104; A. Menezes Cordeiro, colab. de A. Barreto Menezes … Continuar a ler.
2) Atos de comércio objetivos e subjetivos:
2.1) Atos de comércio objetivos:
Os atos de comércio objetivos são:
I- todos os factos jurídicos voluntários (atos) especialmente previstos:
I-i) no Código Comercial,
I-ii) em Leis de natureza comercial avulsas ao Código Comercial (extravagantes) ou
I-iii) em disposições legais de natureza comercial integradas em diplomas legais de natureza não comercial (por ex: Código Civil); e,
II) os atos análogos a todos esses.
Os atos em cima referidos – atos de comércio objetivos – são qualificados como atos comerciais, independentemente, em qualquer dos casos, de serem comerciantes ou não comerciantes as pessoas que neles intervêm (cfr. arts. 1.º e 2.º 1ª parte do Código Comercial).
2.1.1) Atos de comércio objetivos previstos no Código Comercial:
São, desde logo, atos de comércio objetivos, os atos especialmente previstos no Código Comercial.
2.1.1.1) Atos praticados em série ou em repetição orgânica no quadro de empresas que tiverem um objeto comercial (em sentido jurídico):
Dentro da categoria dos atos de comércio especialmente previstos no Código Comercial, destacam-se os atos que forem praticados em série ou em repetição orgânica, no quadro de organizações de meios pessoais ou reais, ou seja, no quadro de empresas em sentido objetivo (sobre os vários sentidos ou aceções da palavra “empresa” ver o nosso artigo: empresa), que tiverem por objeto uma atividade comercial em sentido jurídico (cfr. art. 230.º) [3]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., págs. 77 a 81; cfr. também A. Menezes Cordeiro, colab. de A. Barreto Menezes Cordeiro, op. cit., págs. 217 a 221..
Ora, o comércio em sentido jurídico abrange:
i) o comércio em sentido económico, que é a atividade de interposição nas trocas, que corresponde essencialmente à compra de coisas para revenda e à venda de coisas adquiridas com o objetivo de as revender;
ii) a indústria ou atividade industrial-transformadora;
iii) prestação de serviços, desde que não sejam prestados por profissionais liberais (advogados, economistas, engenheiros, arquitetos, revisores oficiais de contas, contabilistas certificados [correspondem aos antigos técnicos oficiais de contas], médicos, médicos dentistas, médicos veterinários, enfermeiros, psicólogos, despachantes oficiais, solicitadores e agentes de execução, farmacêuticos, etc… Ver: sociedades de profissionais); e
iv) em geral, todas as atividades económicas que não estiverem indicadas no ponto seguinte (cfr. art. 230.º) [4]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., pág. 33; P. Pais de Vasconcelos e P. Leitão Pais de Vasconcelos, op. cit., pág. 43..
Atividades que não integram o conceito de comércio em sentido jurídico:
– agricultura, silvicultura (caça, pesca), pecuária e atividade florestal;
– indústria meramente extrativa;
– artesanato, artes e cultura, em geral;
– desporto (sociedades desportivas);
– prestadas por profissionais liberais, nomeadamente os profissionais liberais que estão sujeitos a associações públicas profissionais (Ordens ou Câmaras), como os: Advogados, economistas, engenheiros, arquitetos, revisores oficiais de contas, contabilistas certificados, médicos, enfermeiros, psicólogos, despachantes oficiais, solicitadores e/ou agentes de execução, farmacêuticos, etc… (ver: sociedades de profissionais);
– prestadas por outras classes profissionais que não estão sujeitas a associações públicas profissionais (Ordens), mas que estão sujeitas a um regime jurídico específico, como os administradores judiciais ou administradores de insolvência [5]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., págs. 33 e 249 a 257..
Logo, salvo se forem, por outra via, comerciais (ver em baixo), todos os atos que forem praticados em série ou em repetição orgânica no quadro de empresas que tenham por objeto qualquer uma destas atividades serão atos civis.
