
1) Definição:
O agrupamento complementar de empresas (ACE) é uma pessoa coletiva (entidade):
i) criada por duas ou mais pessoas singulares ou coletivas, nomeadamente sociedades comerciais, desde que, no primeiro caso, explorem uma empresa em sentido objetivo (organização de fatores de produção destinada ao exercício de uma atividade económica) e que, tanto no primeiro caso como no segundo, conservam, após a constituição do ACE, a sua própria personalidade jurídica (isto é, continuam a ser sujeitos de Direito),
ii) dotada de personalidade jurídica (o ACE é um sujeito de Direito de tipo pessoa coletiva, distinto e autónomo face aos sujeitos dos respetivos membros [“agrupados” ou “sócios”], com aptidão para ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações), sendo, por isso, também
iii) dotada de autonomia patrimonial, e
iv) (dotada) de órgãos próprios com aptidão para formar e/ou exprimir uma vontade que lhe é juridicamente imputável [1]Nesta parte, J. M. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial – Das Sociedades, Volume II, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, pág. 70., que a representam para todos os efeitos e cujos atos praticados nessa qualidade, lícitos ou ilícitos, a vinculam,
v) destinada a melhorar as condições de exercício ou de resultado das atividades económicas dos respetivos membros, podendo apenas visar a realização e partilha de lucros a título meramente acessório e apenas quando expressamente autorizado pelo respetivo contrato constitutivo.
Índice
- 1) Definição:
- 2) Exemplos – ACE concretos em Portugal:
- 3) Regulação específica – legislação:
- 4) O ACE tem personalidade jurídica – é uma modalidade de joint venture de base societária (incorporated joint venture) – cooperação de empresas:
- 5) ACE vs consórcio:
- 6) Finalidade; razão de ser; escopo lucrativo?
- 7) Número de ACE registados em Portugal:
- 8) Regime fiscal (impostos):
- 9) Responsabilidade dos agrupados (membros) pelas dívidas do ACE – subsidiária em relação ao ACE, mas solidária entre si:
- 10) Quem pode constituir um ACE:
- 11) Outras características:
Nota:
– Ver bibliografia sobre o agrupamento complementar de empresas na seguinte nota de rodapé [2]Manuel Fragoso Mendes, Agrupamentos Complementares de Empresas, AAFDL Editora, Lisboa, 2020; J. A. Pinto Ribeiro e R. Pinto Duarte, “Dos Agrupamentos Complementares de Empresas”, em … Continuar a ler.
2) Exemplos – ACE concretos em Portugal:
São exemplos de ACE registados em Portugal:
– Defmaia – Agrupamento Complementar de Empresas, Ace;
– Opennine – Agrupamento Complementar de Empresas, Ace;
– Verangol / Edente – Agrupamento Complementar de Empresas, Ace;
– Produpeixe – Organização de Produtores e Transportadores de Pescado de Peniche, Agrupamento Complementar de Empresas;
– Wolfspring – Agrupamento Complementar de Empresas Para Custódia e Gestão de Arquivos, A.C.E;
– Afocelca – Agrupamento Complementar de Empresas Para Proteção Contra Incêndios Ace;
– Portarroz – Agrupamento de Produtores de Arroz, A.C.E
– Sistem-Crope Agrupamento Complementar de Empresas, A.C.E
– Plataforma Legal, ACE (é um ACE constituído por duas sociedades de Advogados) [3]Fontes: i) https://www.racius.com/empresas-em-portugal/em-atividade/?q=agrupamento+complementar+de+empresas; ii) https://www.racius.com/empresas-em-portugal/em-atividade/?q=ace; iii) … Continuar a ler.
Para mais resultados ver no site de base de dados racius.com [4]https://www.racius.com/pesquisa/?q=Agrupamento+Complementar+De+Empresas..
3) Regulação específica – legislação:
3.1) Atos normativos que versam especificamente sobre os ACE:
Os agrupamentos complementares de empresas estão especificamente regulados:
– na Lei n.º 4/73, de 4 de junho, que estabelece as bases do Regime dos Agrupamentos Complementares de Empresas [5]Consultar a Lei n.º 4/73, de 4 de junho no link: https://dre.pt/pesquisa/-/search/422832/details/normal?p_p_auth=cTdk6ewR; e
– no Decreto-Lei n.º 430/73, de 25 de agosto, que estabelece a regulamentação do regime dos Agrupamentos Complementares de Empresas, com as alterações do Decreto-Lei n.º 36/2000, de 14 de março [6]Consultar o Decreto-Lei n.º 430/73, de 25 de agosto no link: https://dre.pt/pesquisa/-/search/419811/details/maximized.
3.2) Disposições legais especificamente aplicáveis aos ACE, mas que constam de outros diplomas legais:
Os agrupamentos complementares de empresas estão ainda especificamente regulados:
CRComercial:
– nos arts. 1.º, n.º 2, 6.º, 9.º als. c) e i), 10.º al. c), todos do Código do Registo Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 403/86, de 3 de dezembro [7]Consultar o Código do Registo Comercial no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=506&tabela=leis;
Sociedades de profissionais:
– nos arts. 28.º, n.º 2 al. k), 48.º, nºs 1, 2 al. c) e 3 da Lei n.º 53/2015, de 11 de junho, que estabelece o Regime jurídico da constituição e funcionamento das sociedades de profissionais que estejam sujeitas a associações públicas profissionais [8]Consultar a Lei n.º 53/2015, de 11 de junho, no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2363&tabela=leis&ficha=1&pagina=1&so_miolo=;
Beneficiário efetivo:
– art. 4.º al. f) da Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto, com as alterações subsequentes, que aprova o Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo (RJRCBE) [9]Consultar a versão atualizada da Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2755&tabela=leis&so_miolo= – esta norma determina que o agrupamentos complementares de empresas estão excluídos do âmbito de aplicação do RJRCBE;
Construção Civil:
– art. 19.º da Lei n.º 41/2015, de 3 de junho, com as alterações subsequentes, que estabelece o regime jurídico aplicável ao exercício da atividade da construção [10]Consultar a versão atualizada da Lei n.º 41/2015, de 3 de junho no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2358&tabela=leis&so_miolo=;
Direito Fiscal (impostos):
– no art. 60.º, n.ºs 1, 2, 4 al.a) subalínea i), 5 e 6 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, com as alterações subsequentes [11]Consultar a versão atualizada do Estatuto dos Benefícios Fiscais no link: https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/151865215/202102180947/indice.
– no art. 6.º, n.ºs 2 e 3 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro e republicado em anexo pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com as alterações subsequentes [12]Consultar a versão atualizada do CIRC no link: https://dre.pt/dre/legislacao-consolidada/lei/2014-64205634 que determina a sujeição dos agrupamentos complementares de empresas ao regime da transparência fiscal (ver em baixo ponto 8);
Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE):
– arts. 2.º, n.º 1 al. a) e 118.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, com as alterações subsequentes [13]Consultar a versão atualizada do CIRE no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=85&tabela=leis.
Contabilidade – Sistema de Normalização Contabilística (SNC) e NCRF 13:
– art. 3.º, n.º 1 al. f) do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, republicado em anexo pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho, com as alterações subsequentes, que aprova o Sistema de Normalização Contabilística [14]Consultar a versão atualizada do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho no link: https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/158-2009-492428; e
– art. 1.º da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 13 (NCRF 13) – Interesses em Empreendimentos Conjuntos e Investimentos em Associadas [15]Consultar a NCRF 13 no link: https://www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas%20com%20retifica%C3%A7%C3%A3o/NCRF_13.pdf.
4) O ACE tem personalidade jurídica – é uma modalidade de joint venture de base societária (incorporated joint venture) – cooperação de empresas:
4.1) Joint venture:
Em qualquer das suas modalidades, a joint venture traduz uma relação de cooperação entre empresas (via de regra, sociedades comerciais ou sociedades civis sob forma comercial) com vista à realização, por um determinado período de tempo ou por tempo indeterminado, em comum ou de forma concertada, de um projeto ou empreendimento comum, mantendo aquelas a sua autonomia jurídica e, em parte, económica [16]Ana Perestrelo de Oliveira, op. cit., pág. 33 e J. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, op. cit., pág. 393..