2.1.1.2) Outros atos de comércio objetivos previstos no Código Comercial:
São também atos de comércio objetivos por se encontrarem especialmente previstos no Código Comercial, nomeadamente:
– o contrato de compra e venda comercial (arts. 463.º a 476.º);
– a fiança comercial (art. 101º);
– o contrato de mandato comercial (arts. 231.º a 247.º);
– o contrato de conta corrente (arts. 344.º a 350.º);
– o contrato de transporte (arts. 366.º a 393.º);
– o contrato de empréstimo comercial (arts. 394.º a 396.º);
– o penhor comercial ou penhor mercantil (arts. 397.º a 402.º);
– o contrato de depósito comercial (arts. 403.º a 407.º);
– o contrato de reporte (arts. 477.º a 479.º);
– o contrato de escambo ou troca comercial (art. 480.º);
– o contrato de aluguer comercial (arts. 481.º e 482.º); etc…
2.1.2) Atos de comércio objetivos previstos em Leis de natureza comercial avulsas ao Código Comercial (extravagantes):
Por sua vez, são nomeadamente atos de comércio objetivos previstos em legislação de natureza comercial avulsa ou extravagante ao Código Comercial:
1) os atos praticados em letras de câmbio, livranças e cheques, regulados respetivamente na Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças [6]Consultar a Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças no link: https://www.igf.gov.pt/leggeraldocs/LEI_LETRAS_LIVRANCAS.htm e na Lei Uniforme relativa aos Cheques [7]Consultar a Lei Uniforme relativa aos Cheques no link: https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/legislacoes/253220656_1.doc.pdf.
Por exemplo, a prestação de um aval por parte de um sócio e/ou administrador de uma sociedade de advogados numa livrança em que é avalizada essa sociedade, emitida no âmbito de um contrato de empréstimo bancário com vista à concessão de crédito à sociedade é:
– para o avalista (sócio e/ou administrador) e avalizado (sociedade de advogados), um ato de comércio objetivo;
– para o banco, porém, é um ato de comércio simultaneamente objetivo e subjetivo.
2) a constituição de sociedades comerciais (sociedades por quotas, sociedades unipessoais por quotas, sociedades anónimas (S.A.), entre outras), regulada nomeadamente:
i) Código das Sociedades Comerciais [8]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis;
ii) no Dec-Lei n.º 111/2005, de 8 de julho, com as alterações subsequentes, que estabelece o regime especial de constituição imediata de sociedades (“empresa na hora” – ver constituir empresa na hora) [9]Consultar a versão atualizada do Dec-Lei n.º 111/2005, de 8 de julho no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=548&tabela=leis&so_miolo=; e
iii) no Dec-Lei n.º 125/2006, de 29 de junho, com as alterações subsequentes, que estabelece o regime especial de constituição online de sociedades (“empresa online” – ver constituição de sociedade online) [10]Consultar a versão atualizada do Dec-Lei n.º 125/2006, de 29 de junho no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=865&tabela=leis&so_miolo=.
3) o contrato de locação financeira, regulado no Dec-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, com as alterações subsequentes, que estabelece o regime jurídico do contrato de locação financeira [11]Consultar a versão atualizada do Dec-Lei n.º 149/95, de 24 de junho no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=832&tabela=leis&so_miolo=;
4) o contrato de agência, regulado no Dec-Lei 178/86 de 3 de julho, com as alterações subsequentes, que estabelece o regime jurídico do contrato de agência [12]Consultar a versão atualizada do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de julho no link: https://www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/4520.pdf, etc…
2.1.3) Atos de comércio objetivos previstos em disposições legais de natureza comercial integradas em diplomas legais de natureza não comercial:
São também atos de comércio objetivos os atos previstos em disposições legais de natureza comercial integradas em diplomas legais de natureza não comercial, como por exemplo:
– o trespasse de estabelecimento comercial, parcialmente regulado no art. 1112.º do Código Civil [13]Consultar o Código Civil no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis;
– a cessão de exploração de estabelecimento comercial ou locação de estabelecimento comercial, regulada no art. 1109.º do Código Civil.