4.2) Joint venture de base societária (incorporated joint venture):
Em geral:
O agrupamento complementar de empresas (ACE) é uma modalidade de joint venture de base societária (incorporated joint venture). Ver: joint venture em Portugal.
Assim, o ACE distingue-se claramente do contrato de consórcio e do contrato de associação em participação: estes últimos não dão origem a uma pessoa coletiva de pleno Direito dotada de personalidade jurídica (plena).
Eficácia erga omnes – dá origem a uma nova pessoa coletiva:
Ora, a joint venture com uma base societária (incorporated joint venture) produz efeitos face a todos os outros sujeitos de Direito – tem eficácia erga omnes. Com efeito, de uma joint venture de base societária resulta uma nova pessoa coletiva:
i) dotada de personalidade jurídica (plena) (Base IV da Lei n.º 4/73, de 4 de junho), ou seja, é um novo sujeito de Direito, de tipo pessoa coletiva, distinto e autónomo face ao sujeito ou sujeitos que o constituíram ou que dele são membros (agrupados ou sócios) com aptidão para ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações), sendo, por isso,
ii) também dotada de autonomia patrimonial, e
iii) (dotada) de órgãos próprios com aptidão para formar e/ou exprimir uma vontade que lhe é juridicamente imputável [17]Nesta parte, J. M. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial – Das Sociedades, Volume II, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, pág. 70., que a representam para todos os efeitos e cujos atos praticados nessa qualidade, lícitos ou ilícitos, a vinculam.
Eventuais divergências entre os atos imputáveis ao ACE e o contrato inicial de joint venture:
Pelo que, em caso de eventuais divergências, contradições ou conflitos entre, por um lado, o “pacto social” ou “estatutos” do ACE, as deliberações sociais da assembleia geral do ACE e, em geral, os atos praticados pelos órgãos do ACE, especialmente pelo respetivo órgão de administração e representação (sobre a estrutura orgânica do ACE ver em baixo ponto 10) e, por outro lado, o contrato inicial de joint venture, prevalecem os primeiros.
5) ACE vs consórcio:
A principal diferença entre o agrupamento complementar de empresas (ACE) e o consórcio é a de que:
a) o consórcio não tem personalidade jurídica (nem sequer rudimentar – sobre esta questão ver o nosso artigo: personalidade jurídica das sociedades comerciais): não é uma entidade autónoma face aos sujeitos de Direito, pessoas singulares ou coletivas, que o criaram; ao passo que,
b) o agrupamento complementar de empresas (ACE) goza de personalidade jurídica – é uma pessoa coletiva, distinta e autónoma face aos sujeitos dos respetivos membros [“agrupados” ou “sócios”], com aptidão para ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações). Está sujeita a registo comercial e deve ser inscrita no Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
6) Finalidade; razão de ser; escopo lucrativo?
O agrupamento complementar de empresas destina-se primordialmente a melhorar as condições de exercício ou de resultado das atividades económicas dos respetivos membros (agrupados) (Base I da Lei n.º 4/73, de 4 de junho [18]Consultar a Lei n.º 4/73, de 4 de junho no link: https://dre.pt/pesquisa/-/search/422832/details/normal?p_p_auth=cTdk6ewR).
6.1) Escopo lucrativo?
Fim principal:
O agrupamento complementar de empresas não pode ter por fim principal a realização e distribuição de lucros. O fim principal dos agrupamentos complementares de empresas é o de gerar vantagens económicas de qualquer tipo (melhorar as condições de exercício ou de resultado) ou realizar economias (eliminação ou redução de despesas), produzíveis diretamente no património dos respetivos agrupados [19]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., págs. 33 a 36 e 50 a 52..
Ou seja, o agrupamento complementar de empresas destina-se a permitir que os respetivos membros ou sócios obtenham um desempenho económico superior àquele que provavelmente obteriam caso atuassem isoladamente (sem constituir um ACE).
Fim acessório:
Porém, o agrupamento complementar de empresas também pode visar diretamente a realização de lucros (na sua própria esfera jurídica – o ACE tem personalidade jurídica e, por isso, é um sujeito de Direito autónomo e distinto dos sujeitos dos respetivos membros) e a sua partilha ou distribuição pelos respetivos agrupados ou sócios desde que:
– o faça a título meramente acessório, e
– para tal esteja expressamente autorizado pelo respetivo contrato constitutivo (o que ocorre com frequência na prática).