2.1.4) Atos de comércio objetivos por analogia:
Pode haver ainda atos de comércio objetivos que não estão previstos na Lei, mas que são análogos aos atos de comércio objetivos previstos na Lei [14]Neste sentido, J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., págs. 81 a 93 e A. Menezes Cordeiro, colab. de A. Barreto Menezes Cordeiro, op. cit., págs. 211 a 216..
O contrato de concessão comercial e o contrato de franchising (franquia) são modalidades de contratos de distribuição comercial. Contudo, são contratos atípicos: não estão regulados na Lei (ao contrário do contrato de agência, que está regulado na Lei). O contrato de concessão comercial e o contrato de franquia (franchising) são contratos atípicos, mas são contratos socialmente típicos.
Contratos socialmente típicos – são aqueles que não estão regulados na Lei, mas que são reiterada e sistematicamente celebrados na praxis comercial com essencialmente o mesmo clausulado (conteúdo).
Estes contratos são análogos ao contrato de agência; logo, por via da analogia, também estes contratos devem ser qualificados como atos de comércio objetivos [15]Neste sentido, pelo menos, quanto ao contrato de concessão comercial, J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., pág. 93. No sentido de que o contrato de concessão comercial e o contrato de franquia … Continuar a ler.
2.2) Atos de comércio subjetivos:
Por sua vez, os atos de comércio subjetivos são todos os factos jurídicos voluntários (atos) praticados pelos comerciantes exceto:
a) os atos que forem de natureza exclusivamente civil como, por exemplo: o casamento, o testamento ou a perfilhação; e
b) os atos que:
i) não tendo uma natureza exclusivamente civil
ii) resulte do respetivo conteúdo e circunstâncias que não estão conexionados com o comércio do respetivo sujeito (cfr. 2ª parte do art. 2.º) [16]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., pág. 98..
Exemplo 1:
Por exemplo, um trabalhador de uma sociedade comercial (por exemplo, sociedade por quotas, sociedade unipessoal por quotas ou sociedade anónima [S.A.]), ao conduzir um veículo da propriedade desta, provoca com culpa um acidente de viação do qual resultam danos patrimoniais e não patrimoniais (cfr. arts. 503.º e 500.º do Código Civil).
Ora, para a sociedade comercial (que, nos termos do art. 13.º, n.º 2, é um comerciante) esse facto gerador de responsabilidade civil extracontratual objetiva (independente de culpa) é um ato:
– que não tem natureza exclusivamente civil e
– de cujo conteúdo e circunstâncias resulta claramente a sua conexão com o comércio desta.
Exemplo 2:
Por exemplo, um empresário em nome individual que explora um estabelecimento comercial de tipo snack-bar (que é um comerciante em nome individual ou um comerciante individual):
a) compra eletrodomésticos para a sua casa de morada de Família, para usar em contexto estritamente pessoal. Ora, para esse empresário, esse contrato de compra e venda não é um ato de comércio subjetivo uma vez que:
i) apesar de o ato não ter natureza exclusivamente civil,
ii) resulta das circunstâncias do próprio ato que este não está relacionadocom o comércio do empresário (exploração de um snack-bar).
b) se, porém, inversamente, o mesmo empresário comprar eletrodomésticos para serem usados em contexto profissional, no seu snack-bar, esse contrato de compra e venda de eletrodomésticos já será um ato de comércio subjetivo porquanto:
i) o ato não tem natureza exclusivamente civil; e porque
ii) das circunstâncias do próprio ato resulta que este não está conexionado com o comércio do empresário (exploração de um snack-bar).
2.3) Relevância da distinção entre atos de comércio objetivos e atos de comércio subjetivos – atos de comércio objetivos esporádicos ou ocasionais:
Área de sobreposição muito grande:
A maioria dos atos de comércio objetivos (os atos de comércio previstos na Lei: Código Comercial, legislação avulsa de natureza comercial e disposições legais de natureza comercial integradas em diplomas legais de natureza não comercial) são praticados por comerciantes. Pelo que esses atos serão qualificados como comerciais não só porque são objetivamente comerciais como também porque são subjetivamente comerciais.