Cfr.: Base I, n.º 1 e Base II, n.º 1 da Lei n.º 4/73, de 4 de junho [20]Consultar a Lei n.º 4/73, de 4 de junho no link: https://dre.pt/pesquisa/-/search/422832/details/normal?p_p_auth=cTdk6ewR; e arts. 1.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 430/73, de 25 de agosto [21]Consultar o Decreto-Lei n.º 430/73, de 25 de agosto no link: https://dre.pt/pesquisa/-/search/419811/details/maximized.
6.2) Exemplos de finalidades dos ACE:
Por exemplo, duas empresas agrícolas (sociedades civis sob forma comercial) constituem um agrupamento complementar de empresas para:
– comprarem em conjunto matérias-primas a um preço mais reduzido do que aquele que pagariam caso atuassem isoladamente;
– venderem em conjunto os respetivos produtos finais a um preço mais elevado do que aquele a que venderiam caso atuassem isoladamente (por exemplo, pequenos agricultores que se juntam para venderem os respetivos hortícolas e frutos a grandes hipermercados),
– realização de despesas com investigação e desenvolvimento (research and development [R&D]), especialmente de natureza científica e/ou tecnológica;
– fazer prospeção de mercado; e/ou
– publicitação em conjunto dos respetivos produtos [22]J. M. Coutinho de Abreu, op. cit., pág. 51., etc.
Ou seja, neste caso, o agrupamento complementar de empresas, enquanto sujeito de Direito, não visa diretamente obter lucros; visa que os respetivos membros (agrupados ou sócios) aumentem os seus lucros:
– quer através da redução de despesas,
– quer através da obtenção de quaisquer outras vantagens económicas.
6.3) Outro exemplo – Airbus vs Boeing:
Antes do surgimento da Airbus em 1970, a Boeing dominava, quase por completo, o mercado mundial de produção de aviões comerciais. Para combater a hegemonia do produtor norte-americano várias empresas europeias constituíram a “Airbus Industries”, que começou precisamente como um agrupamento complementar de empresas de Direito Francês (Groupement d’intérêt économique [GIC]) [23]A. Menezes Cordeiro, colab. de A. Barreto Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades I, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 358; ver também https://www.senat.fr/rap/r98-414/r98-41424.html, que juntou:
– a Francesa “Aérospatiale”, com 37,5% de participação, responsável por produzir o cockpit, controlos de voo e a parte central inferior da fuselagem doa aviões;
– a Alemã “Deutsche Airbus” com 25% de participação, responsável por produzir a fuselagem central e traseira dos aviões;
– a Britânica “Hawker-Siddeley”, com 37,5%, responsável por produzir as asas;
– mais tarde, juntou-se também à Airbus, a Espanhola CASA, responsável por produzir o estabilizador horizontal do A300 [24]Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Airbus.
A constituição do agrupamento complementar de empresas permitiu a repartição de tarefas, de esforços financeiros e de know-how entre as várias empresas europeias agrupadas que, por sua vez, permitiram o sucesso da Airbus; caso atuassem isoladamente, as empresas agrupadas nunca conseguiriam combater eficazmente a hegemonia da Boeing.
7) Número de ACE registados em Portugal:
Em 2022, estavam inscritos ou registados no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas (FCPC) 756 agrupamentos complementares de empresas (ACE) não extintos [25]Dados obtidos em: https://estatisticas.justica.gov.pt/sites/siej/pt-pt/Paginas/Entidades_inscritas_FCPC.aspx.
8) Regime fiscal (impostos):
8.1) Transparência fiscal:
Sujeição:
Os agrupamentos complementares de empresas estão sujeitos ao regime da transparência fiscal. Ver o nosso artigo: transparência fiscal – o que é e como evitar.
Regime:
Com efeito, os lucros ou prejuízos do exercício, apurados nos termos do CIRC, dos agrupamentos complementares de empresas com sede ou direção efetiva em território português, que se constituam e funcionem nos termos legais, são imputáveis diretamente aos respetivos membros, integrando-se no rendimento tributável destes, nos termos que resultarem do contrato constitutivo do agrupamento complementar de empresas (por exemplo: 70% vs 30%; 60% vs 20% vs 20%) ou, na falta de elementos, em partes iguais (art. 6., nºs 2 e 3 do CIRC [26]Consultar a versão atualizada do CIRC no link: https://dre.pt/dre/legislacao-consolidada/lei/2014-64205634).
Desconsideração da personalidade fiscal:
Deste modo, a Lei faz operar uma verdadeira desconsideração da personalidade fiscal [27]Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 54 e 55. do agrupamento complementar de empresas, isentando-o de tributação em sede de IRC, perpassando a sua esfera jurídica, quase como se este, pelo menos para efeitos de imputação de rendimentos, não existisse.
8.2) Benefícios fiscais:
8.2.1) EBF – art. 60.º:
Às entidades que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços, e que se reorganizem, em resultado de acordos de cooperação, nomeadamente através da constituição de um agrupamento complementar de empresa, são aplicáveis os seguintes benefícios fiscais:
a) Isenção do imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis (IMI), relativamente aos imóveis não habitacionais e, quando afetos à atividade exercida a título principal, aos imóveis habitacionais, necessárias ao acordo de agrupamento complementar de empresa;
b) Isenção do imposto do selo (IS), relativamente à transmissão dos imóveis referidos na alínea anterior ou de estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, necessários ao acordo de agrupamento complementar de empresa;
c) Isenção dos emolumentos e de outros encargos legais que se mostrem devidos pela prática dos atos inseridos nos processos de cooperação relativos ao ACE.
Cfr. art. 60.º, n.ºs 1, 2 e 4 al.a) subalínea i) do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, com as alterações subsequentes [28]Consultar a versão atualizada do Estatuto dos Benefícios Fiscais no link: https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/151865215/202102180947/indice.
8.2.2) Expediente jurídico de planeamento fiscal:
Vantagens fiscais face às sociedades comerciais convencionais:
Ora, estes benefícios fiscais específicos dos agrupamentos complementares de empresas não estão acessíveis à generalidade das sociedades comerciais. Pelo que, não surpreende que a constituição de agrupamentos complementares de empresas se tenha revelado, na prática, um instrumento útil de planeamento fiscal.
planeamento fiscal – conjunto de operações e expedientes jurídicos levados a cabo pela empresa com vista a pagar o menor valor de impostos legalmente (licitamente / em conformidade com a Lei / dentro dos limites da Lei) possível.
Violação do princípio da neutralidade fiscal da forma jurídica e mecanismo de concorrência desleal:
Assim, a existência de benefícios fiscais específicos para o agrupamento complementar de empresas:
i) viola o princípio da neutralidade fiscal da forma jurídica adotada pelas empresas (ver: forma jurídica das empresas) e
ii) pode constituir um mecanismo de distorção da concorrência ou de concorrência desleal.
Norma anti-abuso:
Porém, o n.º 6 do art. 60.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais determina que não se aplicam os benefícios fiscais em cima indicados quando se conclua que essas operações tiveram como principal objetivo ou como um dos principais objetivos obter uma vantagem fiscal, o que pode considerar-se verificado, designadamente, quando as operações não tenham sido realizadas por razões económicas válidas e não reflitam substância económica, tais como o reforço da competitividade das empresas ou da respetiva estrutura produtiva, procedendo-se então, se for caso disso, às correspondentes liquidações adicionais de imposto, majoradas em 15 %.
9) Responsabilidade dos agrupados (membros) pelas dívidas do ACE – subsidiária em relação ao ACE, mas solidária entre si:
Os membros do ACE (agrupados / “sócios” / empresas agrupadas):
– respondem subsidiariamente em relação ao ACE (responsabilidade subsidiária): os credores do agrupamento complementar de empresas não podem exigir das empresas agrupadas o pagamento dos seus créditos sem que todos os bens do ACE estejam previamente excutidos (executados: penhorados ou apreendidos);
– mas, uma vez excutidos todos os bens do ACE, respondem solidariamente entre si pelas dívidas do ACE (responsabilidade solidária), salvo cláusula em contrário de um contrato celebrado por este (ACE) com um credor determinado.