Existe, portanto, uma área de sobreposição muito grande entre os atos de comércio objetivos e os atos de comércio subjetivos.
Sendo assim, quando é que deixa de haver sobreposição entre ambos? Isto é, quando é que estamos perante atos que se qualificam como comerciais (de comércio) apesar de não serem praticados por comerciantes?
Atos de comércio objetivos esporádicos ou ocasionais:
Ora, deixa de haver sobreposição entre ambos nos atos de comércio objetivos praticados por não comerciantes a título meramente esporádico ou ocasional, ou seja, nos atos de comércio (objetivos) esporádicos, ocasionais ou isolados.
Isto porque, como resulta do que referimos em cima, também os não comerciantes (pessoas singulares consumidoras, sociedades civis, incluindo sociedades de profissionais, quer sejam sociedades civis sob forma civil quer sejam sociedades civis sob forma comercial, associações, fundações, etc… cfr. art. 13.º, nºs 1 e 2 a contrario) podem praticar atos de comércio (cfr. art. 1.º).
Ora, a consequência prática é a de que também a estes atos se aplicará o regime jurídico especial aplicável à generalidade dos atos de comércio. Logo, as dívidas dos não comerciantes que resultem dos atos de comércio esporádicos ou ocasionais que estes pratiquem serão qualificadas como dívidas comerciais.
3) Atos de comércio autónomos (ou absolutos ou por natureza) vs atos de comércio acessórios (ou por conexão):
Atos de comércio autónomos:
Os atos de comércio autónomos, atos de comércio por natureza ou atos de comércio absolutos são todos aqueles que são qualificados como comerciais por si mesmos, independentemente da sua ligação com outros atos ou atividades comerciais [17]idem, págs. 103 e 104..
Por exemplo, a venda de um automóvel por parte de uma sociedade comercial que explora um stand de automóveis é um ato de comércio autónomo, absoluto ou por natureza (art. 463.º, n.º 3).
Atos de comércio acessórios:
Os atos de comércio acessórios ou atos de comércio por conexão são todos aqueles que são comerciais apenas porque estão ligados ou em conexão com atos comerciais.
São nomeadamente atos de comércio acessórios:
– a fiança comercial (cfr art. 101.º). Com efeito, a fiança é qualificada como comercial se se destinar a garantir uma dívida comercial, isto é, uma dívida emergente de um ato de comércio (autónomo, absoluto ou por natureza);
– o mandato comercial. O mandato é qualificado como comercial quando uma pessoa fica encarregue de praticar um ou mais atos de comércio por conta de outrem (em nome desse outrem [com poderes de representação] ou em nome próprio [sem poderes de representação]) (cfr. art. 231.º);
– empréstimo comercial. O contrato de empréstimo é comercial se a coisa (por ex: dinheiro) cedida for destinada a qualquer ato mercantil (cfr. art. 394.º);
– penhor comercial. O penhor é comercial se se destinar a garantir uma dívida comercial, isto é, uma dívida emergente de ato de comércio (cfr. art. 397.º);
– depósito comercial. O depósito é comercial se os bens depositados, nomeadamente géneros e mercadorias, forem destinados a qualquer ato de comércio (art. 403.º) (por exemplo, destinados para venda cfr. art. 463.º, n.º 3).
4) Atos de comércio unilaterais vs atos de comércio bilaterais:
4.1) Atos de comércio bilaterais ou atos bilateralmente comerciais:
Os atos de comércio bilaterais são aqueles que são comerciais em relação a ambas as partes.
Por exemplo, um contrato de fornecimento de telecomunicações celebrado entre uma sociedade comercial que fornece telecomunicações e um empresário em nome individual que explora um restaurante (são ambos comerciantes – ver o nosso artigo: comerciante) é um ato de comércio bilateral.
4.2) Atos de comércio unilaterais ou atos unilateralmente comerciais:
Por exemplo, um contrato de compra e venda de um bem de consumo celebrado entre uma sociedade comercial que explora um supermercado e um cliente pessoa singular que não seja comerciante é um ato de comércio unilateral:
– para a sociedade comercial, a venda é um ato de comércio;
– para o cliente pessoa singular não comerciante, a compra não é um ato de comércio (é um ato civil).
Assim:
– a dívida da sociedade comercial que explora o supermercado emergente do contrato celebrado com o consumidor relativa à entrega do bem de consumo é uma dívida comercial; mas,
– a dívida do consumidor emergente do contrato celebrado com a sociedade comercial que explora o supermercado relativa à entrega do preço já é uma dívida civil.
4.3) Regime jurídico aplicável aos atos de comércio unilaterais:
Aos atos de comércio unilaterais aplicam-se as disposições da lei comercial quanto a todos os contratantes, salvas as que só forem aplicáveis àquele ou àqueles por cujo respeito o ato é comercial (cfr. art. 99.º).
É precisamente o que ocorre no art. 100.º § único. Pelo que, o regime supletivo (aquele que pode ser afastado por estipulação das partes em sentido contrário ou diverso, mas que se aplica na ausência de qualquer estipulação) é o de que as dívidas emergentes de atos de comércio não são solidárias em relação aos não comerciantes quanto aos contratos que, em relação a estes, não constituírem atos comerciais.
No exemplo referido no ponto anterior (4.2), se, por hipótese, houvesse mais do que um devedor, a dívida da sociedade comercial que explora o supermercado emergente do contrato celebrado com o consumidor relativa à entrega do bem de consumo seria uma dívida solidária.
Por sua vez, se, nesse exemplo, houvesse, por hipótese, mais do que um devedor, a dívida dos consumidores emergente do contrato celebrado com a sociedade comercial que explora o supermercado relativa à entrega do preço não seria uma dívida solidária.
5) Espécies de atos de comércio:
Os atos de comércio são fontes de obrigações (dívidas ou débitos), ou seja, são factos jurídicos geradores de dívidas; factos jurídicos dos quais resulta a constituição de dívidas.
Ora, de acordo com a sua natureza, os atos de comércio podem ser nomeadamente:
– contratos (a maioria dos atos de comércio são contratos);
– negócios jurídicos unilaterais (por exemplo: prestação de aval numa livrança ou numa letra de câmbio [18]P. Pais de Vasconcelos e P. Leitão Pais de Vasconcelos, op. cit., págs. 339 a 341.);
– factos geradores de responsabilidade civil extracontratual, delitual ou aquiliana:
1) por factos ilícitos culposos (dolo ou negligência),
2) pelo risco (responsabilidade civil objetiva, isto é, independentemente de culpa), ou ainda,
3) responsabilidade civil por factos lícitos danosos [19]Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 556.,
– entre outros.
Dos atos de comércio resultam dívidas, obrigações ou débitos. Essas dívidas são comerciais, aplicando-se-lhes o respetivo regime jurídico específico (ver: dívidas comerciais).
6) Importância da qualificação dos atos como atos de comércio:
A qualificação dos atos (que na sua maioria são contratos) como atos de comércio é relevante para vários efeitos; com efeito, permite:
i) qualificar as dívidas emergentes desses atos como dívidas comerciais, sujeitando-as:
– ao respetivo regime jurídico especial comum (por exemplo: juros comerciais; regime supletivo de responsabilidade solidária no caso de haver dois ou mais devedores) e
– em alguns casos (isto é, para algumas dívidas comerciais), a prazos de prescrição mais reduzidos.
ii) qualificar como comerciais os atos que sejam acessórios dos atos comerciais autónomos, absolutos ou por natureza; e ainda,
iii) qualificar certos sujeitos de Direito como comerciantes, nomeadamente:
– as sociedades comerciais, que são aquelas que têm por objeto a prática de atos de comércio objetivos; e
– os comerciantes em nome individual, que são as pessoas singulares, que tendo capacidade de exercício para praticar atos de comércio, fazem deste profissão [20]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., págs. 59 e 60..