10) Quem pode constituir um ACE:
Podem constituir agrupamentos complementares de empresas (ACE):
a) pessoas singulares desde que explorem uma empresa em sentido objetivo (organização de fatores de produção destinada ao exercício de uma atividade económica), e
b) pessoas coletivas, nomeadamente:
i) sociedades comerciais
ii) sociedades civis sob forma comercial
iii) sociedades civis sob forma civil especiais, como por exemplo, sociedades de advogados.
Tipos de sociedades comerciais:
As sociedades comerciais e as sociedades civis sob forma comercial podem adotar, nomeadamente os seguintes tipos societários:
– sociedade por quotas;
– sociedade unipessoal por quotas (ou sociedade por quotas unipessoal);
– sociedade anónima (S.A.); entre outros.
Os sujeitos que participam na constituição de um ACE conservam a sua personalidade jurídica:
As pessoas coletivas ou singulares que participam na constituição de um agrupamento complementar de empresas (ACE) conservam, para todos os efeitos, a sua personalidade jurídica, isto é, continuam, após a constituição do ACE, a ser sujeitos de Direito.
Ora, este aspeto permite nomeadamente distinguir, no quadro dos mecanismos jurídicos de cooperação interempresarial, entre o ACE e a fusão. Com efeito, em qualquer das suas modalidades, a fusão tem sempre como efeito a redução do número das entidades intervenientes para uma única (cfr. art. 97.º, n.º 4 als. a) e b) do Código das Sociedades Comerciais [29]Consultar o Código das Sociedades Comerciais no link: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=524&tabela=leis.
11) Outras características:
Número mínimo de membros (agrupados ou sócios): 2
Capital social: pode existir, mas também pode não existir. Assim, não existe capital social mínimo: pode ser, por exemplo, de 1,00€ (um euro).
Firma: deve conter o aditamento “Agrupamento complementar de empresas” ou as iniciais “A.C.E.”
Estrutura orgânica:
I) órgão deliberativo-interno – assembleia geral.
Salvo disposição do contrato constitutivo do ACE (“estatutos” ou “pacto social”) em sentido contrário, vigora o sistema do voto por cabeça, ou seja, conta-se um voto por cada agrupado. Porém, é muito frequente na prática as partes afastarem esta regra, determinando no contrato constitutivo do ACE, para cada parte, um direito de voto proporcional a uma determinada percentagem (por exemplo, A tem 70% dos direitos de voto e B tem 30% dos direitos de voto; ou A tem 70 votos e B tem 30 votos).
II) órgão de administração e representação – a administração é exercida por uma ou mais pessoas, nos termos estipulados nos estatutos.
III) órgão de fiscalização (concretamente um ou mais revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficias de contas): pode existir ou pode não existir.
Participação ou quota-parte de cada membro no ACE: designa-se “parte”.
Transmissão/cessão da parte: a transmissão, entre vivos ou por morte, da parte de cada agrupado só pode verificar-se juntamente com a transmissão do respetivo estabelecimento ou empresa. A atribuição ao transmissário da qualidade de novo membro depende do consentimento do agrupamento complementar de empresas prestado através de deliberação em assembleia geral.
Ato constitutivo do ACE: é um contrato. A Lei refere inclusivamente as expressões:
i) “contrato constitutivo” na Base III, n.º 1 da Lei n.º 4/73, de 4 de junho [30]Consultar a Lei n.º 4/73, de 4 de junho no link: https://dre.pt/pesquisa/-/search/422832/details/normal?p_p_auth=cTdk6ewR e art. 1.º do Decreto-Lei n.º 430/73, de 25 de agosto [31]Consultar o Decreto-Lei n.º 430/73, de 25 de agosto no link: https://dre.pt/pesquisa/-/search/419811/details/maximized;
ii) “contrato do agrupamento” no art. 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 430/73, de 25 de agosto; ou
iii) simplesmente “contrato” na Base III, n.º 2 da Lei n.º 4/73, de 4 de junho e arts. 2.º, n.º 2, 6.º, n.ºs 1, 2 e 3, 7.º, 8.º, n.º 2, 9.º, n.º 2, 10.º, 12.º, n.º 1, 15.º, n.º 1 e 16.º, n.º 1 al. a) e n.º 2.